O tempo de olhar para os elétricos com desconfiança começa a chegar ao fim. As marcas automóveis desenvolvem propostas cada vez mais eficientes e competentes, como é o caso da Mercedes-Benz, que tem no seu EQC o primeiro elétrico de nova geração – assente em carroçaria SUV, pois claro, para capitalizar com o sucesso deste formato.

A marca alemã não é precisamente novata em matéria de elétricos. Na verdade, mais recentemente, a Mercedes-Benz contou na gama do Classe B em 2014 com uma versão 100% elétrica, denominada Electric Drive, a qual passou relativamente despercebida no cenário automóvel da sua época. No entanto, embora não tenha passado muito tempo, o avanço tecnológico foi enorme e o EQC representa o primeiro passo da estratégia EQ de modelos elétricos – que também se estende à smart – e que trará mais novidades elétricas para os próximos cinco anos.

Receita rápida

No caso do EQC 400 4MATIC – eis o seu nome completo -, a Mercedes-Benz optou por utilizar a plataforma do GLC, aproveitando dessa forma uma base de rápida utilização e adaptada para albergar os diferentes componentes do sistema elétrico. Conta com dois motores de 150 kW cada, com potência idêntica mas desenvolvidos de forma diferente devido às suas exigências de posicionamento (o dianteiro privilegia a eficiência, o traseiro a dinâmica). Em conjunto, perfazem 300 kW, ou seja, 408 CV de potência transmitidos às quatro rodas através do sistema 4MATIC de tração integral, com um binário impressionante de 760 Nm, idêntico ao de um superdesportivo. Mais impressionante se torna quando se atenta no peso deste modelo – cerca de duas toneladas e meia.

Todo o conjunto motriz foi desenvolvido de raiz pela marca para este seu novo SUV, havendo também um trabalho aprofundado de compactação de elementos – a bateria situado sob o piso entre os dois eixos em posição muito baixa para ajudar a dinâmica, os dois motores elétricos, a caixa de uma única velocidade, a cablagem e a unidade de controlo eletrónico são pequenas e libertam espaço para o habitáculo e instalação de outros sistemas.

A bateria, pese embora os seus 652 kg, permite baixo centro de gravidade, tratando-se de um componente modular no seu desenho, consistindo em dois módulos de 48 células e quatro de 72 células para um total de 384 células. Esta bateria de alta capacidade tem uma voltagem de 408 V e uma capacidade nominal de 230 Ah e 80 kWh. A bateria e todos os seus sistemas envolventes (como o de carregamento) têm arrefecimento líquido, sendo que existe ainda, para climas mais frios, um sistema de aquecimento para que fique mais rapidamente na temperatura correta de operação. A sua produção está a cargo da subsidiária da Daimler, a Deutsche Accumutive, na Saxónia.

Se estes parecem muitos números, fique a saber que faltam ainda mais alguns, reveladores da sua intensidade de prestações: a aceleração dos zero aos 100 km/h cumpre-se em 5,1 segundos, sobressaindo precisamente pela sua impetuosidade quando se abusa do pé direito no modo ‘Sport’ do sistema variável Dynamic Select. Com este modo ativado, o EQC reage de forma pronta e decidida à maior pressão do acelerador, impelindo de maneira surpreendente as suas duas toneladas e meia. O binário de 760 Nm representa igualmente uma adição de competências na hora de ultrapassar, já que está disponível imediatamente. A sua efusividade na resposta à maior pressão no acelerador fica bem mais explícita quando olhamos para o binário de uma outra máquina de sensações, o Mercedes-AMG GT R, cujo binário é de ‘apenas’ 700 Nm…

Uma emoção desportiva que o EQC oferece como bónus para uma experiência que, no entanto, é sublinhada pelo refinamento de condução.

A insonorização está num patamar muito elevado, validando dessa forma o trabalho que a Mercedes-Benz fez na área, com múltiplos materiais de isolamento aplicados na zona inferior da carroçaria e até na parte inferior das cavas das rodas. Estes detalhes fazem a diferença a bordo, rodando sem intromissão de ruídos exteriores a 120 km/h.

Ainda quanto aos modos de condução, por defeito, ativa-se o ‘Comfort’, que faz uma gestão de todas as competências dinâmicas para favorecer o conforto dos ocupantes. Mas é nos modos mais ecológicos que se pode ambicionar a fazer maior gestão energética da bateria de 80 kWh. O ‘ECO’ suaviza a curva de resposta dos motores elétricos, dando primazia à eficácia motriz com vista à extensão da autonomia. Mas, essa pode ser ainda ampliada por intermédio de modo ‘Maximum Range’ (Autonomia Máxima), que faz o oposto do modo ‘Sport’. Aqui, em visão do futuro do controlo de velocidade automático, a gestão da potência do EQC é feita de acordo com os limites de velocidade em cada local. O veículo deteta a velocidade máxima permitida com recurso à câmara dianteira e aos dados de GPS e limita a entrega da potência ao local – sem excessos de velocidade. Ao mesmo tempo cria-se um ponto de resistência no pedal do acelerador que obriga ao condutor – caso necessite em emergência, pressão firme para obter mais potência.

