Híbridos, elétricos e hidrogénio: Os ‘três amores’ da Toyota para o futuro a médio-prazo

26/09/2017

Mais do que nunca, o futuro da mobilidade atravessa um período de ebulição e indecisão entre os formatos de propulsão a utilizar nos anos vindouros. Contudo, mais do que efetuar uma escolha mutuamente exclusiva, a Toyota opta por uma visão de ‘coabitação’ entre diversas soluções de mobilidade, procurando assim ir ao encontro de diferentes necessidades em cada momento.

A visão da Toyota quanto às novas tecnologias e a súmula dos progressos feitos na mobilidade ao longo dos últimos anos foram reveladas ao Motor24 pelo vice-presidente executivo para a área de Pesquisa e Desenvolvimento da Toyota Motor Europe, Gerald Killman, para quem mais do que uma única solução para a indústria automóvel existirá uma coexistência de tecnologias durante largos anos, atendendo a diferentes mercados e diferentes tipos de utilização.

No ano em que o Prius comemora o seu 20º aniversário, assinalando assim a validade de um conceito que, entretanto, já se disseminou no mercado e por outros construtores, Killman destaca a aposta da marca nipónica na tecnologia da pilha de combustível a hidrogénio, campo em que os passos estão a ser dados de forma acelerada, até pela partilha de esforços com a BMW.

No entanto, fica também uma noção: o motor de combustão interna ainda está para durar, sendo este um elemento chave para a concretização total do potencial da tecnologia híbrida.

Motor24: Estamos a assistir neste momento a uma fase em que muitos construtores começam a apostar unicamente na solução da eletrificação. Será que esta é a fase em que podemos dizer que o motor de combustão interna está prestes a chegar ao seu final?

Gerald Killman: Muito claramente… não. Infelizmente, há sempre uma perceção errada de que basta estalar os dedos e a mudança acontece de um dia para o outro. Na verdade, existem dois fatores importantes: uma é a parte positiva dos motores de combustão interna e, a outra, reside nas dificuldades dos carros elétricos.

Começando pelas vantagens dos motores de combustão interna, creio que foi a Toyota que começou a grande vaga da eletrificação há 20 anos com o Prius e temos vindo a evoluir essa tecnologia e a chegar a excelentes resultados, não só nas vendas, mas também nas performances. Por exemplo, o Prius de ultima geração, testado pela universidade de Roma, foi conduzido durante 37 quilómetros em ambiente urbano com uma amostra conjunta de condutores jovens e mais velhos, experientes em híbridos e inexperientes, ou seja, um bom conjunto de amostra. Pegou-se em todos os dados e analisou-se. Na condução citadina há muita desaceleração, travagem e uma outra parte em que há mesmo condução. Excluamos a parte de desaceleração porque aí é sempre em modo de zero emissões.

Gerald Killman aceitou falar com o Motor24 sobre os desafios da indústria automóvel para os próximos anos e sobre a forma como a Toyota está a abordar esta nova fase.

Entrando apenas na área de propulsão, o Prius foi conduzido em modo elétrico em mais de 50% do tempo. Ou seja, já contribui massivamente para a boa qualidade do ar ao permitir uma condução em modo elétrico em mais de metade do tempo. O que quer dizer que há um enorme potencial nesta tecnologia, que está disponível hoje e por um custo acessível para as pessoas. Deste ponto de vista, acreditamos que a eletrificação tem de continuar, sim, mas a maneira mais natural para o fazer é com a tecnologia híbrida que temos hoje e para isso precisamos do motor de combustão interna. E essa tecnologia, claro, também de evoluir mais. Assim, estamos a desenvolver uma nova geração de motores para se unirem à nossa nova geração de híbridos. Isso é necessário para emissões ainda mais baixas de CO2.

M24: E os elétricos?

GK: Por outro lado, os carros 100% elétricos parecem muito bons. Claro que todos sabemos quais são as dificuldades com as baterias quando as carregamos e ao longo do tempo não retêm a capacidade e isso é algo que tem de ser melhorado, além de serem pesadas, grandes, lentas a carregar e não são as coisas mais baratas do mundo. Estas são as suas dificuldades e estamos a trabalhar nelas. No entanto, é algo que precisa de tempo para atingir um estágio de desenvolvimento que seja competitivo em todos estes aspetos, como os motores normais de hoje, e isso vai levar tempo. Vai haver uma fase de crescendo para veículos elétricos e também os estamos a desenvolver. O ponto-chave é que estas limitações como o peso, tamanho, autonomia, capacidade energética e custo vão colocar um limite a isso. Pensamos que existe uma outra tecnologia, que é o hidrogénio. Vemos todos estes meios de propulsão em paralelo. Mas, muito claramente, o motor de combustão interna vai permanecer por muitas décadas.

