Imaginado originalmente como um herdeiro espiritual do icónico Land Rover Defender de gerações anteriores, o futuro jipe todo-o-terreno da INEOS Automotive prossegue o seu desenvolvimento a muito bom ritmo, num conceito mais amplo que aposta em honrar uma série de ‘heróis’ da indústria automóvel na área do todo-o-terreno. Portugal fará parte do ADN desta marca recém-criada, com um complexo industrial em Estarreja para sub-produção de chassis.

Poucas histórias têm um início tão honesto quanto a do Grenadier, futuro jipe todo-o-terreno de tração integral (4×4) que está previsto para ser lançado no final de 2021, imaginado como um veículo sem concessões e de elevada robustez para enfrentar os terrenos mais árduos do mundo. Ainda a refazer-se da notícia de que o Defender original da Land Rover seria descontinuado, enquanto descontraía num bar (o tradicional ‘pub’ britânico), o multimilionário Jim Ratcliffe lançou para o ar a ideia de criar um herdeiro espiritual para o lendário todo-o-terreno, mesmo que na INEOS não houvesse grande experiência na área automóvel. Ali ficou também criada a semente para a designação do modelo que está atualmente em testes: Grenadier, precisamente o nome do bar.

Mark Tennant falou ao Motor24 sobre o desenvolvimento do novo jipe 4×4 da INEOS.

Escassos anos depois, o ritmo de desenvolvimento do Grenadier aumenta e a marca vai tornando a sua estratégia mais clara, como explicou Mark Tennant, diretor comercial da INEOS Automotive, em declarações exclusivas ao Motor24. Chegado à empresa em janeiro de 2018, o responsável da marca adianta que o progresso tem sido assinalável, sobretudo pela escalada de proporções que o projeto tem levado, com as parcerias técnicas anunciadas já com a BMW e com a Magna Steyr, cuja competência no desenvolvimento e produção de veículos 4×4 está bem documentada. É em Graz, sede da Magna Steyr na Áustria, que nasce outro ícone do segmento, o Mercedes-Benz Classe G.

Regressando atrás no tempo, Mark Tennant explica que o conceito original do Grenadier já evoluiu face ao que era inicialmente aventado. “Creio que quando o Jim falou do sucessor espiritual do Defender, no início, era mais no contexto da decisão da Land Rover de parar a produção do Defender original. Penso que essa foi claramente a génese da ideia no bar Grenadier, a par de algumas cervejas. Mas penso que já avançaram um pouco [na ideia]”, aponta o responsável britânico, explicando as razões pelas quais um modelo como o Defender original já não pode ter a mesma existência.

“Creio que olhamos para uma série de heróis em vez de falar apenas do Defender, como o Jeep Willys, o Land Rover Defender Série 1, o Land Cruiser da Toyota ou o Classe G da Mercedes-Benz. Além disso, não podemos ser demasiado escravos de nenhum modelo, porque o mundo evoluiu e um dos pontos chave, embora gostemos do conceito de simplicidade destes 4×4 originais de serem o mais simples possíveis, que não tenham nada que não seja preciso, é que os consumidores do século XXI e os regulamentos modernos de segurança e de ambiente obrigam a que não possamos ser assim tão simples, Vamos cumprir todos os requisitos de segurança obrigatórios pela União Europeia para o futuro. Não há como brincar com isso e os consumidores não esperam outra coisa. Não vamos estar só a olhar para trás, para um conceito nostálgico. Sabemos que o mercado precisa de algo que seja atual, [na época] em que precisa de estar. Mas em termos de conceito do veículo, que seja útil, de forma a seguir a função e de ser uma ferramenta de trabalho. Essas são as coisas que estamos a tentar salvaguardar e a manter do legado”, avançou, destacando ao mesmo tempo a possibilidade de poder contar com o auxílio no desenvolvimento técnico de empresas como a BMW e a Magna Steyr.

Sobre a marca bávara, Mark Tennant aponta a mais-valia de um trabalho próximo e não de um mero fornecimento de componentes, algo que será essencial para os próximos anos, à medida que as metas de emissões poluentes na União Europeia se tornam mais apertadas.

“É uma parceria técnica, no sentido em que não nos limitamos apenas a comprar os atuais motores. Temos uma relação de longa duração com a BMW e isso inclui peças de atualização para desenvolvimentos futuros dos motores, por exemplo, para as regulações Euro 7 das emissões. quando surgirem. Nesse sentido, não é um acordo de fornecimento estático. É muito mais profundo do que isso. Obviamente, em termos de componentes relacionados, estamos a trabalhar muito proximamente com outros fornecedores, com os quais eles também são muito próximos. É uma relação bastante profunda e estamos satisfeitos por estarmos a trabalhar com eles. Em termos de motores são ótimos e farão exatamente o que precisamos com a nossa afinação em termos de potência e binário para o 4×4 sem compromissos que estamos a construir”, adiantou, elogiando também o trabalho feito em parceria com a austríaca Magna Steyr, referindo que a INEOS Automotive está “maravilhada por ter esta relação dado o seu legado 4×4 pelo trabalho de desenvolvimento no Classe G”.

