O espetro automóvel está a mudar substancialmente e os grandes construtores veem-se obrigados a responder a uma série de novas tendências, quer ao nível das motorizações, quer ao nível das próprias noções de propriedade e de deslocação urbana, havendo quem prefira já outros meios de utilização do automóvel que não o tradicional de compra e posse.

Para a Toyota, considerada pela Interbrand como a marca mais valiosa de 2018 em termos de valor de companhia e também de foco de inovação, o tempo é mesmo de avançar e de prestar atenção a todas as mudanças da indústria automóvel. Mobilidade partilhada, condução autónoma (ou automatizada, como referem na companhia liderada por Akio Toyoda) e tecnologias de conectividade cada vez mais avançadas são apenas algumas das vertentes nas quais a aposta está a ser feita.

Falámos com Matt Harrison, vice-presidente da Toyota Motor Europe (TME) para a área de vendas e marketing na região europeia, e descobrimos precisamente qual a abordagem que está a ser efetuada para os mais diversos capítulos. O objetivo: uma operação cada vez mais sustentável e eficiente, sem colocar em causa a rentabilidade.

Motor24: A Toyota quer assentar o seu crescimento nos princípios de qualidade, durabilidade e fiabilidade, traços que já lhe são reconhecidos. Mas, como é que se consegue isso numa indústria em que a noção de posse está a mudar drasticamente?

Matt Harrison: É verdade que o ciclo de posse está a reduzir-se bastante significativamente. O ciclo de gestão de propriedade nalguns mercados está a mudar, com muitos clientes a quererem fazer um pagamento mensal por um carro e incluir o máximo possível de coisas nesse contrato. Por isso, temos um grande aumento no leasing pessoal. Depois do setor empresarial das frotas, [as companhias do ramo] começam agora a ir atrás dos privados, dizendo que podem colocar tudo – o seguro, manutenção, etc – numa única renda mensal sem que tenham de pensar em mais nada. Isso é visível sobretudo entre os mais jovens que não querem ter muitas preocupações. Penso que é neste sentido que o mercado se está a movimentar.

Penso que para a Toyota o maior desafio é trazer mais emoção para a marca. Chamamos-lhe de rejuvenescimento da marca, que está ser feito, por exemplo, com a Gazoo Racing, sendo mais apelativa, mais excitante e mais emotiva enquanto marca. Já temos o lado da fiabilidade, que é reconhecido à Toyota. Penso que, graças a todas as novas tecnologias que temos lançado, com o lema de de durabilidade, qualidade e fiabilidade, mostramos que só trazemos algo para o mercado quando é tudo isso que refiro. Não se trata da velocidade com que trazem novas coisas para o mercado, mas sim de trazer as coisas quando são seguras.

M24: Outra tendência hoje em dia é a da condução autónoma? Qual é a sua opinião sobre esta nuance, que é cada vez mais falada?

MH: Surpreende-me sempre quando venho a estes salões e oiço a quantidade de questões relacionadas com condução autónoma, porque quando ouvimos os nossos cerca de 200 concessionários pela Europa sobre o que procuram os seus clientes, eles nunca falam em condução autónoma. Não é um ponto de discussão para os privados. Quem está mais obcecado com estas tecnologias são aqueles que estão convencidos de que há um caso de negócio muito mais vantajoso, como a Uber, que acredita que pode retirar o elemento humano da equação, que é o mais dispendioso. Por isso, não é surpreendente que sejam empresas como a Uber a liderar o caminho, porque têm um objetivo comercial em mente. A mentalidade da Toyota é muito diferente. Sabemos que a tecnologia será uma realidade e temos de estar preparados, mas queremos que o nosso ADN e os nossos valores estejam incluídos nisso. São muito diferentes dos da Uber, mas juntos podemos colaborar. Penso que os privados não estão a pedir por esta tecnologia e penso que muitos ficarão dececionados ao serem reduzidos meramente a passageiros do ponto A ao B, porque gostam de conduzir e essa é uma sensação recompensadora.

M24: Portanto, não acredita que esteja para muito breve? O Didier Leroy [NDR: vice-presidente da Toyota Motor Corporation] referiu que a tecnologia poderá estar na estrada já dentro de dez anos, ou pouco mais…

MH: O Didier falou de alguns exemplos e vi recentemente uma apresentação de Gill Pratt [NDR: CEO do Toyota Research Institute nos Estados Unidos] e penso que a tecnologia está ainda mais longe do que as pessoas pensam, por causa do fator de reconhecimento, dos sensores e de interpretação das situações, como o cérebro humano o faz. Há grandes vazios. E não falo de condições atmosféricas adversas, mas sim de fatores de reconhecimento. Por exemplo, num cruzamento, ao deparar-se com um camião que entre na via e que tenha na lateral um anúncio com seres humanos, o carro poderá ter dificuldades em reconhecer que é apenas um anúncio e não um humano. A tecnologia ainda tem muito para andar antes de se ter 100% de segurança na condução. Em ambientes controlados, haverá uma implementação gradual da condução autónoma. Temos o ‘Guardian Mode’ [NDR: conjunto de tecnologias de assistência à condução], que providencia alguns assistentes e tecnologias que ajudam o condutor quando este se distrai ou tem algum problema de saúde, e o ‘Chauffer Mode’, que é a partir do qual se pode tirar as mãos do volante de forma despreocupada. Penso que estamos a mais de dez anos deste último. Em Sillion Valley, talvez. Mas no resto do mundo, creio que não.

