Toyota GT86: O último samurai não gosta de ir às compras

19/07/2017

Pode parecer estranho mas uma ida às compras resume bem aquilo que é o Toyota GT86. Um desportivo puro e duro. À antiga, sem artifícios e sem paninhos quentes. E é difícil ir às compras com ele. Nem tanto pela bagageira, que até é apreciável, mas sim porque os sacos das compras vão chegar ao destino todos abertos e, no limite, com mais aberturas do que aquelas que seria suposto.

Esqueça aquela alface tão viçosa que viu e comprou na secção dos frescos. Vai soltar-se do saco e vai andar a rebolar-se pela mala, espalhando folhas verdes por todo o lado. Uma lástima. E as cerejas? As cerejas, que eram tão bonitas, vão também rolar de um lado para o outro, assim como o saco da areia para o gato, que deve ter feito umas dez ‘piscinas’ entre um lado e outro da mala. Felizmente, não rompeu. Pior ainda, a roupa que comprou nos saldos vai-se misturar com as folhas soltas da alface…

Isto apenas no percurso de dez minutos do hipermercado até casa. Mas a culpa é do carro. Quer dizer, é daquilo que nos ‘obriga’ a fazer. O GT86 é um daqueles desportivos que ‘pede’ uma condução mais arrojada e que se dá bem com ela, mostrando que a diversão ao volante é uma realidade simples, numa união simbiótica entre homem e máquina. No fundo, conduzir este Toyota passa um pouco por aí: estabelecer uma união profunda com o carro, para que consigamos estar a par de todas as reações emanadas pela direção, suspensão e carroçaria, conjugando todos esses parâmetros para que se obtenha a máxima diversão de condução.

Na verdade, a par de pouquíssimos rivais – muitos deles mais orientados para uma vertente de exclusividade, seja pela produção, seja pelo preço -, o GT86 exibe uma aura muito ‘old school‘, quiçá só equiparada ao do Mazda MX-5, também ele um japonês muito irrequieto. São desportivos sem grandes artifícios, em que a tónica está na associação ente baixo peso, motor atmosférico e tração traseira. Receita simples, que no caso deste Toyota é tão evidente que apetece guardar um na garagem, só porque no futuro – dizem – os carros vão ser elétricos, autónomos e o prazer de condução ficará perdido nos confins da memória.

O ‘Hachi Roku’ (forma japonesa de dizer 86) herda muito do seu antepassado Corolla Sprinter Trueno da década de 1980, uma preciosidade para muitos drifters e amantes da condução, pelo baixo peso e potência calibrada quase à medida para os seus atributos. Muitos dos japoneses começaram as suas façanhas de drift com um AE86 (o antigo), sendo por isso um modelo quase reverenciado na cultura nipónica do drift, coabitando de forma sã com modelos da mesma época como o Nissan Skyline, Nissan Silvia S13 ou o Mazda RX-7. Todos eles traduziram uma época de ouro para os fabricantes japoneses em termos de desportivos. Mas o que torna mesmo esta fórmula tão especial?

Curvas, curvas, curvas… Feito para elas

Ao cabo de alguns quilómetros ao volante do GT86 custa a acreditar que este modelo tenha vindo do mesmo fabricante que nos dá os ecológicos Prius ou Auris Hybrid (embora conte com os mesmos pneus…), tal é a radicalidade do conceito.

Posicionamento perfeito de volante (mais pequeno), caixa e alavanca do travão de mão, bancos muito baixos e um visual coupé desportivo que é muito bem-vindo. Na carroçaria, surgem novidades ligeiras na aerodinâmica, como uma frente mais baixa, secções dianteira e traseira revistas e grelhas estrategicamente posicionadas para melhorar o fluxo de ar.