Regra geral, o EQC é comodamente utilizável no modo ‘Comfort’ ou até no ‘ECO’, nunca faltando impulso e energia para responder aos constantes desafios. O modo ‘Sport’ impressiona pela intensidade de resposta, mas retira eficiência energética e retrai a autonomia disponível. Um ‘trade-off’ difícil…

Patilhas amigas

Mas, a condução de um elétrico não é mais uma ação desprovida de interesse para o condutor. Para esses há a emotividade de ganhar autonomia com a utilização das patilhas atrás do volante, que aportam maior diferenciação pois permitem potenciar a regeneração de energia decorrente dos momentos de desaceleração. Se assim se quiser, é uma diversão diferente…

Seja qual for o modo, as patilhas são usadas para controlar os níveis de regeneração da desaceleração (pode chegar aos 150 kW de recuperação para a bateria!), com os motores elétricos a serem usados como geradores. A do lado esquerdo (–) permite incrementar a energia recuperada, ao mesmo tempo que torna o efeito de travagem bastante notório (ativando até a luz de travão). A do lado direito (+) faz o oposto. Assim, existem cinco níveis selecionáveis: D–– (máxima recuperação), D– (recuperação média), D (recuperação baixa), D+ (sem recuperação) e D Auto, esta última com o sistema ECO Assist de combinação de dados a escolher o modo mais eficiente de recuperação de energia. Jogar com esses modos acaba por se tornar natural e no modo D– é até possível conduzir apenas com um único pedal (o do acelerador), como a Nissan fez com o seu Leaf de nova geração (e-Pedal).

Importa aqui referir que, a própria sensação do pedal de travão varia ligeiramente consoante o modo de regeneração escolhido, sendo que no modo D––, pode tornar-se imperativo usar mais força no pedal do travão para chegar à imobilização completa de forma rápida. Neste aspeto, ainda há algum trabalho a fazer.

Quatrocentos quilómetros? Difícil…

A autonomia correspondente ao ciclo WLTP ascende aos 417 quilómetros, mas esse valor será difícil com uma condução dita normal. Recorrendo aos modos ‘ECO’ e à utilização intensiva das patilhas de regeneração de energia (de forma que considerámos a mais adequada em cada momento), conseguimos uma média de consumo na ordem dos 24.2 kW/100 km, o que até nem fica muito longe da média homologada pelo ciclo WLTP, que é de 22.2 kW/h. No entanto, noutra utilização de 100 quilómetros, mais despreocupada, o valor de consumo médio aumentou já para os 25.2 kW/100 km, sendo entre esses dois valores que se poderá encontrar o ‘número dourado’ de utilização do EQC 400 4MATIC.

O carregamento pressupõe diferentes modalidades, podendo a bateria ser recarregada nas tomadas domésticas, públicas, wallbox da Mercedes-Benz ou, em alternativa desejável, nos postos de carga rápida, sobretudo naqueles mais avançados como os da rede IONITY (CCS), ainda não disponível em Portugal. Tratando-se de postos que conseguem oferecer uma potência de carregamento entre 100 e 150 kW em DC (posteriormente, chegará aos 350 kW), importa mencionar que o EQC está limitado aos 110 kW… Ainda assim, carregar dos 10% aos 80% leva cerca de 40 minutos nesse formato. Assim, há que recorrer aos outros métodos. Em casa, uma carga total de zero a 100% leva mais de 40 horas, pelo que não se torna prático, havendo em alternativa opções de ‘Wallbox’ que a marca oferece – de 11 kW ou de 22 kW. Porém, como o carregador de bordo do EQC apenas admite carregar a 7.4 kW, esta será a potência mais elevada com um cabo de Tipo 2 em AC, levando sensivelmente 12 horas a carregar.

Alemão suave

Se já se percebeu que a Mercedes-Benz dedicou grande atenção ao trabalho de refinamento de rolamento, essa circunstância não lhe retira mérito dinâmico. Não oculta a sua dimensão nem o peso de duas toneladas e meia, mas faz exercícios de transferência de massas com bastante agrado e segurança, até porque o sistema de distribuição de binário entre os dois eixos – de forma automática e inteligente – contribui para uma condução segura, além de contar também com direção precisa. O posicionamento muito baixo da bateria de iões de lítio também ajuda, naturalmente.

