Entrevista a Ola Källenius: “É importante que o Mercedes Classe A seja âncora de inovação”

24/07/2018

A sua descontração contrasta com a importância do cargo que ocupa. Ola Kallenius é um dos homens-fortes da Mercedes-Benz no que diz respeito ao desenvolvimento de novos modelos, tendo a seu cargo a definição e gestão das novidades que a marca de Estugarda irá colocar nas estradas ao longo dos próximos anos.

Num mundo de tanto secretismo e complexidade, talvez seja mesmo essa sua acessibilidade a característica que mais impacto oferece a quem o entrevista, nunca se escusando a dar a sua opinião, independentemente do tema.

Com a sua já longa experiência na marca e na indústria, este responsável tem opiniões firmes daquilo que o automóvel poderá vir a ser no futuro e como as tendências de conectividade estão a moldar um setor que já é bem mais de centenário. O primeiro sinal dessas tendências está presente no Classe A e no seu inovador sistema MBUX de infoentretenimento, que sugere uma nova fase na interação com o automóvel. Foi, aliás, a propósito desse modelo que tentámos saber mais sobre o futuro da Mercedes-Benz.

Facto que poderá parecer estranho a muitos observadores é o de ser um modelo de acesso à marca a estrear uma tecnologia tão evolucionária como o MBUX. Mas, Ola Kallenius admite que este é um sinal dos novos tempos e das novas vontades dos clientes, pelo que o objetivo foi tentar unir a faceta mais vanguardista a um modelo que se pretende direcionado para uma geração mais jovem e conectada, sem esquecer qualquer uma das outras.

“Antes, costumávamos usar o Classe S como ponto de ancoragem, o topo de gama no qual colocávamos toda a gama de inovações. Ao longo dos anos, isso diluiu-se. Claro que cada vez que introduzimos um novo Classe S, esse será sempre um compêndio de inovação e essa será sempre a nossa ambição para o carro-almirante do nosso portefólio. No entanto, nos últimos cinco ou até dez anos, sempre que tivemos um grande lançamento de uma nova família – e este Classe A será o primeiro de uma nova família, que é a próxima geração de carros compactos –, concentrámo-nos em trazer inovação para cada lançamento e não apenas para o topo”, explica este responsável da Mercedes-Benz, recordando que também a velocidade de propagação de tecnologias entre gamas se tornou muito mais elevada.

“Quando lançámos o Classe S e depois o novo Classe E tivemos sempre inovação e o que também mudámos em comparação com o passado foi a velocidade com que proliferamos estas inovações noutros segmentos. Podem vê-lo com o lançamento do Classe E, no qual apresentámos tecnologias de condução semiautónoma de nível 2+, muito avançadas, e em cerca de 12 meses essa tecnologia foi estendida a muitos outros modelos da nossa marca”, acrescentou ainda.

‘A’ ponta do icebergue

Referindo-se ao Classe A em específico, apontou que este é um modelo bastante importante para a Mercedes-Benz, que representa um total de vendas de cerca de 600 mil unidades registadas, um valor que deverá aumentar fortemente ao longo dos próximos anos na medida em que a família de modelos compactos vai crescer de cinco para oito membros nesta nova fase do qual o Classe A é apenas a ponta do icebergue. Daí que defina como “importante que o Classe A seja uma âncora de inovação”.

“Se falarmos do MBUX, penso que é o melhor carro para lançar um sistema destes, uma vez que é o carro com o perfil de compradores mais jovem, que é a geração smartphone, de certa forma. São clientes que esperam realmente o melhor em termos de conectividade automóvel e uma interface de utilização intuitiva. Por isso, ter o MBUX no Classe A é quase como uma razão dupla do ponto de vista do perfil do cliente. E é claro que vamos propagar o MBUX a cada novo lançamento que vamos fazer”, afiançou.

Tendo passado muito tempo na área de desenvolvimento, Kallenius tem já a sua sensibilidade orientada para aquilo que cada cliente procura para cada modelo. No caso do A, a aposta na digitalização é apenas um sinal do que está para vir, uma vez que essa faceta será bastante aprofundada.

“Por exemplo, qualquer pessoa que utilize o carro pode ter a sua impressão digital. E é claro que, com o sistema Mercedes.me, como num smartphone, o cliente tem conta na aplicação e salvam as suas preferências, o perfil no telefone e em casa à noite podem até divertir-se fazendo alguns outros ajustes. Como o MBUX também tem conteúdos transferíveis ‘pelo ar’ podemos, depois de comprar o carro, mudar funcionalidades e fazer outras coisas remotamente. Por isso, elevar a tecnologia para um novo nível está a abrir novos horizontes para nós e para os clientes em termos de funcionalidades e de flexibilidade. Penso que este é o caminho a seguir. A arquitetura elétrica e eletrónica vai ser cada vez mais sofisticada no futuro, mas isso não quer dizer que a dinâmica de condução não vá interessar. Vai interessar”, assume, lembrando que se a “sensação tradicional de um Mercedes-Benz não vai desaparecer”, está a ser acrescentada uma nova dimensão, a que na companhia dão o nome de “conteúdo digital criado à medida do cliente’.

