Consciente de que a indústria automóvel atravessa um momento de transformação sem precedentes, Linda Jackson, CEO da Citroën, está confiante de que a marca gaulesa segue os passos certos para garantir a rentabilidade das suas operações e também o cumprimento das metas cada vez mais rigorosas de emissões poluentes a nível global.
As novas tendências do automóvel, o hipotético ‘encerramento’ das grandes cidades ao veículo particular, a mudança de paradigma dos Diesel para os gasolina e, mais tarde, para os veículos eletrificados e até o respeito pelo legado da Citroën no ano em que a marca comemora o centenário são ideias quase sempre presentes no discurso de Linda Jackson. A responsável máxima pelos destinos da Citroën desde 2014 esteve em Portugal por ocasião do Rali de Portugal e falou com o Motor24, abordando alguns dos temas mais relevantes da indústria no presente e, sem poder revelar muito mais dos planos da marca, levantando um pouco do ‘véu’ sobre o futuro.
Citroën C1: A extinção em cima da mesa
Estando os padrões de mobilidade urbana em grande mudança, a Citroën estuda qual será o passo seguinte para o segmento A, no qual está presente com o C1. Mas com a revelação recente do Ami-One Concept, a marca pode vir a olhar com outros olhos para a sua presença naquele mercado, mesmo que a ideia por detrás do Ami-One Concept fosse apenas essa – mostrar uma ideia, um conceito para a mobilidade do futuro, sem prefigurar um passo real seguinte.
“Em primeiro lugar, já devem ter reparado que muitos construtores estão a abandonar o segmento A, porque é muito difícil fazer dinheiro com os carros muito pequenos. Essa é a primeira reflexão em que estamos a pensar. A segunda é que as pessoas que usam o C1 tendem a estar nas cidades, para onde se caminha agora no sentido de se ser totalmente elétrico e mais difícil de estacionar”, começa por indicar, garantindo que “ainda não tomámos uma decisão, mas o que estamos a pensar é que talvez esses clientes procurem mais uma solução de mobilidade urbana, um objeto de mobilidade, elétrico e mais pequeno. É esse tipo de reflexão que fazemos, mas ainda não tomámos nenhuma decisão, para ser honesta. Penso que podemos dizer que não vamos substituir o C1 como é atualmente, porque não penso que seja apropriado, mas temos de pensar no que podemos fazer para ir ao encontro das necessidades mutáveis e da utilização dos condutores que estão agora nos C1. Este é um momento de reflexão”, completa.
Garante, ainda, que “não o iremos substituir com o Ami-One, que era só um concept. Éramos nós a pensar como é que avançamos com o nosso tipo de cliente numa cidade em que prezam curtas distâncias”. Mas Linda Jackson admite que esse é um segmento em que existirá uma maior propensão para a alteração do conceito de propriedade do veículo.
“Penso que sim, potencialmente. Há alguns elementos chave a considerar. Em primeiro lugar, alguns dos clientes do segmento A foram para o segmento B, para um SUV, que é outra diluição do segmento A, mas também é verdade que as pessoas que estarão nas cidades e que vão querer usar esses carros mais pequenos vão ser uma combinação de carsharing, pessoas que podem querer um carro, mas apenas alugar um ou ter acesso a um. Penso que a propriedade está a mudar e é por isso que muitos construtores, incluindo nós próprios, estão a transitar de serem apenas um fabricante automóvel para se posicionarem como fornecedores de mobilidade, seja em carsharing, leasing, renting por curtos períodos e esse é um dos motivos pelo qual apresentei o Ami-One Concept. Não é apenas um objeto, mas um ecossistema, em que se pode ter o veículo por cinco minutos, cinco horas, cinco dias, cinco meses ou cinco anos… e isso cobre o carsharing, no caso de cinco minutos e cinco horas, cobre o renting, com os cinco meses ou um ano, e cobre a propriedade, com os cinco anos. Estamos a tentar pensar num ecossistema que cubra tudo”, considera, deixando a sua ideia de que “enquanto caminhamos para o futuro, particularmente para os carros mais pequenos, penso que é algo que será posto em prática”.
Gama Citroën a crescer
No entanto, se o segmento A está em risco, outros segmentos irão crescer, com a gama da Citroën pronta para ganhar mais alguns elementos.
No próximo ano haverá um novo modelo compacto e um novo modelo de segmento D de grandes proporções, naquele que deverá ser o regresso da sigla C5.