M24: No ano em que a Toyota anunciou o final dos seus Diesel nos veículos de passageiros, como é que está a decorrer o ano? Preveem mais um ano de crescimento?

MH: Estamos em ótima posição. Este ano não foi um grande ano em termos de novidades. Renovámos o Aygo, que chegou ao mercado em junho, e descontinuámos o Diesel e o Avensis e não tínhamos expectativas muito grandes de crescimento… Mas, claramente vamos vender mais este ano. Estamos a crescer mais do que o mercado e também vamos aumentar a quota. Para um ano tão tranquilo, estamos numa ótima posição, também pelos nossos híbridos. Sentimos que não perdemos muita quota com o final dos Diesel. Obviamente, no próximo ano, apenas poderemos aumentar a nossa posição, com novos produtos na gama. Na verdade, a nossa única dor de cabeça é na capacidade de fornecimento à escala global. Sobretudo, com o aumento dos híbridos e da procura das baterias a nível global porque o crescimento tem sido maior e mais rápido do que prevíamos há alguns anos e temos tido alguns problemas para ajustar a oferta à procura.

Não esperávamos que a confiança dos consumidores nos Diesel caísse como aconteceu nalguns países. Veja-se na Alemanha, com algumas cidades a pensar em abolir os carros Diesel: as pessoas estão em pânico e, de repente, tornámo-nos numa proposta muito apelativa e estamos com um pouco de dificuldades para manter a oferta com a procura. Mas estamos a crescer. Diria que talvez o ritmo do nosso crescimento seja ditado também pela capacidade de oferta e estamos a trabalhar para melhorar isso.

M24: O ano passado, a Toyota comemorou os 20 anos da tecnologia híbrida. Sentem que, passados os anos iniciais e as desconfianças daqueles anos, com o rumo que a indústria tomou, sentem-se orgulhosos por poder dizer que a estratégia era a correta desde o início?

MH: Sim… Não de uma forma arrogante, mas penso que também houve alguma sorte e persistência. Neste negócio as pessoas confiam na Toyota como marca e podem confiar nos nossos produtos e na nossa fiabilidade. Sabemos que globalmente vendemos 20 milhões de híbridos, dos quais dois milhões na Europa. Estão preparados para confiar na Toyota e nos híbridos e não tanto nos elétricos que sabemos que obrigam ainda a alguns compromissos como vemos nalguns países em que apenas proliferam pelos incentivos. Claro que isso vai mudar, mas hoje os tempos de carregamento ou a autonomia mostram que ainda não é o tempo certo para os clientes. Creio que dentro de dois anos, quando tivermos as baterias de estado sólido, com uma autonomia competitiva e tempos de carregamento normais e preços mais acessíveis, será mais conveniente para os clientes. Gostaria de pensar que a nossa estratégia também é centrada no cliente. Vamos avançar passo a passo.

M24: Falou das baterias de estado sólido e é possível pensar que em meados da próxima década possam estar na estrada? Digamos, em 2025?

MH: Penso que teremos essas baterias em 2020 nalgumas partes do mundo. A China é um dos principais mercados em termos de veículos elétricos, talvez por necessidade… Mas o tempo que temos para desenvolver novas plataformas otimizadas para essas tecnologias e para a evolução das baterias leva a olhar para alguns anos depois. Por isso, talvez você esteja certo, para 2025… Como sabem a Comissão Europeia recomenda que em 2030 o mix de venda de automóveis seja de 30%. Isso deixa muito que não é de zero emissões nessa altura e muito espaço para tentar encontrar soluções acessíveis para limpar o ar e soluções de mobilidade sustentáveis para o cliente.

Penso que a vida dos híbridos ainda tem muito para dar. Alguns diziam que era uma tecnologia de transição, mas 20 anos depois é mais de metade do nosso mix de vendas e francamente estou confiante de que irá estar presente por mais de dez anos. Ainda não atingimos o nosso pico no desenvolvimento. É um mundo muito diverso e uma Europa muito diversa. O nosso trabalho é que possam existir tantas soluções quanto possível: sim, teremos híbridos, teremos Plug-in, teremos elétricos e teremos fuel cell a hidrogénio. O cliente irá decidir.