A nova regulamentação para o Mundial de Endurance (WEC) e para as 24 Horas de Le Mans teve o condão de revitalizar o interesse de uma grande parte dos construtores na categoria de topo da modalidade de resistência, atraindo nomes como a Ferrari, Audi, Porsche, Peugeot ou Cadillac. Laurent Rossi, CEO da Alpine, reconhece que este é um novo campo de batalha para a competição automóvel e que é extremamente apelativo para a marca do Grupo Renault, mas admite que ainda existem muitas decisões por tomar, a começar pela escolha do formato de carro com que irá – potencialmente – competir em 2022.

Numa breve conferência de imprensa com os jornalistas no espaço da Alpine em Le Mans, ainda nos primórdios da prova, Rossi adiantou que ainda não há um plano concreto delineado para a progressão da Alpine nos próximos anos. Mas, não só vê com bons olhos a continuidade da marca naquele desporto, como também espera ter uma decisão tomada quanto ao quadro regulamentar de participação “no próximo mês, talvez semanas” – entre LMH (que dá ligeiramente maior autonomia aos construtores, mas mais dispendiosa) e LMDh (que tem maior estandardização de componentes com vista a custos menores).

“Há diversos critérios de avaliação. Há uma maior liberdade na forma como se desenha um LMH, mas também é mais dispendioso. Temos de avaliar como queremos gastar o dinheiro para, no final de contas, estarmos na mesma pista a competir contra os mesmos rivais. Também temos de compreender com quem queremos competir e estar frente a frente – queremos lutar contra a Ferrari em LMH ou contra a Porsche ou a Audi em LMDh? É uma ideia a ter em conta. Tenho alguns critérios, mas não posso revelar. Ambas são interessantes e ambas são escolhas que estamos a considerar”, afiançou Laurent Rossi, enquanto as seis dezenas de carros continuavam a ecoar em pano de fundo nas suas passagens pela reta da meta do circuito de La Sarthe. O responsável máximo pelos destinos da marca desportiva do Grupo Renault apontou ainda outras circunstâncias que pesam no processo de decisão.

“A decisão ainda não está tomada, mas [a regulamentação] ajuda de muitas formas. Quando se desenvolve um carro para o WEC, torna-se ainda mais interessante a equação económica, porque percebemos repentinamente que nos abrimos a outros mercados, como os Estados Unidos da América. Não estou a dizer que a Alpine ou que qualquer outra marca do Grupo Renault vai para os EUA, mas é um facto que ganhamos outra exposição noutros mercados que estão mais interessados no IMSA, como a América, ou na América Latina. Basicamente, expandimos o campo de possíveis oportunidades e isso torna a equação económica mais interessante e ajuda todo o processo”, explica.

Provas de sprint ou de fundo nas ‘Olimpíadas’ da Alpine

Se a Alpine está no WEC e nas 24 Horas de Le Mans, num esforço conjunto com a Signatech, também ninguém esquece que a marca está na Fórmula 1, tendo conseguido recentemente a sua primeira vitória na modalidade por intermédio de Esteban Ocon. A diferença entre as duas modalidades e a possibilidade de coexistência é uma circunstância que Laurent Rossi assume abertamente, fruto de dois pontos fundamentais – a centralização na tecnologia de nova geração para os automóveis e a redução de custos de desenvolvimento e de participação. Ambos os pontos são bem-vindos por Rossi.

“Da forma como vejo, se compararem os diferentes desportos, a Fórmula 1 é uma prova de sprint de 100 metros e é bom para nós lá estarmos por boas razões – pelo mediatismo e pela transferência de tecnologia do mundo da F1 para o mundo real, porque a gestão de energia das baterias é essencial. É verdade também para a aerodinâmica, que usamos no dia-a-dia para incrementar a autonomia das baterias. É o que acontece na categoria de 100 metros. Se olharem para a Endurance e para Le Mans, é basicamente uma prova de dez quilómetros, uma categoria diferente, mas também faz parte das Olimpíadas e é muito complementar à F1. Há muitas receitas que podemos usar e há muitas tecnologias que podem transitar da F1 para Le Mans e vice-versa e daí para os carros de estrada. Por isso, para nós, faz muito sentido. É também uma afirmação da marca de estar presente em todas as categorias das Olimpíadas e sobressair, porque nós aspiramos à excelência. Por isso é que estou a considerar muito fortemente um possível prolongamento da Alpine na Endurance”, garante, especificando que o conjunto de mais-valias da Fórmula 1 e do WEC se adequa ao que a Alpine espera do mundo da competição.