“Quando cheguei a esta função, em 2014, foi quando a DS se separou e se tornou independente… Podem imaginar que o plano de produto ficou com alguns buracos e tivemos de refazer o plano de produto para a Citroën. Decidimos fazer essa estratégia em três etapas. A primeira já estava a decorrer, já que era o momento de substituir o C3, que é o nosso modelo mais bem-sucedido. A segunda foi a criação de um segundo SUV da nossa gama, com o C5 Aircross e, a terceira, será no próximo ano com a substituição do compacto e de um modelo de segmento D de grandes proporções. Assim, no próximo ano haverá um novo carro de segmento C compacto e seguir-se-á o regresso aonde começámos, com um modelo de segmento D para termos assim uma gama completa. Além disso, temos ainda os LCV. Ao mesmo tempo, estamos a eletrificar a gama. No próximo ano, na primeira metade de 2020, chegará a versão Plug-in do C5 Aircross e vamos lançar um novo carro no próximo ano, na segunda metade, de segmento C que também terá uma versão elétrica a par dos modelos a gasolina e a gasóleo, tendo por base a plataforma multienergia [do Grupo PSA]. E cada novo veículo que lançarmos a partir do próximo ano terá uma versão elétrica ou Plug-in, para que em 2025, a totalidade da gama Citroën tenha um Plug-in ou variante elétrica, dependendo da utilização e do tamanho do veículo ou da plataforma”.
Mas, sem espaço na gama futura está uma variante mais desportiva do C3, que é o modelo utilizado pela Citroën no Mundial de Ralis (WRC). Se algumas das marcas rivais apostam em versões mais desportivas, como a Toyota e a Hyundai, da Citroën não existirão grandes novidades.
“Temos um departamento de pesquisa, desenvolvimento e de planeamento de produto e temos de priorizar e, é claro, temos um plano para rejuvenescer o C3 em meio de ciclo, mas, para ser sincera, nesta fase não é minha prioridade produzir uma versão desportiva, independentemente de toda a gente me dizer que gostaria de um. O mais importante, neste momento, é assegurar que tenho o plano de produto que discutimos e garantir que tenho a eletrificação, porque tenho de estar pronta para o momento em que arranque. Não é uma prioridade”.
Gasolina, Diesel e elétrico: que mudanças?
Ao longo dos últimos anos, tem-se assistido à ascensão dos carros a gasolina na Europa enquanto os Diesel decrescem em volume. A Citroën, tal como as demais marcas, aposta nos elétricos, mas a procura do público vai ser determinante, em especial para ir ao encontro dos objetivos de emissões. Linda Jackson encara este movimento de transição com alguma cautela e garante que, tanto a marca, como o Grupo PSA vão cumprir os objetivos da União Europeia quanto às emissões poluentes.
“De forma a cumprirmos os objetivos da União Europeia, que, como deve saber, são relativamente difíceis, mas que nós, como marca e como grupo PSA vamos cumprir, vamos fazê-lo com um ‘mix’ de gasolina, Diesel e de eletrificação, gerindo as emissões de CO2. Creio que uma das razões pelas quais os elétricos não estão a ganhar tração neste momento tem que ver com o facto de as pessoas terem preocupação com a infraestrutura e recearem a autonomia e os tempos de carregamento. Penso que existe um processo de habituação à medida que as cidades comecem a banir os carros a gasóleo ou os mais antigos. As pessoas vão começar a ter de pensar em carros elétricos. Se me preocupa? Enquanto construtor, temos de ter todas as soluções para ir ao encontro das necessidades dos consumidores: vamos ter gasóleo, enquanto o consumidor quiser, gasolina, Plug-in e elétrico, porque cada consumidor tem uma utilização diferente e temos de de encontrar uma solução diferente para todos os tipos”, considera a CEO da marca francesa, confiante de que a “teremos a capacidade de gerir as emissões de CO2 entre os combustíveis que temos”.
Quanto à morte dos Diesel, nem tudo é tão linear, de acordo com Linda Jackson. “As pessoas falam do final dos Diesel, mas… Sim, o nosso ‘mix’ desceu dramaticamente. Penso que na Europa, temos agora apenas 35% de Diesel quando tínhamos cerca de 75% de Diesel há cinco anos, mas creio que não está a cair tão depressa quanto as pessoas pensam, pelo que julgo que [a transição] será lenta. Vamos gerir o nosso CO2. Mas enquanto as pessoas não perceberem a autonomia e onde está a infraestrutura – e é por isso que em países como a França estamos a desenvolver passes de carregamento e todas as outras coisas para que os clientes tenham paz de espírito –, vão existir ainda algumas reticências para adotar os elétricos ou os Plug-in, que é o melhor entre os dois”.