Interrogado se esta tecnologia presente agora no Classe A poderá afastar alguns dos clientes potenciais mais conservadores, Ola Kallenius prefere olhar para a forma como o mercado automóvel se diversificou e como a disseminação dos SUV abriu novos horizontes para outros tipos de clientes que já não se reviam no anterior A.

“Muitos dos clientes que compraram uma das duas primeiras gerações do Classe A, que adoravam a posição de condução mais elevada e a sensação de que tinham maior controlo das operações, quando apresentamos o antecessor deste novo, foram para o Classe B, que tinha aquelas características como a posição de condução mais alta, a visibilidade e o fator de utilidade que muitos desses clientes procuravam. O que aconteceu depois foi que esses clientes foram para o GLA, ou seja, escolheram uma alternativa SUV que não tínhamos nas primeiras gerações. Na nova gama do A, embora ainda não tenhamos revelado todas as variantes, posso imaginar que exista outras ideias orientadas para o estilo SUV. Ou seja, este segmento de posição de condução mais elevada, que é maioritariamente SUV, mas que também pode ser de minivans desportivas, como o Classe B, se assim o quiserem chamar… É um segmento muito atrativo e vamos cobri-lo bem com a nova geração”.

Recorda, com algum humor, a história de que a ideia original do Classe A apresentado em 1997 era baixar precisamente a idade dos clientes da marca, mas que, na prática… “descobrimos que era um carro adorado por aqueles que eram jovens de coração, digamos assim… [risos]”.

Ola Källenius não esconde que o prazer de condução faz parte do ADN da Mercedes-Benz, mas que o futuro propõe desafios também nessa área.

“Sabemos que a idade é apenas uma questão mental, é certo. Mas com o novo Classe A, com o seu estilo desportivo e diversão de condução, entre outras coisas, quase que foi uma revolução para a marca em 2012 quando o lançámos e baixou significativamente a idade do comprador. E trouxe muita gente nova, tal como o CLA e o GLA… Gente que não tinha Mercedes-Benz antes, que estava fora de alcance. Talvez sonhassem com a marca, mas o Classe C estava fora do alcance em termos de custo… Agora, de repente, tinham um carro que podiam dizer que adoravam e transferiram-se de uma outra marca generalista ou de outra Premium para a Mercedes-Benz. A taxa de conquista foi fenomenal e agora vamos tentar incrementar essa posição”, assinala.

Os desafios autónomos da indústria

Numa época em que o fenómeno da mobilidade se diversifica entre os vetores da autonomização e da partilha, Ola Källenius reconhece que os desafios que a indústria tem pela frente são enormes.

“Penso que este é o caminho a seguir. A arquitetura elétrica e eletrónica vai ser cada vez mais sofisticada no futuro, mas isso não quer dizer que a dinâmica de condução não vá interessar. Vai interessar. Particularmente o ADN da Mercedes-Benz, em que se fecharem os olhos podem sentir que é um Mercedes-Benz. Nada disso vai desaparecer e teremos de trabalhar também nisso e superarmo-nos a nos próprios. Mas acrescentámos uma nova dimensão, chamada ‘conteúdo digital criado à medida do cliente’”, explica, distinguindo que a dinâmica de condução não é só estar ao volante, mas também a qualidade da viagem.

“A dinâmica de condução é obviamente tanto a condução como a viagem. Como sempre foi. Um dos pontos fortes da Mercedes-Benz sempre foi o conforto da viagem e com a condução autónoma, em última instância, nos níveis 4 e 5, essa importância d e conforto será elevada. Porque os sentidos que não usamos tanto hoje em dia serão orientados para outras áreas. Ou seja se não tiverem de se concentrar o tempo todo na estrada e como o carro se comporta, pode estar mais relaxado e o sensor do corpo para o conforto da viagem vai ser ampliado”, acrescenta ainda sobre este tema.

Primeiro autónomo nível 3 em 2020

Para este responsável, o progresso da condução autónoma tem sido notável ao longo dos últimos anos e apenas a mais lenta reação das autoridades no capítulo regulatório tem atrasado um avanço mais repentino.