Mas, sobretudo, pareceu-nos modelo bem vocacionado para trajetos em conforto, com amortecimento bem conseguido para uma ampla variedade de utilizações: entre o mais desportivo e o mais pacato. Nunca irá ocultar o seu peso, mas o EQC não pretende ser um desportivo de diversão elevada em curva. De resto, se é cómodo e silencioso, as jantes de 20 polegadas da versão especial de lançamento ensaiada – 1886 – conferem-lhe alguma secura, sobretudo em lombas ou nas irregularidades mais profundas.

De notar, ainda, que os modos de regeneração também têm reflexo no pedal de travão, sendo que o tato deste não é homogéneo. No nível mais intenso de regeneração (D–), exige-se pressão mais firme no pedal para imobilizar o veículo.

Era da tecnologia

O modelo em ensaio estava repleto de tecnologia, com destaque ainda para o já conhecido sistema MBUX com assistente virtual e para a solução de dois ecrãs contíguos de grandes dimensões (10.25″) que abarcam a instrumentação e o núcleo de infoentretenimento, incluindo a navegação e aplicações dedicadas para o ecossistema da mobilidade elétrica.

O EQC está ligado em rede – num ecossistema digital proporcionado pela aplicação Mercedes.me – que oferece informações diversas em tempo real, permitindo até programação de rotas com cálculo dinâmico de postos e carregamento. Não só avalia a distância que pode percorrer com o nível de carga momentâneo, como também a disponibilidade dos postos de carregamento. Para tal, recebe informação dos servidores da Mercedes-Benz e da Mobi.e. A ligação com o smartphone é valorizada ainda por outras funcionalidades, como a de pré-condicionamento do interior ou de verificação de funções.

A bordo, a qualidade dita leis, com o novo EQC a jogar cartada muito forte neste campo, sobretudo quando se atenta nos diversos revestimentos e na montagem de alto nível. A já citada noção de insonorização ajuda muito na apreciação de um habitáculo referencial e agraciado pela iluminação ambiente que ajuda sempre na obtenção de uma vivência agradável. O espaço atrás é generoso na amplitude para as pernas e em altura, mas a largura aconselha ao transporte de apenas dois passageiros e não de três, até porque o túnel central não ajuda. A bagageira é igualmente ampla com 500 litros de capacidade e tampa da bagageira de acionamento elétrico, que amplia a sua funcionalidade.

A lista de equipamento é bastante recheada, com destaque para elementos como a iluminação Multibeam LED com função de controlo automático dos máximos (ajustando automaticamente o feixe de luz de forma a não encandear os condutores que circulam no sentido oposto) ou para o assistente de estacionamento, entre os muitos outros elementos de segurança. O custo de base é de 79.150€, mas para assinalar o lançamento do EQC, a marca oferece uma edição especial ‘1886’, repleta de equipamento adicional e com um custo de 12.750€. Elevado, sem dúvida, mas composto por um conjunto de opcionais (pintura metalizada Prata High-Tech, sistema de Som Surround Burmester, bancos de ajuste elétrico com aquecimento e insígnia ‘1886’ ou jantes de 20″, entre outros) que, isolados, elevariam mais o custo final do EQC. A versão ensaiada contava com um preço final de 96.749€, num preço que torna a acessibilidade a este elétrico Premium mais difícil.

VEREDICTO

É difícil não olhar para o EQC 400 4MATIC como uma montra tecnológica para as capacidades da Mercedes-Benz no âmbito da mobilidade elétrica. Irrepreensível na qualidade geral e na tranquilidade a bordo, este SUV elétrico pauta-se ainda pelas respostas muito impulsivas, sobretudo quando ligado o modo Sport, cravando a potência no chão com surpreendente eficácia. Agradável de conduzir, mesmo sem ser emocionante em estradas sinuosas devido às suas dimensões, o EQC revela pegada muito robusta em linha com a tradição de refinamento que a Mercedes-Benz procura incutir.

A eficiência energética é adequada para os números que o EQC 400 4MATIC apresenta, sobretudo quando se atenta nos 2495 kg que acusa na balança. Ainda assim, a autonomia varia com o estilo de condução, tornando difícil superar os 400 quilómetros homologados. Ainda assim, com condução cuidada e recurso à lógica de regeneração, tem o suficiente para não deixar o condutor sobressaltado em trajetos de média distância.

Nota ainda para o custo. Se a mobilidade elétrica ainda não é de fácil acesso para todos, o EQC 400 4MATIC não faz muito para contrariar essa premissa, embora seja de fácil entendimento que esse não foi, de todo, o seu propósito durante o desenvolvimento. Este é um modelo Premium de elevada tecnologia que merece ser tratado como tal, fazendo-se rodear de bons argumentos em termos de condução e de qualidade.

Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.