“É interessante, porque é algo que gostamos no novo panorama da Fórmula 1. Um dos motivos para renomear a equipa para Alpine foi que a Renault já fazia um pouco parte da mobília, percebem? Já lá estava há 40 anos e era difícil retirar algo mais dessa participação. Já a Alpine era uma marca ‘confidencial’, por isso ao levá-la para a F1 expõe-se a cerca de 180 países, 45 semanas por ano a cada fim de semana ou quase. O bónus é ter a Alpine a lutar contra a Aston Martin, Ferrari, McLaren ou Mercedes. A Endurance vai no mesmo caminho e gostamos disso. Porque lutamos contra marcas similares num campo similar. Faz sentido para a Alpine estar a competir contra a Toyota, amanhã talvez a contra a Peugeot, Ferrari, Porsche, Audi, seja LMH ou LMDh. É natural para nós, dado o posicionamento da nossa marca, imaginarmo-nos a competir contra essas outras marcas”.

Aponta, no mesmo sentido, que o ambiente de redução de custos que se proporcionou na Fórmula 1 e agora no WEC ajuda à chegada de mais marcas e, também, à própria estratégia da Alpine. “Há uns anos, para se ganhar na categoria principal em Le Mans era preciso gastar tanto dinheiro como na Fórmula 1. Por vezes, até mais. Mas, agora, Le Mans torna-se mais gerível, mais racional para nós, construtores, porque subitamente não enfrentamos uma escolha impossível. Há três anos diria que não ficaria no Endurance, que não tinha dinheiro. Agora, faz-me pensar. Agora, gosto do que vemos e de podermos participar em todas as Olimpíadas”.

Eletrificação é caminho único

Fator que é cada vez mais incontornável é o da eletrificação. Com as marcas e a própria União Europeia a apontarem cada vez mais para esse caminho, a Alpine não se mostra indiferente e está confiante de que também por isso a participação no desporto automóvel – as Olimpíadas, como lhe chama Rossi – ganha relevância.

“A eletrificação é o caminho a seguir, quer se goste, quer não, quer queiramos, quer não. Está no horizonte para todos. A Ford anunciou que todos os seus carros serão elétricos na Europa, a Jaguar Land Rover a mesma coisa. Para onde quer que se olhe todos se estão a converter para os elétricos”, começa por dizer.

“Penso que [as pessoas] se têm focado demasiado se é elétrico ou se é híbrido. Não interessa. Olhem para a Fórmula 1: antes podiam fazer três voltas a fundo, agora faz-se uma volta de carregamento, outra de performance a fundo. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que a bateria dita a performance. Quer se escolha um elétrico ou híbrido, é a bateria elétrica que dita a performance. Temos experiência nos híbridos que usamos na F1, temos experiência também em 100% elétricos, mas é o mesmo – trata-se de gestão de energia de bateria. Por isso, podemos usar essa experiência no Endurance. Por isso, para nós, trata-se de consolidar aquilo que fazemos bem e dar mais um passo em frente, porque são características ligeiramente diferentes. É uma forma diferente de gerir a bateria no Endurance. No final de contas, vemos uma oportunidade para demonstrar as nossas competência e retirar essas experiencias e aplicá-las nos nossos carros”, completou.

“Vontade forte de continuar”, mas…

O CEO da Alpine considera, também, que face aos dividendos e à divisão das diferentes marcas do Grupo Renault, não fará grande sentido ter a Alpine na Fórmula E em competição direta com a Nissan.

“Na Aliança [Renault-Nissan-Mitsubishi] temos um ‘mix’ de onde pomos as cartas. O grupo está presente na Fórmula E, foi pioneiro nos elétricos há muito tempo, pelo que é importante estar presente, mas também estamos presentes na Fórmula 1. Creio que não é interessante para nenhum de nós estarmos a competir na mesma categoria”, assegura.

No entanto, apesar de todas os elogios à validade do programa e desenvolvimento proporcionado pelo Mundial de Endurance, Laurent Rossi admite que há sempre uma possibilidade de a Alpine não prosseguir com a sua aventura. “Se os números não funcionarem e percebermos que não conseguimos encontrar uma forma de fazer o projeto funcionar… Se virmos que é demasiado dinheiro, que preferimos focarmo-nos na F1 a desenvolver tecnologia, é uma possibilidade. Qual é a probabilidade de [ficar só com] uma ou a outra ou de não fazer nada? Não posso dizer, mas temos uma vontade forte de continuar”.

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