Visita ao vale encantado do Loire

01/08/2017

Se Paris e as celebrações dos 25 anos da Eurodisney estão a “tentá-lo” como destino para as próximas férias não deixe de prever três a cinco dias para uma “passagem” pela lindíssima região do Vale do Loire – uma viagem pela História da Europa.

A lindíssima região do Vale do Loire, classificada pela Unesco como Património da Humanidade, aloja um conjunto monumental ímpar, composto por mais de 80 castelos e palácios que nos contam a história deste país que durante séculos “iluminou” a cultura europeia. Pequenas cidades, como Angers, Saumur, Tours, Blois, Orleans ou Chartres, parques imensos para percorrer a pé ou de bicicleta, acolhedores cafés onde é obrigatório parar de manhã para tomar um café e comer um croassaint, esplanadas debruçadas sobre o Loire onde uma cerveja de final de tarde ganha um sabor inesquecível – um conjunto de vivências difíceis de esquecer que, para os amantes dos automóveis, tem como pontos mais altos as visitas obrigatórias a Le Mans ou ao Museu da Matra.

Tours pode muito bem ser o primeiro ponto de paragem (Le Mans fica a cerca de 70 quilómetros). A cidade “respira” a sua herança medieval a cada esquina ao mesmo tempo que a forte predominância de estudantes (mais de um quarto da população residente) lhe empresta uma vida muito própria. A Ponte Wilson, sobre o Loire, com mais de 400 metros de extensão e um total de 15 arcos, é um dos pontos de visita obrigatória, tal como a Basília de São Martinho.

Um conjunto de vivências difíceis de esquecer que, para os amantes dos automóveis, tem como pontos mais altos as visitas obrigatórias a LeMans ou ao Museu da Matra

Depois de uma manhã em Tours deixe a cidade na direção de Blois, seguindo pela A10 ou, preferencialmente, pela D952; a primeira é…uma autoestrada, a segunda oferece-nos um percurso lindíssimo tendo sempre por companhia o Loire e pequenas vilas muito bem cuidadas. É o caso de Amboise onde vale a pena pernoitar para no dia seguinte visitar três locais imperdíveis: o próprio Castelo de Amboise, o Castelo de Chenonceaux e o Palácio de Clos Lucé. O primeiro, berço e residência do rei Carlos VIII de França, é considerado como um dos mais representativos símbolos do período renascentista, apresentando no seu interior peças e mobiliário que, no entanto ilustram variadíssimos períodos da história francesa. Além disso, conta com uma localização privilegiada, devendo ser contemplado ao longe, pois só assim ficaremos com a noção real da sua importância estratégica. Ainda em Amboise, a visita ao Palácio de Clos Lucé, construído em 1477, justifica-se pelo facto de ali ter vivido os últimos anos da sua vida o génio dos século XVI, Leonardo da Vinci. Além dos seus aposentos e gabinetes de trabalho, é possível conhecer réplicas de muitas das suas invenções, como o carro de ataque, a metralhadora e os primeiros estudos de viaturas motorizadas: “o movimento é a vida” era um dos pensamentos de Leonardo da Vinci que, como veremos, deixou marcas importantes na arquitetura de toda a região.

Cerca de uma dezena de quilómetros desviado de Amboise, encontramos o Castelo de Chenonceau cuja estrutura principal (mas não a primeira) está construída precisamente sobre o rio Cher. A par dos lindíssimos jardins, o castelo originariamente construído em 1432 foi residência e propriedade de Catarina de Médicis e teve sempre um papel preponderante nos diversos períodos da história francesa, mesmo mais recente, de que é exemplo o facto de ter sido um dos bastiões da Resistência durante a Segunda Grande Guerra. O quarto de Catarina de Médicis, a coleção de arte e mobiliário e a ampla galeria que une as duas margens do Cher (na Primeira Grande Guerra transformada em enfermaria de apoio aos soldados), estão entre os pontos mais emblemáticos deste castelo marcado, também, por uma arquitetura invulgar.

Percebemos isso mesmo quando deixamos Amboise e nos dirigimos a Blois. São 35 quilómetros pela D 952, à beira do Loire, com uma paragem obrigatória no Castelo de Chaumont. Avistamo-lo entre o arvoredo e os torreões pontiagudos lembram-nos os desenhos que fazíamos enquanto crianças.