M24: Décadas?

GK: Pela razão simples de que é extremamente eficiente, potente, acessível e capaz de assegurar a mobilidade. Aliás, os combustíveis que os vão alimentar poderão até não ser fósseis. Podem ser renováveis e através disso, uma vez mais, chegamos às ‘emissões zero’ de CO2, porque os combustíveis são produzidos de forma renovável. São ciclos que têm de ser pensados e nós, enquanto companhia, temos o empenho de reduzir as emissões de CO2 em 90% até 2050. Desse ponto de vista, é necessário o motor de combustão interna, mesmo então porque vão existir alguns mercados ou ambientes em que vai ser extremamente difícil conduzir com carros de hidrogénio ou elétricos.

M24: E o Diesel continuará a fazer parte dessa equação ou será esquecido?

GK: O Diesel não será esquecido, mas desenvolvemos muito cedo uma alternativa a esse motor. A tecnologia híbrida, que está sempre associada ao motor a gasolina…

M24: Seria possível associá-la a um motor Diesel?

GK: Sim, fisicamente, sim… mas não faz sentido. Porque o motor Diesel em si já é um pouco mais eficiente, pelo que o ganho potencial em eficiência seria menor, e, por outro lado, tem gases de escape piores, pelo que seria preciso juntar uma série de medidas de tratamento de gases. Assim, teríamos um motor mais dispendioso, com uma transmissão um pouco mais dispendiosa para um sistema muito mais caro em que o retorno seria menor. Financeiramente, não faria sentido, além de toda a questão das emissões. Foi por isso que desde o início que dissemos que a gasolina era a escolha certa [para os híbridos]. Além disso, o Diesel está a tornar-se cada vez mais caro por causa do tratamento dos gases dos motores, mas há uma razão pela qual temos essa tecnologia hoje em dia. Diria que para os veículos mais pesados e maiores que vão para ambientes de condução mais extremos, como o Hilux ou o Land Cruiser, haverá uma necessidade para esses motores mas é claro que terão de ser mais desenvolvidos para serem ‘super-limpos’.

M24: Portanto, o que se percebe é que na visão da Toyota, existe uma solução múltipla para a mobilidade…

GK: No futuro imediato, acreditamos que a solução híbrida será dominante para os ligeiros de passageiros. Já hoje temos cerca de 40% de escolha dos híbridos e a crescer e isso quer dizer que teremos menos variantes com motores convencionais. Por exemplo, no caso do Yaris, temos dois motores a gasolina, um Diesel e um híbrido, mas este último representa cerca de 40% das vendas. Ou seja, está a ficar ‘apertado’ para os outros motores. No Auris é ainda mais evidente: dois a gasolina, dois Diesel e um híbrido, mas este representa mais de 60% das vendas. Muito naturalmente, temos de repensar esta situação. Uma consequência lógica será acrescentar uma segunda versão híbrida, como se pode ver com o C-HR HyPower.

M24: Sobre esse concept e a novidade de que a marca terá, em breve, uma segunda versão híbrida mais potente, quão diferente será o valor de potência, por exemplo, do C-HR HyPower face ao outro híbrido?

GK: Como percebe, não posso dar uma resposta concreta. Mas o que posso dizer é que já conduzi o carro e saí dele com um grande sorriso…

M24: Por outro lado, sabe-se que um dos focos da parceria entre a BMW e a Toyota está na evolução da tecnologia de pilha de combustível. Como é que está a decorrer essa aposta?

