Roadtrip: 1000 km num elétrico, entre o pequeno-almoço e o jantar

29/12/2018

O desafio a que o Paulo Marmé e eu nos propusemos era simples. Sair de manhã com 100% de bateria e fazer uma viagem que totalizasse, pelo menos, 1000 quilómetros, antes de regressarmos.

A ideia não era bater ou estabelecer um recorde. Tratou-se de uma experiência destinada, por um lado, a mostrar que é um mito a impossibilidade de fazer viagens longas com veículos elétricos. Por outro, a contribuir para a nossa aprendizagem enquanto profissionais de comunicação, dedicados também à mobilidade elétrica.

As regras da viagem

Estabelecemos alguns princípios fundamentais, sendo que um deles era o de respeitar os limites de velocidade. Boa parte do percurso foi realizada em auto-estrada e IP, pelo que estabelecemos ali uma velocidade de cruzeiro indicada de 130 km/h.

Pelo teste que fizemos comparando com a velocidade indicada por GPS, este valor tinha um desvio de -2/3 km/h.

Inicialmente, prevíamos visitar quatro dos cinco Super Chargers da Tesla. Os SuC estão localizados em Fátima, Ribeira de Pena, Guarda, Montemor o Novo e Alcácer do Sal. Estes dois últimos estão muito próximos um do outro e podíamos escolher.

Também fizemos questão de visitar a loja da Tesla do Corte Inglês de Gaia, que ainda não conhecíamos.

O mais importante era completar pelo menos 1000 quilómetros e estabelecemos as 12 horas como um tempo de referência, que se revelaria otimista.

Após a partida, não voltaríamos também a carregar a bateria até aos 100%. Limitámos a carga até ao indicador “Daily”, para uso diário, que deverá corresponder a entre 85 e 90%.

Também apontámos para não chegar abaixo dos 10% a nenhum ponto de carga. Deste modo queríamos mostrar que, mesmo num exercício radical deste tipo, é possível andar sempre com uma grande margem em termos de autonomia.

Nesta viagem vimos os SuC a carregar a uma velocidade máxima de 114 kWh. Mas essa velocidade de carregamento vai baixando à medida que a percentagem de energia é maior.

Nunca baixámos dos 10%, mas ficámos com a ideia de que é dos 10% aos 60/70% que o carregamento é mais eficiente. A partir daqui é mais eficiente arrancar para o próximo SuC e repetir o processo.

O automóvel

Para realizar a viagem escolhemos o melhor automóvel elétrico para este objetivo. Não existe ainda rival para o Tesla Model S 100D, que poderia ter o cognome de “O Viajante”.

Tem uma autonomia, de acordo com as normas NEDC, de 632 km. Os números oficiais EPA são de 539 km, superiores a todos os restantes modelos da marca. Bem como, naturalmente, à restante oferta de outros construtores.

Os seus dois motores elétricos têm uma potência combinada de 315 kW (ou 428 cavalos) e um binário instantâneo de 660 Nm.

A aceleração dos 0-100 km/h é, segundo a marca, concluída em 4,3 segundos e a velocidade máxima é de 250 km/h. Talvez ainda mais impressionantes são as recuperações. Só 2,2 segundos dos 60 aos 100 km/h e 2,7 dos 80 aos 120 km/h.

Estes números, por si só, não traçam um cenário completo. A competência suprema é consegui-los sem alvoroço. Não há kick-down ou tempo de espera. E sem esquecer que falamos de uma berlina de cinco lugares, dois porta-bagagens e 2215 kg.

O preço de um Tesla Model S 100D azul com interior premium creme e Auto Pilot melhorado ronda os 125.000 euros. Embora pouco acessível à bolsa dos portugueses, compara positivamente com os seus concorrentes de outras marcas. Estes, dispondo sempre de motores de combustão interna pelo que, em boa verdade, não são ofertas equivalentes.

Os Tesla podem utilizar toda a rede de carregamento normal nacional (como fizemos antes e depois da viagem). Podem também usar a rede de carregamento rápido, que desta vez não utilizámos, mas que explicamos aqui como funciona. Pode ainda utilizar os Tesla Superchargers (SuC) espalhados pelo país ou os Destination Chargers. Além disso, também podem carregar em casa, numa tomada doméstica comum.

As velocidades de carregamento variam dos cerca de 12 km/h em tomada doméstica aos mais de 500 km/h nos SuC!

Até Fátima, com um pequeno percalço

Saímos às 8h05 do Paço do Lumiar, onde o Tesla tinha ficado a carregar até aos 100% num Posto de Carregamento Normal.

A velocidade de carregamento dos PCN pode ir até aos 22 kWh, mas este é mesmo dos mais lentinhos, capaz de pouco mais de 3 kWh.

Durante quase um quarto de hora negociámos o trânsito de saída de Lisboa, antes de entrarmos na A1.

A primeira paragem era no SuC de Fátima, onde chegaríamos com mais de 60% da carga da bateria. As dimensões do Model S são avantajadas para algumas das nossas ruas e estradas.

