Afetado por diferentes crises ao longo dos últimos três anos, o mercado automóvel nacional tarda em regressar aos níveis pré-pandemia: apesar de um tímido crescimento de 2,8% em 2022, a diferença para o ano de 2019 é superior aos 30%. Para este ano, com um cenário económico incerto marcado pela ameaça de recessões, existem algumas tendências que poderão ajudar, como a continuidade da aposta na mobilidade elétrica e a chegada de marcas chinesas para ‘mexer’ com o mercado.

O início desta década tem lançado dificuldades nunca antes vistas à indústria automóvel. Aos constrangimentos inéditos causados pela pandemia desde 2020 juntou-se a crise dos semicondutores e, mais recentemente, a guerra na Ucrânia, o que modificou radicalmente o panorama económico global, mas também o fornecimento de determinados componentes essenciais para a produção de veículos. Essas três condições proporcionaram um cenário tempestuoso em que os construtores automóveis continuam a movimentar-se, em que a procura excedeu largamente a oferta em 2022, com muitas marcas a terem listas de espera bastante grandes para a entrega de automóveis novos.

Todos esses pontos resultaram na parca recuperação do mercado automóvel nacional no ano passado, como assume Hélder Pedro, Secretário-Geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), lembrando que os 2,8% de crescimento de 2022 face ao ano precedente não escondem a retração do mercado em 30,8% quando comparado com 2019.

“Existem, sobretudo, dois fatores para não se ter crescido mais. Um é o impacto da crise dos semicondutores, verificando-se ainda uma escassez ao longo do ano, e o outro, a partir do último trimestre, tem que ver com a situação macroeconómica europeia, ou seja, a subida das taxas de juro, em que, perspetivando-se um aumento das prestações dos créditos, seja de habitação, seja doutro género, levou a uma retração na procura, sobretudo por parte dos clientes particulares”, afirma, adotando um tom cauteloso nos prognósticos para um ano em que as incertezas superam todas as garantias.

“Por um lado, nós temos a perspetiva de, mais para a segunda metade de 2023, se vir a regularizar a questão da crise dos semicondutores, podendo-nos aproximar de valores de mercado de 2019. Isto é, não haveria ainda a recuperação de 30%, mas poderia haver um encurtar dessa diferença. Por outro lado, há esta guerra na Ucrânia que nos deixa algo apreensivos, porque as autoridades monetárias vão continuar com uma política muito restritiva e com a tendência de aumento das taxas de juro, o que deixa as pessoas numa apreensão cada vez maior, e porque resulta em outros aspetos que poderão condicionar o mercado, como a questão energética. Sabemos que há países com planos de restrição de consumo de energia e podem existir paragens de fábricas de automóveis por esse motivo, reduzindo a produção, logo, as entregas. Ou seja, há aqui várias perspetivas para 2023 que nos deixam apreensivos”, acrescenta.

Aliás, num sinal já de contraste, Hélder Pedro dá o exemplo da China, onde o desconfinamento rápido a que se está a assistir “e que poderia ser algo positivo, está a levar a que muitos construtores tenham 30 ou 40% dos trabalhadores em casa com Covid, o que leva a paragens ou restrições” na produção de automóveis e de componentes.

Cada vez mais elétricos

Tendência claramente em crescendo é a dos elétricos e eletrificados. Em 2022, os automóveis movidos a energias alternativas representaram já 40,5% do mercado total, com os 100% elétricos (BEV) a superarem os híbridos Plug-in (PHEV), pela primeira vez, com 11,4% contra 10,3%. Henrique Sánchez, Presidente da Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos (UVE) congratulou-se com esse resultado e confia que esta é uma tendência que irá acentuar-se em 2023.

“O ano passado foi aquele em que rebentou a bolha, digamos assim. Até 2020 ou 2021 era um conjunto relativamente pequeno de pessoas que, ou já tinha comprado ou que colocava a hipótese de comprar um veículo elétrico. O que assistimos a partir de 2022 é que qualquer pessoa passou a fazer contas e a ponderar a compra de um veículo elétrico”, refere, apontando ao mesmo tempo que continua a ser fundamental ter-se a informação mais completa para se efetuar esse tipo de decisão, tendo a UVE investido bastante neste ponto ao longo dos últimos anos.

Henrique Sanchez, Presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos

Ponto coincidente entre Hélder Pedro e Henrique Sánchez é o da necessidade de existirem mais incentivos estatais à compra de carros elétricos e a implementação de uma rede de carregamento adequada, sobretudo atendendo à necessidade de acelerar e democratizar a mobilidade elétrica, naquele que é um ponto ainda a alguma distância por parte da indústria.

Neste sentido, o ano de 2023 promete trazer consigo um forte aumento no número de marcas chinesas presentes na Europa e em Portugal, o que o Presidente da UVE encara como uma possibilidade para se aprofundar a disseminação dos elétricos, ao garantirem mais variedade e uma relação qualidade/preço muito competente.

“Já assistimos à entrada de algumas marcas chinesas, como a Maxus, a Aiways ou a MG, esta já com uma oferta muito diversificada, e o que se nota nestas marcas é que apresentam produtos de muito boa qualidade. Neste momento estão no mercado como há uns anos estiveram os japoneses e os coreanos. Os chineses começaram por copiar o que se fazia na Europa e nos Estados Unidos da América, mas rapidamente desenvolveram os seus próprios modelos e, neste momento, dão cartas na mobilidade elétrica a nível mundial”, destaca Sánchez, para quem a ‘invasão’ de marcas e modelos chineses “com um produto muito bom, mas até ligeiramente mais barato”, irá obrigar outros fabricantes a acelerarem o seu passo, sob pena de serem ultrapassadas.

“Isso também é bom porque obriga as outras marcas, americanas ou europeias, a mexerem-se para responder. Mas, há o risco claro de a indústria, sobretudo a europeia, se vir muito apertada com a chegada das marcas chinesas”, prevê.