Aliás, a história deste castelo, edificado no séc. X, também parece saída de um conto infantil: foi objeto de disputa entre Catarina de Médicis e Diana de Potiers (amante do seu marido, o rei Henrique II) para, a partir do século XVIII mudar constantemente de proprietário até ser adquirido, no final do séc. XIX, por Marie Charlotte de Say. Entre as múltiplas excentricidades desta princesa, herdeira de uma fortuna colossal, são famosas as festas ali realizadas para a realeza europeia (há uma foto à entrada que testemunha a presença do rei D. Carlos I de Portugal), as cavalariças iluminadas e aquecidas (luxos quase inexistentes nas casas da época) e a presença, nos jardins, de… um elefante oferecido pelo marajá de Kapurthala. Mas este tipo de histórias de esbanjar e opulência tem, invariavelmente, o fim que todos conhecemos e esta não foi exceção… O castelo, bem como toda a propriedade que ocupa um total de 32 hectares de jardins e parque florestal, foi adquirido pelo estado francês em péssima situação, quase sem recheio que a princesa ia vendendo ao desbarato.

Ainda sob o mote da inspiração infantil chegamos a Cheverny cujo castelo com mais de seis séculos manteve-se até aos nossos dias como uma propriedade privada, detida pelos marqueses de Vibraye, o que não impede que todos os anos deslumbre mais de 350 mil visitantes. Ricamente mobilado (séc. XVII) e muito vem conservado, Cheverny, foi residência de Diana de Poitiers, mantém intacto todo o seu esplendor, mesmo depois do período difícil que foi a Segunda Guerra Mundial. A sua arquitetura e toda a organização do espaço em redor, reflete as preocupações de algumas das transformações porque se passou, assumindo-se, claramente, como um palácio de caça. De tal maneira a tradição perdurou que, ainda hoje os seus proprietários mantêm um canil com quase uma centena de cães de caça. Uma das maiores curiosidades é, porém, o facto de o Castelo de Cheverny ter inspirado Hergé para desenhar o Castelo Moulisart das aventuras de Tintin, do Capitão Haddock e, claro, do imprescindível Milou.

Depois de visitarem a exposição dedicada à obra de Hergé é provável que os miúdos estejam ainda mais ansiosos pela chegada a Paris mas explique-lhes que não vai poder deixar o Vale do Loire sem visitar aquele que é o seu símbolo maior: o fabuloso Castelo de Chambord, localizado a cerca de meia hora de Blois. Do Castelo é fácil encontrarmos definições mais ou menos apaixonadas mas todas elas coincidem numa ideia: depois de Versailles e Avignon Chambord é a interpretação maior da arquitetura Renascentista do séc. XVI, atraindo por ano mais de 800 mil visitantes.

O Castelo de Cheverny inspirou Hergé para desenhar o Castelo Moulisart das aventuras de Tintin, do Capitão Haddock e, claro, do imprescindível Milou.

A sua construção teve início em 1519, precisamente no ano em que, em Amboise, morria Leonardo da Vinci a quem, se deve (segundo alguns) o projeto de um dos ícones de Chambord: a escadaria de dupla hélice, caracterizada pela geometria aberta e em espiral. O que pode parecer hoje um detalhe foi durante muitos séculos uma solução pouco menos do que genial, devido à sua complexidade. Afinal, uma criação bem no espírito de todo o monumento para o qual o rei Francisco I traçou um objetivo: se na maioria dos casos este tipo de construções tinha em vista testemunhar o poder (militar, económico, social, etc) daqueles que a mandam executar, neste caso estamos perante uma obra que pretende evocar a estética, a espiritualidade e o conhecimento. Sintomaticamente, embora a sua construção só tenha terminado no reinado de Luís XIV (mais de um século depois, portanto) a verdade é que o espírito e a traça original do projeto foram integralmente respeitados. As únicas alterações ocorreram no exterior, com a delimitação daquele que é hoje o maior perímetro florestal da Europa (5440 hectares).

Para além da arquitetura soberba, a visita demorada a Chambord justifica-se pela riqueza do mobiliário e das tapeçarias, além de outras peças que atestam a presença de diversas casas reais.

Sem receio de exagerarmos, asseguramos que uma manhã inteira não é demais para uma visita detalhada a Chambord. Pode ser, até, que no grupo haja quem se impaciente mas não é demais recordar que um pouco de cultura nunca fez mal. É, afinal, uma oportunidade soberba de despertar nos seus filhos o gosto pela descoberta e pelo conhecimento, tendo como pano de fundo uma região lindíssima e que tem o dom de nos permitir reviver alguns dos momentos mais marcantes da História da Europa.

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Júlio Santos

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