GK: A pilha de combustível vai evoluir em várias áreas. Uma delas é a própria tecnologia. Estamos neste momento a desenvolver a próxima geração da pilha de combustível a hidrogénio e, ao mesmo tempo, trabalhamos fortemente para reduzir os custos e aumentar o volume. Este ano, por exemplo, vamos produzir 3.000 unidades do Mirai, [mas] em 2020 vamos aumentar para 30.000 unidades. Aumentar dez vezes. Se se lembrarem da história do Prius, é mais ou menos a mesma coisa. Foi apenas há 20 anos… Agora, não direi que daqui a 20 anos iremos produzir milhões de carros a hidrogénio, mas o potencial está lá. A BMW e algumas outras marcas estão a avançar neste campo e creio que muitas marcas perceberam o potencial e a necessidade dessa tecnologia e por isso estamos muito otimistas. Para nós é muito claro: o hidrogénio vai acontecer. É necessário para armazenar energia renovável oriunda do Sol, das marés e do vento. Algumas questões, porém: em primeiro lugar, será que usaremos o hidrogénio para mobilidade: sim ou não? A nossa resposta é sim, por isso estamos a trabalhar nesta solução.

M24: Mas também há quem aponte as desvantagens da produção do hidrogénio.

GK: O hidrogénio pode ser produzido de forma totalmente renovável, com zero emissões. Por outro lado, temos de olhar também para a produção das baterias, reciclá-las e todo o seu ciclo de vida. Sobre a análise ambiental… Creio que é feita de forma diferente por todas as marcas. Estou ansioso por ver uma análise independente de todas estas novas tecnologias, porque é muito difícil, em especial quanto às baterias, porque não existe muita coisa disponível neste momento. O hidrogénio tem o potencial de ser totalmente renovável. Hoje é verdade que nem todo é produzido assim. Mas temos de olhar para o futuro e preparar todos os lados – o da produção de energia, dos veículos e dos restantes setores. Temos a nossa responsabilidade e é por isso que estamos a investir na pilha de combustível.

M24: Sobre este assunto, falando de custos, a diferença de custo entre um veículo a pilha de combustível e um híbrido é assim tanta?

GK: Não posso dar valores concretos, mas neste momento a diferença é significativa. Aconteceu o mesmo com o primeiro Prius. Com esse carro, não creio que tenhamos feito qualquer dinheiro com ele. Mas hoje fazemos dinheiro com os nossos híbridos. Por isso temos de ter alguma persistência, alguma perseverança para com uma tecnologia para a desenvolver ainda mais. Enquanto companhia, na Toyota, temos esta persistência e empenho a partir da direção e também a permissão para investir o dinheiro necessário nela. Estamos já a desenvolver as segunda e terceira gerações da pilha de combustível. Sabendo que as tecnologias estão a ser desenvolvidas, estou muito confiante de que também aqui o custo não será um problema no futuro e de que os custos irão descer.

M24: Também há uma parte muito importante de experiência da competição que é transferida para os automóveis de produção. Como é que se faz essa transferência tecnológica?

GK: Penso que há dois pontos importantes. Geralmente, quando estamos no desporto automóvel, temos dados de tudo o que acontece nos carros, quer para a competição em si, mas também para recolher dados. Isso inclui também os ralis. A competição leva os veículos ao seu limite de utilização. Por isso se levarmos as tecnologias a esse ponto e recolhermos os dados do Mundial de Endurance (WEC) ou do Mundial de Ralis (WRC) e aplicarmos aos veículos de produção em massa, saberemos que tudo irá correr bem nestes últimos, porque os veículos de competição são levados a grandes extremos. Olhando para o WEC, claro que não tiramos estes componentes [do carro de competição híbrido] e os colocamos num carro de produção, mas o que percebemos muito melhor foi o desgaste dos motores elétricos e o esforço colocado nas unidades de controlo, descobrimos quais são os elementos mais críticos graças a essa exigência. Depois, perceber em que componentes é que nos podemos focar para versão de produção em série. Assim, além de um produzir um desenho mais compacto, poderemos aumentar a performance da próxima geração dos sistemas híbridos. É um método um pouco indireto mas é extremamente válido porque vai ao desenvolvimento de cada componente.

M24: Como é trabalhar na Europa, mas desenvolver muitos dos componentes em cooperação com o Japão?

GK: Há duas noções fundamentais. Uma é que ‘somos’ a Toyota, uma marca global, e a outra é que tem nacionalidade japonesa e é no Japão que acontecem os maiores desenvolvimentos. Há dois contributos fortes que fazemos aqui. O primeiro acontece numa fase muito inicial de investigação ou seja, antes de ser tomada uma decisão referente à produção em série. Os nossos engenheiros trabalham a par de universidades europeias para desenvolver tecnologias das baterias e tecnologias de condução automatizada. Há uma série de tópicos que trabalhamos em conjunto. Depois, isso é incluído no desenvolvimento global e finalizado como um pacote e decidido para a produção em serie. Mesmo estes há um desenvolvimento feito parcialmente no Japão e na Europa. Por exemplo, as evoluções do Yaris e do Avensis foram feitas na Europa. Mas também vamos desenvolvendo modelos completamente novos.