Além disso, a suspensão trabalhada pelos engenheiros da Toyota trouxe consigo novos acertos (novas molas e amortecedores Showa), assim beneficiando não só o conforto – está bastante melhor do que na fase pré-facelift -, mas também o comportamento dinâmico. Contam-se ainda mais pontos de soldadura em redor do pilar traseiro para maior rigidez estrutural em curva e painéis de carroçaria mais grossos também na parte traseira. Para terminar o ‘embrulho’, a barra estabilizadora traseira é mais grossa.

Graças a tudo isso, transmite com enorme fidelidade aquilo que se passa no asfalto, orientando as transferências de peso com grande à vontade, deixando ao condutor a tarefa de jogar com as mudanças de massa à entrada, durante e à saída da curva. O diferencial autoblocante aumenta-lhe a eficácia, formando assim um conjunto que tem nas curvas o seu local de predileção. A direção, com o peso certo para o efeito pretendido, é outra das condições que faz deste GT86 um modelo sensitivo que aparenta estar ‘em casa’ nas montanhas, aí descrevendo curvas apenas com a sonoridade do motor Boxer como acompanhante das cantorias dos pássaros. O que vale aos animais é que o som do 2.0 Boxer atmosférico não é demasiado audível. Aliás, tendo em conta aquilo que muitos dos seus rivais (ou desportivos na mesma faixa de preço) fazem, este Toyota é até muito discreto, apesar da dupla saída de escape.

O controlo de estabilidade consegue ser algo interventivo, mas percebe-se na medida em que é fácil a qualquer condutor colocar a traseira a deslizar, pelo que esse sistema trata de colocar o carro na posição mais correta. Desligando-o em modo Track (uma novidade do MY17), o condutor fica sem rede de segurança, mas aumenta a adrenalina e as reações do carro tornam-se mais ariscas. Aqui, há maior necessidade de efetuar o jogo de virar o volante e dosear acelerador na medida correta, brincando com a tração traseira deste pequeno coupé. Seja como for, na maior parte das situações não vai precisar do modo Track, dada a forma como o GT86 reage às provocações do acelerador e da direção, quando conjugadas, para uma dinâmica que está perto de ser fantástica.

Deixar o GT86 após uma sessão de condução numa estrada sinuosa, deserta e sem vivalma é uma experiência em que o resultado fica expresso num sorriso amplo do condutor. Em que se pensa voltar ‘lá para dentro’ para mais uma passagem, adiando assim a chegada ao destino planeado. Só porque… é divertido.

Motor para esticar

Ora, sendo um desportivo à antiga, o Toyota GT86 não renega à sua condição de modelo com motor atmosférico (talvez mude o futuro…) com quatro cilindros opostos e combinação de injeção direta e indireta. Na verdade, este carro não é dramaticamente veloz em linha reta, embora faça subir a adrenalina de forma natural quanto mais alto sobe o ponteiro das rotações (bem no meio da instrumentação). Muitos dos desportivos nesta faixa de preço têm atualmente mais 70 ou 100 CV de potência do que o GT86. Não têm é a tração traseira e a distribuição de pesos pensada apenas para curvar de forma incrivelmente eficaz.

Ou seja, o motor 2.0 de quatro cilindros, um boxer desenvolvido em parceria pela Toyota e pela Subaru (que vende o seu BRZ noutros mercados, explicando-se assim a alcunha de ‘Toyobaru’ que os dois modelos receberam logo após o lançamento), não é incrivelmente veloz, com os seus 200 CV e 205 Nm de binário às 6.400 rpm. Aliás, para se extrair o melhor deste motor é preciso levá-lo para regimes mais altos, sendo aí que se permite a demonstrar o seu potencial de forma mais concreta. Talvez lhe faltem uns 50 CV para ser mais excitante em linha reta, mas talvez esse incremento desvirtuasse, de certa forma, o equilíbrio geral que existe aqui, tão bem elaborado.