O sistema de navegação da Tesla funciona muito bem e apresenta-nos uma estimativa da carga com que chegaremos ao destino.

Nós colocamos sempre o destino pretendido e seguimos as suas indicações. Mas, ao não repararmos que a opção de escolher estradas sem portagem estava selecionada, fomos convidados a sair em Santarém. Seguimos pela Estrada Nacional 3 e depois pela A23, até à entrada seguinte na autoestrada, em Torres Novas.

A distância não foi muito afetada (mais sete ou oito quilómetros) mas perdemos cerca de 15 minutos. Chegámos às 9h40.

O SuC de Fátima foi o primeiro em Portugal e tem uma placa comemorativa. Fica ao lado do Restaurante A Floresta, que se tornou um local de encontro e confraternização da comunidade Tesla em Portugal. A dona disse-nos que o negócio mudou um pouco. Passou a ter um serviço mais alargado para além das refeições. Agora há sempre algumas mesas para servir café ou chá. Até o bolo de noz e mel foi batizado. Agora chama-se Bolo Musk.

Voltando à nossa epopeia, chegámos com 62% de carga e 320 quilómetros de autonomia. Tínhamos o SuC por nossa conta e estivemos cerca de 20 minutos à carga (30 minutos parados), o suficiente para acrescentarmos mais 100 quilómetros, provar (e aprovar) o bolo Musk.

Vila Nova de Gaia e a Loja Tesla

A nossa segunda paragem foi no Corte Inglês de Vila Nova de Gaia. Chegámos às 12h00, com 236 quilómetros de autonomia, apesar de quase mais 190 quilómetros a bom ritmo. Aqui tínhamos um Destination Charger no piso -3.

O tamanho do Tesla e dos nossos parques de estacionamento desenhados para utilitários, fizeram-nos perder mais algum tempo. Mas tínhamos previsto ir conhecer a área comercial Tesla no Porto e assim foi.

Os Destination Chargers da Tesla estão colocados em diversos pontos de interesse — hotéis, restaurantes e centros comerciais. A sua velocidade de carregamento é bastante inferior à dos SuC.

É uma solução ideal para fazer carregamentos mais lentos, o que tem vantagens na proteção da longevidade da bateria.

Estivemos parados mais meia hora, com 20 minutos de carregamento, que resultaram em apenas mais 15 quilómetros de autonomia. Nesta altura, tínhamos percorrido 326 quilómetros e o nosso consumo era de 238 Wh/km, ou 23,8 kWh/100 km.

No espaço Tesla estavam um Model S e um X, uns dias antes de chegar o Model 3. Despedimo-nos à francesa e seguimos viagem. Pouco passava das 12h30.

Almoço em Ribeira de Pena

Foram pouco mais de 100 quilómetros até Ribeira de Pena, com o Paulo a despachar serviço ao volante. Quase todo o percurso foi feito pela A7 e chegámos eram 13h35. Tínhamos 20% de autonomia (90 km) e contávamos já 432 km. O consumo subiu um pouco para 247 Wh/km.

O SuC fica junto a um Hotel, mas também a um parque de atividades radicais. Como já nos apetecia andar e tínhamos estabelecido que esta seria a paragem mais longa, decidimo-nos por este último para almoçar.

Depois de um simpático hambúrguer e um café e 15 minutos de percurso pedonal, chegámos ao Tesla mesmo no momento em que atingia o máximo de carga que tínhamos estabelecido. O tal limite “daily” que, neste dia, com uma temperatura local a rondar os 8º C, nos prometia um alcance de 458 quilómetros.

Curiosamente, a temperatura era a mesma que tínhamos tido à partida de Lisboa.

Quarta etapa, rumo à Guarda

Arrancámos rumo a Viseu, pela A24. Depois tomaríamos a A25 até à Guarda e ao seu SuC, a 204 quilómetros de distância.

A paisagem fabulosa do Vale do Douro, sobretudo na zona de Peso da Régua, foi apreciada em ritmo rápido, desta vez. Depois de uma manhã calma, em que perdemos algum tempo, o almoço deu para fazer algumas contas.

Cumprir o percurso em 12 horas ia ser impossível sem flagrante excesso de velocidade, o que era possível, mas não responsável. Considerámos então a possibilidade de carregar nos cinco SuC existentes em Portugal, o que nos levaria mais algum tempo (e maior distância), mas daria também mais interesse à história.

As ajudas à condução reduzem o cansaço

Tanto na A24 como na A25 pudemos comprovar as qualidades do Auto-Pilot Melhorado da Tesla. Sempre com a vigilância do condutor, foi possível percorrer mais de 40 quilómetros sempre com a condução de facto entregue ao Model S. Limitei-me a sugerir as mudanças de faixa com o comando do pisca.

Há quem diga que isto é irrelevante para o cansaço da condução, mas eu tenho uma opinião contrária. Sobretudo quando temos uma média a cumprir, ter um automóvel inteligente do nosso lado, reduz significativamente o esforço de concentração. Mesmo que, como devemos, a nossa atenção esteja pronta a receber os comandos de volta a qualquer instante.