Além disso, outro fator muito importante dá-se no híbrido, com a calibração do sistema para os gostos europeus. As condições de condução na Europa são muito diferentes das do Japão. As acelerações são mais fortes, as velocidades são mais altas, a sensibilidade para as frequências do ruído é também diferente. É a nossa função fazer estas aplicações muito melhores para as condições europeias e isso é algo que se pode sentir no C-HR e no Auris, por exemplo.

M24: Outro tema atual é o da condução autónoma. Algumas marcas apontam para 2021 ou 2022, algumas até mesmo para propostas já sem volante e pedais. Será que isso será colocado em prática em tão curto espaço de tempo?

GK: Do meu ponto de vista, a segurança é a prioridade máxima. Só trazemos carros para o mercado quando forem 100% seguros em todos os aspetos. Isso requer milhares de milhões de quilómetros de ensaios para termos a certeza de que tudo funciona corretamente. Estamos a trabalhar nisso, mas não vou colocar uma data para quando vamos trazer as tecnologias para o mercado. Claramente, do nosso ponto de vista, a primeira área em que a condução automatizada é possível é em condições de áreas delimitadas. Isso pode ser por exemplo em autoestradas em que não há animais ou peões a atravessar. Ou seja, locais onde existe uma infraestrutura que pode ser construída para a comunicação entre os carros e a infraestrutura. Isso é o que vai acontecer em primeiro lugar. Estamos a trabalhar para desenvolver tecnologias que terá um nome genérico de ‘Highway Teammate’ e essa está a ser principalmente desenvolvida no Japão. Estamos a colocar uma grande parte de área da tecnologia de reconhecimento proveniente da Europa nesse sistema e este desenvolvimento está a decorrer, os testes continuam mas quando irá ser colocado no mercado… Ainda não é certo. Primeiro, temos de saber que toda a infraestrutura está preparada.

Para isso, estamos a trabalhar com os governos, autoridades e outras entidades para definir muita coisa. Por exemplo no Japão, foi agora determinado que existirá uma frequência especifica de comunicação de 760 MHz para comunicação entre veículo e infraestrutura. É algo que já está estabelecido e que ajuda a todas as áreas da indústria para prosseguirem o seu trabalho. Este é o próximo passo. Mas já trabalhamos na geração seguinte, que é o ‘Urban Teammate’ e que é muito mais desafiante, incluindo as condições citadinas com cães, gatos, bicicletas, peões e tudo o resto. Mas tem de haver regulamentos, porque se algo de errado acontece tem de haver uma clarificação em termos de responsabilidade. Há muito a fazer e, partindo deste ponto de vista, é mais seguro não estabelecer uma data específica para a sua entrada nos carros de produção em série.

M24: O grupo tem duas marcas, a Lexus e a Toyota. Existe alguma preferência ou determinação de prioridades nos desenvolvimentos a aplicar entre cada uma das marcas?

GK: Creio que a Lexus é claramente a nossa marca Premium, pelo que sistemas que sejam alocados a uma sensação mais Premium, como novos materiais ou a tecnologia Multistage, vão para os Lexus. Se falarmos, por outro lado, sobre as tecnologias super-eficientes, por exemplo, com a pilha de combustível a hidrogénio, em que o Mirai foi pioneiro, ou na híbrida com o Prius, olhamos para a Toyota. Na verdade, a filosofia da Toyota é sempre a de democratizar a tecnologia e torná-la acessível ao maior número de pessoas porque só assim conseguiremos ter um verdadeiro impacto ambiental. Se só tivermos uns quantos carros, lamento dizer que são apenas uma boa montra tecnológica, mas não vão mudar o mundo verdadeiramente. Temos de ir para volumes de produção em massa. É por isso que muitas destas tecnologias de elevada eficiência vão primeiro para a Toyota. Como aconteceu com o Prius, a tecnologia está agora noutros carros como no C-HR, um dos nossos best-sellers na Europa. Por isso, ambos os cenários são possíveis e, em última instância, ambas as marcas acabam por beneficiar.

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