Note-se que este não é um carro de maneira nenhuma ‘molengão’, mas é preciso esticar o motor e isso, longe de ser um defeito, é uma característica intrínseca ao GT86. Para uma condução pacata, no dia-a-dia, porém, é um motor que chega e sobra, com acelerações competentes e recuperações muito convincentes. A caixa tem uma precisão assinalável, o que também mostra que na Toyota se sabe fazer caixas com um tato acertado para uma condução desportiva. Aplausos igualmente para a travagem, bastante eficaz a reduzir a velocidade.

Interessantes são também os consumos: o GT86 é surpreendentemente poupado, com uma média do ensaio de 8,2 l/100 km, não se afastando muito dos 7,8 l/100 km anunciados. Uma surpresa muito positiva.

Interior egoísta

Poderá parecer egoísta, mas o GT86 é feito essencialmente para dois ocupantes. Sim, tem quatro lugares, mas os bancos atrás são limitados no espaço para as pernas e em altura. Além disso, mais ocupantes equivalem a mais peso e isso não faz falta. Claro que, com alguma vontade, se consegue encaixar um adulto no banco traseiro, mas apenas é adequado para os de baixa estatura ou para crianças.

A qualidade do interior também está num patamar muito interessante, com desenho desportivo no tablier, demarcando-se a junção entre os materiais macios e a Alcantara, além dos bancos em pele (também com Alcantara) com excelente apoio lateral (vai ficar agradecido pelos mesmos). Ao nível do equipamento, o sistema de infoentretenimento é agora mais evoluído, contando com sistema de navegação incluído e conectividade ao telemóvel, havendo também na instrumentação um novo mostrador digital a cores que serve de computador de bordo e, também, de indicador das forças G e dos tempos por volta, entre outras coisas.

Quanto ao preço, o custo de 44.420€ reflete aquele posicionamento muito específico de um desportivo à imagem dos velhos tempos, surgindo bem equipado de série. Haverá rivais mais potentes e mais acessíveis, mas este é um conceito que merece ser apreciado pelos puristas, sendo ele próprio um purista.

VEREDICTO

Numa época em que se perdem tradições e culturas de identidade, é reconfortante saber que algumas marcas automóveis não estão dispostas a abdicar do lado emocional nos seus carros. Vincadamente apoiante das novas tecnologias de mobilidade e dos sistemas híbridos, a Toyota não esquece que os apreciadores da condução têm um lugar muito especial na sua história, pelo que a sua aposta neste nicho – que não o deixa de ser – merece aplausos.

A marca prepara a chegada do Yaris GRMN para o final deste ano e do novo Supra para breve (ainda sem data traçada), pelo que o seu legado parece estar bem defendido. Mas o Toyota GT86 tornou-se já objeto de culto, um representante da era em que os drifters bailavam com as suas máquinas nas montanhas do país do Sol Nascente. Uma fórmula de diversão com simplicidade de conceito – baixo peso, potência adequada – que permanece inalterada e que merece elogios por isso mesmo. Facilmente recomendável para quem quer um desportivo capaz de atravessar eras do automóvel, numa alquimia que promete deixar uma marca indelével.

Só as idas ao supermercado é que serão um aborrecimento. Mas, olhe-se pelo lado positivo: depois de estragar a primeira alface, pode sempre ir comprar outra. Há lá melhor pretexto para voltar para o volante deste Samurai?

CaracterísticasToyota GT86 Sport
Motor1.996 cc, quatro cilindros opostos (boxer), injeção direta e indireta D-4S
Potência200 CV/7.000 rpm
Binário205 Nm/6.400-7.000 rpm
TransmissãoTraseira, caixa manual de seis velocidades
0-100 km/h7,6s
Velocidade máxima226 km/h
Consumo (anunciado/medido)7,8 l/100 km (8,2 l/100 km)
Emissões CO2180 g/km
Dimensões (C/L/A)4.240/1.775/1.320 mm
Distância entre eixos2.570 mm
Peso1.260 kg
Suspensão (Fr/Tr)Independente McPherson/independente com triângulos duplos
Mala243 litros
Preço (base/ensaiado)Preço: 44.420€/44.420€

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