Sem margem para multas
Em resposta à questão se a marca poderia equacionar a compra de créditos de carbono como outras marcas ou, no pior cenário, antecipar o pagamento de multas pelas vendas de carros acima dos limites definidos de emissões de CO2 (95 g/km já em 2020), a responsável da marca é perentória a dizer que não em ambos os casos.
“Não. Não vamos comprar créditos de carbono e vamos cumprir os objetivos de emissões. Temos uma estratégia muito rigorosa em vigor. Temos um comité que gere a nossa pegada de CO2 no futuro e não vamos pagar multas, vamos gerir o nosso negócio. Temos de o fazer porque a), as multas são bastante significativas, mas também porque, b), não podemos ter essa falha na credibilidade. Como é que podemos ser um construtor e pagar as penalizações, como é que podemos ser credíveis enquanto construtor global ao fazê-lo? Por isso, demos todos os passos para ter a certeza de que vamos cumprir com os objetivos e que não vamos pagar multas ou comprar créditos”, garantiu.
O peso da regulamentação europeia é também cada vez mais óbvio para a imposição da eletrificação, como também refere Linda Jackson, apontando que todos olham para os automóveis, mas limitam a sua atenção apenas a esses.
“Toda a gente está concentrada na indústria automóvel e esquecem-se de outras indústrias, como a da aeronáutica. Mas tornou-se num foco para toda a gente, incluindo políticos, porque é uma história bonita de contar que toda a gente conhece, que é de maltratar o Diesel… Claro que a Europa tem sido muito forte, mas quando se olha para os outros países, por exemplo a China, é um país que está agora a introduzir normas muito restritas de emissões, bem como a Índia, onde estive recentemente. Pode não ser com o mesmo quadro temporal que nós, mas tem metas muito estritas como nós. Muitas dessas regiões estão a caminhar no mesmo caminho, talvez não na mesma velocidade, mas lá chegarão. Existem alguns grandes países que se tornaram temas de conversa neste momento, mas no final de contas, se somos um construtor europeu e se este continente representa uma grande proporção do seu volume não temos escolha senão seguir a tendência. Penso que os outros se seguirão, mas serão mais lentos. Claro que temos de falar sobre todos os outros problemas que causam emissões de CO2 e isso não tem sido muito debatido neste momento. Estão todos muito focados na indústria automóvel”.
A importância da globalização é também referida por Linda Jackson, que destaca a entrada da Citroën no mercado indiano a curto-prazo, lembrando que é um desafio cada vez maior oferecer propostas competitivas em termos de segurança nestes mercados emergentes, mas que a marca está confiante numa solução competitiva.
O ano do centenário
O ano de 2019 é também importante para a Citroën porque é nesse que se assinalam os 100 anos da marca francesa. A responsável admite que “será o ano todo de comemorações”.
“Quando começámos a planear isto, há quatro anos, o briefing que dei ao diretor de marketing era como é que o André Citroen teria celebrado se fosse vivo. Bem… Teria cerca de 136 anos, mas como é que ele o faria… (risos) Portanto, disse que queria algo internacional, nas redes sociais, não inteiramente parisiense e queria que fosse aquilo que é a Citroën, que é uma marca que envolve os seus clientes. Assim, aquilo que temos é algo que se espalha ao longo do ano e que basicamente envolve o passado, o presente e o futuro. Quanto ao passado, tivemos a passagem pelo salão Retromobile de carros clássicos, em Paris, onde mostrámos os clássicos e uma grande reunião de pessoas vindas de todo o mundo com os seus carros em julho.
( Nuno Pinto Fernandes/ Global Imagens )
Também tivemos um evento em Paris, em junho, em que preenchemos uma rua com velhos Citroën. Esse é o passado. O presente é o facto de que temos uma gama completa especial chamada Origines. Quando falamos do futuro, fizemos os dois concepts que apresentámos, o Ami-One e o 19-19, mas ao mesmo tempo, ao longo do ano, cada mercado vai fazer ações individuais que envolvam diretamente os clientes. Por exemplo, fizemos uma série de vídeos que estão nas redes sociais e nos quais as pessoas contam as suas histórias com a Citroën em todo o mundo. O que tentei fazer é que cada uma dessas ativações seja algo que podemos falar com os adeptos e com os clientes. Tentamos ter eventos em todo o ano e com cada país a ter as suas próprias coisas”.