“Os sistemas que temos agora no carro diria que são de nível 2+. São muito sofisticados e conseguem conduzir o carro sozinho e controlar diversas situações. Se deixássemos de ter em conta toda a regulação poderíamos fazer muita mais condução autónoma. Mas lá está – para dar o passo para o nível 3 de autonomia, no qual a responsabilidade passa do humano para a máquina, precisamos de camadas de redundância e é nisso que estamos a trabalhar. O nosso primeiro carro de condução autónoma de nível 3 será o Classe S de nova geração, agendado para 2020. E cerca de um ano depois, apontamos para um primeiro veículo de nível 4/5 como aplicação de robotáxi”, revelou, debruçando-se, de pronto, sobre o que implicará para a sociedade ter um veículo autónomo em circulação.

“Obviamente, há muito trabalho de regulamentação que também precisa de ser feito. No caminho para uma condução cada vez mais autónoma, que na Alemanha começará de 2020 até 2030, temos de transformar os veículos de nível 4 e 5 em participantes do tráfego como se fossem seres humanos. Deve ser capaz de negociar qualquer situação em que for colocado e têm de se adicionar os suficientes níveis de redundância para que seja feita de forma muito segura. O primeira instância em que estamos a pensar é uma aplicação de robotáxis de nível 4 ou 5 na qual começamos por escolher uma cidade ou área de uma cidade na qual faça sentido economicamente fazê-lo. Teremos de ter um mapa HD de tudo e uma capacidade de autoaprendizagem do mapa em que o carro poderá aprender continuamente e passar essa informação para os outros carros pela ‘cloud’. E temos de ter capacidades de sensação e de decisão no carro para que possa tomar qualquer decisão que um humano teria. Não esperamos que as cidades fechem áreas geográficas e digam que aqui só podem andar autónomos e aqui só humanos. Isso é pouco prático geograficamente e não o vejo possível por muito, muito tempo. Na primeira fase de condução autónoma, devem ser participantes no trânsito, como qualquer outra pessoa”, completou.

Partilha como alternativa, mas não ‘a’ solução

Paralelamente com a chegada de mais veículos autónomos, existe ainda o fator de mobilidade partilhada ou de subscrição de serviços, que muitos encaram como uma ‘ameaça’ ao método tradicional de posse, mas Källenius não observa a situação dessa forma.

“A mobilidade partilhada – ou variantes de mobilidade flexível – está a subir e se virmos quanto dinheiro tem sido investido em serviços de mobilidade na Europa nos últimos sete ou oito anos vemos que são muitos, muitos milhões. Na Daimler, somos um forte investidor de capitais nessa área e começámos alguns negócios de mobilidade e comprámos outros. Fizemos recentemente um anúncio de que vamos emparelhar os nossos serviços de mobilidade com a BMW para criar uma massa critica ainda maior. Creio que este é um mercado que vai crescer significativamente ao longo dos próximos anos. Mas, não o vejo como um substituto direto da propriedade privada. Todos os estudos que fazemos mostram que a propriedade irá continuar por muito tempo, talvez para sempre… Serão o centro da forma como desfrutamos de mobilidade individual. Mas esta camada adicional de conveniência dos serviços de mobilidade é um mercado muito interessante”, salientou.

Classe A híbrido, Diesel ainda faz sentido

A nova geração do Classe A já tem confirmada uma versão híbrida, de acordo com este responsável do conselho de administração da Mercedes-Benz para o desenvolvimento de novos produtos, mas no mapa para o futuro, o caminho não rejeita ainda a tecnologia Diesel.

“Quanto ao futuro do Diesel, agora que provámos que não só é económico nos consumos e ótimo nas prestações, também mostrámos que as emissões de NOx foram drasticamente reduzidas com a norma Euro 6d-TEMP. As discussões que tivemos nos últimos dois anos sobre a eficácia na ‘limpeza’ do NOx demonstram que esse problema foi tecnicamente solucionado. Por isso, se encararmos isto com um debate racional, creio que o futuro do Diesel, sobretudo em matéria de emissões de CO2 pode ter um futuro brilhante”, admitiu, advogando ainda que apenas uma combinação de diversas tecnologias a meio-termo permitirá que se atinjam as metas previstas em termos de emissões poluentes na Europa.

“Em primeiro lugar, as metas por si são muito desafiantes. O caminho técnico para alcançar o objetivo é um pouco a combinação de todos os cenários: melhorar os motores de combustão interna, incluir os sistemas de 48V ao longo de mais ou menos toda a gama, lançar PHEV de cima a baixo e uma boa parte de veículos elétricos como percentagem das vendas. Temos tudo isto em desenvolvimento. Por isso, esses dois pontos conseguimos controlar. Só na família EQ estamos a investir cerca de 10 mil milhões de euros para os próximos anos. É um grande compromisso. O que é muito mais difícil de controlar é o comportamento dos compradores e essa é uma grande variável desconhecida nesta equação que traz alguma incerteza para este cenário. Mas do ponto de vista técnico, vamos garantir que teremos tudo”.

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