Com esse mesmo foco, o responsável da INEOS Automotive dá conta de que o “programa de desenvolvimento tem evoluído bem, entrou agora num estado mais sério e estamos muito satisfeitos com a forma como tem decorrido. Os nossos primeiros protótipos excederam as expectativas mas ainda há muito trabalho a fazer até chegar à nossa data de inicio de produção, que é o final do próximo ano. Estamos satisfeitos com progresso. Se olharmos para 2019, fizemos um enorme progresso, mas este ano será muito duro, sem dúvida, porque há muito a fazer”.

ADN Português

Será em Estarreja que a INEOS Automotive irá construir um complexo industrial pensado para a montagem de componentes do Grenadier ao nível do sub-chassis e carroçaria. Uma infraestrutura que irá secundar a fábrica principal (a construir no País de Gales) e que apenas agora poderá começar a ganhar forma, sendo assinado hoje um protocolo com a autarquia de Estarreja para o início das obras no local.

“Penso que ainda há muito trabalho para fazer em Estarreja porque apenas agora conseguimos adquirir todos os terrenos e estamos a avançar. Será um calendário apertado, mas os meus colegas estão confiantes de que poderemos cumprir todos os prazos”, avança Mark Tennant,

“Penso que houve alguns pontos importantes para a escolha de Portugal. Um foi a rede paneuropeia de fornecimento para construir veículos na Europa e parte do foco em Portugal foi o facto de estarmos em trabalho e contacto próximos com empresas que estão na Península Ibérica, como a Gestamp, da qual somos bastante próximos, ou da Caetano, sobre algum potencial envolvimento nalguns aspetos do desenvolvimento”, revela, confessando ainda que na INEOS ficaram positivamente impressionados com a receção política do projeto em Portugal e na autarquia.

“Olhámos para muitos locais para a construção e sub-produção e ficámos muito impressionados com a receção que tivemos e com o apoio que tivemos ao lidar com toda a burocracia e com todos os pedidos de planeamento. O Governo português foi excelente, bem como o AICEP e a autarquia local. Isso foi muito importante. Foi um pouco como o País de Gales, no qual o Governo também foi muito solícito e solidário. Foi uma combinação de fatores. Olhámos para dezenas de locais na Europa e não só. Em última instância, queríamos construir algo de novo, embora como saiba existam muitas [instalações] de capacidade na indústria na Europa. Mas é muito difícil para as nossas aspirações de volume de nicho, de cerca de 25 mil unidades por ano no nosso máximo, fazer uso completo de um espaço muito maior. Se olharem para a Honda, em Swindon [NDR: que irá fechar no final de 2021], tem capacidade para produzir dez vezes mais carros do que precisaríamos. Acabaríamos por gastar mais dinheiro para aproveitar uma fábrica antiga do que construir uma de raiz com o tamanho certo para a nossa capacidade. Uma série de fatores, mas estamos muito satisfeitos com a nossa decisão”.

O investimento a fazer em Portugal continua a não ser adiantado – “falamos apenas em termos absolutos. O investimento no projeto é de cerca de 600 milhões de libras” –, mas os dados do emprego que irá surgir são ponto de destaque para Tennant. “Prevemos cerca de 200 empregos inicialmente, que pode chegar potencialmente aos 500 postos de trabalho diretos se atingirmos os nossos objetivos”, assegura.

Quanto à estratégia de comercialização do novo Grenadier, ainda estão a ser finalizados os planos da marca, mas a ideia lançada por Mark Tennant é de que vá ser criado algo de diferente para o jipe 4×4 da INEOS, mais ao sabor dos novos tempos da indústria automóvel.

“Penso que na perspetiva da distribuição, o mundo evoluiu bastante, bem como nos combustíveis alternativos. O modelo tradicional de concessionários tem espaço para melhoramentos, digamos. Mas a nossa aspiração é vendê-los diretamente conforme formos capazes. Não gosto tremendamente do termo, mas a palavra omnicanal que podem ouvir frequentemente, a forma como as pessoas procuram e compram carros agora é muito pouco linear. As pessoas vêm de sites, redes sociais, de todas as formas e temos de refletir isso nos nossos modelos de distribuição. Por certo que nalguns pontos na Europa e noutros locais, teremos alguns locais próprios, aquilo que chamaremos Grenadier Experience Hubs, nos quais podem conduzir o carro dentro e fora do asfalto, ter uma experiência mais apelativa com a família, também. Estamos a desenvolver este conceito”.

Sobre o mercado português e os planos de distribuição para este, embora indique ser muito cedo para decisões finais, deixa no ar a ideia de que poderá haver uma atenção especial para com o nosso país, atendendo à sua importância no projeto.

Jim Ratcliffe, mentor do projeto da INEOS, junto ao local de origem do nome do seu futuro jipe.

“O volume de vendas da indústria em Portugal é relativamente pequeno, mas, no geral, como será uma casa do Grenadier, tal como Gales, fará parte importante do nosso ADN. Provavelmente, colocaremos um foco desproporcionalmente grande em Portugal dado o tamanho do mercado porque teremos a nossa fábrica aí. Estamos numa série de conversações sobre os potenciais planos de distribuição. O ponto chave é que sabemos que vamos chegar bem a todos os lados, dar confiança às pessoas para que possam ir a algum lado e reparar ou fazer a manutenção correta dos seus veículos. Como diretor comercial, a maior parte da minha equipa é de pós-vendas e estamos a trabalhar primeiro nisto, estamos a focar-nos muito neste ponto. Vamos anunciar alguns dos nossos planos para o pós-vendas e serviços de manutenção na primeira parte de 2020, talvez no primeiro trimestre”.