E assim, com esta extraordinária ajuda, chegámos todos em bastante bom estado ao SuC na Guarda, mais de 200 quilómetros depois. No total, estávamos com 640 quilómetros percorridos, dois terços do objetivo.

Eram 16h20, tínhamos ainda 157 quilómetros de autonomia (18% de carga). Iniciámos o carregamento, tirámos umas fotos e fomos cumprimentar os funcionários do Hotel Lusitânia. Esticámos as pernas, comemos uma peça de fruta, fomos ao quarto de banho e, pouco mais de meia hora depois, regressámos à estrada.

A etapa mais dura

Já estava a anoitecer quando deixámos a Guarda para trás. O Tesla indicava-nos que tinha 415 quilómetros de autonomia e o SuC de Montemor estava a 289 km de distância.

Foi o Paulo ao volante neste troço, que se revelou o mais cansativo e exigente. As luzes do Tesla não são referenciais o que, aliado a algumas partes da estrada com piso degradado, tornou a tarefa mais exigente. Ainda assim, foi possível ganhar algum tempo à previsão inicial, mas demoramos 2h40. Foi a etapa mais longa e cansativa, já que nenhuma das outras exigiu mais de duas horas de condução sem intervalo.

Tínhamos 10% de carga, ficámos apenas 20 minutos no SuC e saímos às 20h00, com 219 quilómetros de autonomia. Tínhamos percorrido 934 quilómetros e bastava seguirmos para Lisboa, mas decidimos dar um salto ao último SuC que faltava na caderneta.

SuC de Alcácer, muito bem frequentado

O Paulo já tinha dado um valioso contributo até Montemor e fiquei com a condução até Lisboa. Do quarto ao quinto SuC foi um “tirinho”: 35 minutos. Quando encostámos a traseira ao “stoll” do SuC, já tínhamos 1001 km. Estavam mais dois Model S a carregar, os únicos com que coincidimos em todos os SuC que visitámos.

Eram 20h35, chegámos com a autonomia a bater nos 111 km e saímos com uma estimativa de 257 quilómetros. Eram 20h55 e estávamos prontos para a tirada final, sempre pela autoestrada.

De regresso a tempo de jantar

O sistema de navegação rapidamente nos levou para a A2 e seguimos, sem qualquer constrangimento, para Lisboa.

A Ponte Vasco da Gama foi a nosso porta de entrada, depois de mais de 1000 quilómetros percorridos.

Chegámos ao mesmo PCN da partida às 21h40, 13h35 após a partida. Estivemos parados apenas 2h50m, em seis pontos do nosso percurso. O que dá uma média inferior a meia hora por cada paragem.

Pelo caminho ficaram 1094,6 quilómetros e uma visita aos cinco SuC atuais da Tesla. Os nossos amigos do Tesla Club de Portugal, que acompanharam a viagem através do Facebook, disseram-nos que fomos os primeiros a fazê-lo num só dia. Isto apesar de vários membros já terem efetuado bem mais de 1000 quilómetros num dia.

No total, consumimos na nossa viagem 273,2 kWh, numa média de 243 Wh/km. Este valor está em linha com consumo que este Model S apresentava quando o recebemos, com cerca de 2000 quilómetros.

Conclusão do Watts On

Foi uma Road Trip bastante instrutiva. Claro que chegámos um pouco cansados — pode não parecer, mas já não temos 20 anos… Mas não era um cansaço que refletisse a distância percorrida.

E, para isso, muito contribuiu o conforto do Model S. Os bancos podem não oferecer suficiente apoio lateral quando curvamos, mas são excelentes em viagem. A suspensão pode não oferecer a precisão que gostaríamos numa condução mais viva, mas têm um bom desempenho nas restantes situações. E depois, para o condutor, o conforto está na facilidade. Tudo é simples e sem esforço. Não há hesitações, a entrega de potência é sempre imediata e linear. E o cruise control inteligente a o Auto Pilot são um excelente anti-stress na arte de fazer quilómetros.

Como dissemos no início, não consideramos esta viagem um grande feito. Para o ano haverá mais SuC e cada vez será mais fácil fazer viagens destas, que há alguns anos seriam impossíveis.

Em breve, o Tesla Model 3 vai estar aí, beneficiando da mesma rede de carregamento própria da marca. Qualquer dos dois modelos permite fazer esta viagem nos mesmos moldes. Arrisco dizer que mesmo um Model S ou X com o Pack de 75 kWh também o conseguirá, embora talvez não ao mesmo ritmo.

Outros modelos mais acessíveis, como o Hyundai Kauai Electric e, dentro de alguns meses, o Nissan Leaf de 60 kWh, permitirão também viagens parecidas.

A mobilidade elétrica vai rapidamente evoluir e ser alternativa, mesmo para quem quer viajar com frequência. Mas, como ficou demonstrado aqui, com um Model S 100D, é possível fazê-lo já, sem qualquer concessão em termos de conforto ou autonomia.

Agradecemos o apoio do Tesla Club de Portugal, em particular ao Hugo Pinto, ao Richard Lopes e ao Rui Couto.

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