Entrevista a Larry Dominique: Como a mobilidade Free2Move da PSA quer revolucionar os EUA

27/02/2018

O regresso do Grupo PSA ao mercado norte-americano faz-se com uma marca de mobilidade independente, a Free2Move, que se insere no grande plano estratégico ‘Push to Pass’, delineado por Carlos Tavares para aumentar a presença e a relevância global da companhia. Larry Dominique, Diretor daquela operação na América do Norte, falou ao Motor24 e explicou porque é que tão importante para a PSA ter uma plataforma como a Free2Move naquele país e como o seu sucesso poderá ser um bom indício da sua aplicação noutros locais do globo.

Em abril de 2016, o Grupo PSA, cujo destino é liderado por Carlos Tavares, anunciou o seu regresso ao continente norte-americano, estabelecendo um plano de três etapas: a primeira é a implementação de uma plataforma de mobilidade, a segunda é com a inclusão de veículos do grupo nessa mesma plataforma e, por fim, a terceira etapa passa pela comercialização desses mesmos veículos. Destas fases, a primeira arrancou em outubro de 2017, com a ativação da aplicação Free2Move em Seattle. Com essa tecnologia, os seus utilizadores podem optar entre uma ampla oferta de serviços de mobilidade, seja de carro, scooter ou de bicicleta. Tudo sempre com o foco na partilha.

 

O Motor24 esteve recentemente em Paris e pôde falar com Larry Dominique, diretor da marca – sendo exatamente uma marca distinta no seio da PSA -, que deu a conhecer a sua opinião e como esta aplicação tem como foco oferecer uma opção de mobilidade para cada pessoa, dependendo das duas necessidades. Além disso, se funcionar nos EUA, fica a certeza de que pode funcionar em quase todos os outros locais do mundo.

Larry Dominique, diretor da marca Free2Move para os EUA.

Motor24: Todos sabemos que, tipicamente, o condutor americano tem uma forte ligação com o automóvel, até pela sua cultura. Disto isto e com toda a revolução da mobilidade, estará o condutor americano disposto a alterar o conceito de possuir um carro próprio para passar a um modelo de partilha?

Larry Dominique: É uma boa pergunta. Toda a gente sabe que, ao contrário da Europa, que não é pequena, mas tem muitos países de alta densidade, nós temos um país muito grande [os EUA], com enorme variedade geográfica, zonas de alta densidade e, também, áreas rurais. Da forma que eu penso nas oportunidade de mobilidade para nós, enquanto grupo, é que existirá uma percentagem do mercado americano que até que apareça uma nova forma de mobilidade, não vai estar interessada no negócio típico do carsharing ou do bikesharing. Quer dizer, são pessoas que conduzem 45 milhas para o trabalho. Não vão fazê-los de bicicleta e também não deverão fazê-lo com carros partilhados. Mas, nas áreas de alta densidade populacional, como Seattle, Portland, São Francisco, Chicago, Filadélfia ou Boston, cidades em que existe algum nível de trânsito em massa, há um crescimento de urbanismo nos EUA, com mais gente a ir morar para as cidades. Por isso, a boa notícia é que somos 330 milhões de pessoas, pelo que mesmo que não tenhamos a mesma percentagem de oportunidades, a percentagem será ainda assim muito larga. Por isso, vamos assegurar-nos de que trabalhamos para identificar as cidades certas, os parceiros adequados e os serviços certos. E a verdade é que há muitas start-ups e novas companhias a entrarem no espetro da mobilidade na América do Norte. E são esses parceiros e modelos de negócio com que vamos ter mais interação de negócio, para tentar que se juntem a nós. Com a aplicação Free2Move, em Filadélfia, pode ver a Car2Go mais um ou dois fornecedores que são apenas de lá. Se forem a São Francisco podem ver Zipcar e a Car2Go, mais outros que não existem em Filadélfia. Vamos ver mais diversidade nos EUA do que teríamos na Europa.

M24: Os EUA têm uma tradição muito forte em termos automóveis, sobretudo com muitos construtores que têm aí a sua origem. Acha que os construtores tradicionais estão abertos a este tipo de alterações na mobilidade?

LD: Penso que é aqui que a diversidade geracional faz uma grande diferença. O sr. Tavares [CEO do Grupo PSA] gosta de me lembrar que eu sou um tipo antigo dos carros e que ele não o é. Eu cresci em Detroit, o meu pai esteve na indústria automóvel na Ford, o meu sogro esteve na General Motors, está-me no sangue. Eu gosto do volante e não quero largá-lo. Mas os meus filhos são Millennials e uma delas, que vive na baixa de Dallas, até tem um carro, mas vai usar a Uber ou carsharing de forma mais imediata do que eu, porque ela vê esses serviços como conveniência. Há uns tempos estava a fazer uma viagem em Los Angeles – eu moro em Orange County -, tinha 45 milhas para fazer e demorei uma hora e 45 minutos. Se eu tivesse um carro autónomo, comboio ou Uber para me levar e trazer todos os dias eu provavelmente também utilizava esses serviços. Porque a experiência foi horrível. Isso não é conduzir, é ir para o trabalho e há uma grande diferença.

Mesmo tendo o maior rácio de carros per capita nos Estados unidos – três ou quatro carros por agregado –, verificamos que os Millennials não estão a tirar tantas cartas de condução como antes ou estão a esperar mais para o fazer, pelo que estão mais abertos a estas tecnologias e vivem com estas coisas. Vi um estudo recente que dizia que um americano médio gasta cinco horas por dia de volta do telemóvel. Eu uso-o para chamadas, não para isto [NDR: mexendo no telemóvel como para verificar aplicações]. Quando olho para as minhas filhas e para os dos outros, vejo que estão sempre a mexer no telemóvel. E a mobilidade é apenas uma extensão disso para eles. Por isso é que penso que há uma grande oportunidade para nós.

M24: Mas, nesse novo paradigma, que é um grande desafio para os antigos condutores, será também possível ir buscar alguns desses para estes novos serviços de mobilidade?

LD: Penso que a resposta é sim. O Sr. Tavares tem razão. Viemos de uma geração em que um carro era verdadeiramente liberdade em termos de mobilidade. Podíamos ir para longe, sem preocupações. À medida que oferecemos mais conveniência para as pessoas e eu sou um bom exemplo disso, existem alterações. Eu costumava alugar carros no aeroporto para onde quer que fosse. Agora, por exemplo, se vou a Seattle uso a Uber do aeroporto para chegar à cidade e depois uso a Zipcar, a Car2Go ou qualquer serviço de partilha. Por isso, até eu, um tipo velho dos carros, consegue ver os benefícios e a conveniência deste serviços. A parte importante é fornecer os serviços adequados. Se alguém viver no subúrbio de Chicago, o carsharing não funciona porque pode ter de andar duas milhas para chegar ao carro. Mas uma pessoa que ande nas cidades e que sejam da minha idade, sim… E Nova Iorque é um bom exemplo: pode ser uma guerra com os taxistas, mas consigo ver em Nova Iorque a comunidade que mais cultura de mobilidade tem nos EUA, mas é maioritariamente com a Uber e com os táxis. Não se conduzem a si mesmos. Mas creio que se conseguirmos tornar a condução em Nova Iorque mais fácil graças a um menor número de carros, penso que os habitante de Manhattan iriam usar mais serviços de carsharing. Acredito que temos de ter a geografia acertada e as condições demográficas também corretas.

M24: Podemos deduzir que se este sistema for bem-sucedido nos Estados Unidos, sê-lo-á também em qualquer outro lado no mundo?

LD: É um bom ponto, porque é preciso discutir como é que se define o sucesso. Porque se olharmos apenas para os indicadores chave de performance como os downloads da aplicação ou os registos de carros, poderia definir o sucesso de forma simples, mas penso que o seu ponto é mais relevante. Será que posso ter sucesso se as pessoas de Oklahoma não utilizarem o Free2Move? Penso que a resposta é sim, mas penso que, num determinado momento, quero desenvolver outros serviços de mobilidade que permitam às pessoas de Oklahoma que tenham melhores opções de mobilidade. Apenas podem não ser serviços de carsharing. Estamos a olhar para outros serviços, como os de subscrição. A Cadillac tem um serviço que é a Book by Cadillac. A Porsche também tem um em Atlanta. Mas penso que há certas áreas, que não têm uma densidade enorme, em que as pessoas não querem ter carro mas sim acesso a carros.

E a subscrição é uma forma de permitir esse acesso com base na necessidade de estilo de vida. Penso que esse tipo de soluções de mobilidade flexíveis são o tipo de coisas que podemos fazer de forma nacional e existem outras diferentes para as áreas de alta densidade, pelo que é uma questão de encontrar a solução certa. Mas, de qualquer forma, penso que cada vez mais pessoas estão abertas e digo isso porque o leasing nos EUA está nos 32% e nas marcas de luxo está nos 50%. Tenho amigos que fazem isso porque gostam da sensação dos carros novos, trocando a cada três anos. Esta mentalidade de leasing está ligada com a mudança, ir para a coisa seguinte e a mobilidade permite-lhes fazê-lo de forma mais frequente, experimentando coisas novas.

O outro lado disto é que alguns serviços de mobilidade tornar-se-ão agnósticos em termos de marcas, ou seja, os utilizadores não sabem quem produz os carros. Apenas se interessam pelo facto de terem duas portas, de poderem entrar, arrancarem e irem do ponto A ao B em segurança. A certo ponto, se formos um utilizador frequente da mobilidade, a marca de carros torna-se menos importante. O que é um desafio para nós. Hoje, o mercado de carros usados nos EUA é de 42 milhões de carros por ano. Se fizermos um produto de mobilidade único, não haverá mercado de segunda mão. Pelo que temos de desenhar literalmente um carro para que ande até que ‘morra’ ou até que se torne completamente desvalorizado. É um modelo completamente diferente e temos de pensar no que isso representa para o futuro. Mas, no final de contas, a característica mais importante para o utilizador é a conveniência: o acesso, a saída, o espaço interior ou a segurança. Essas são as coisas que importam.

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