Dentro da Morgan Motor Company: 108 anos de história

28/11/2017

Fundada em 1909, esta centenária empresa familiar tem uma das mais carismáticas gamas de veículos à venda no século XXI, do radical 3 Wheeler ao poderoso Aero 8, sem esquecer a gama clássica, que se mantém em produção desde 1936.

A Morgan continua a fabricar manualmente cada veículo, de acordo com as escolhas pessoais dos seus clientes, na mesma fábrica que o fundador H. M. S. Morgan dirigiu até 1977.

Localizada em Malvern, uma vila termal no condado de Worcestershire (na região das West Midlands, Reino Unido), a fábrica tem dimensões adequadas à produção de cerca de 1000 unidades anuais, com apenas um turno de produção, que começa por volta das 8h00 e termina às 16h30, bem a tempo da hora do chá.

A convite do importador nacional, a Morgan Cars Portugal, que assegura a representação da marca há mais de 30 anos, sendo o mais antigo agente fora do Reino Unido, tive a oportunidade de visitar a fábrica e testar alguns dos modelos actuais.

A minha visita foi integrada na reunião anual dos agentes Morgan, que estão espalhados um pouco por todo o mundo, dos Estados Unidos ao Japão.

Depois de um período mais conturbado na gestão da empresa, sobretudo com o afastamento de Charles Morgan, representante da terceira geração da família desde a fundação da Morgan, a empresa enfrenta outros desafios mais pragmáticos, liderada por Dominic Riley e Steve Morris.

Para um pequeno construtor, dependente de terceiros para obter motores modernos e que cumpram as exigências quanto às emissões, a negociação é constante. Presentemente, a dificuldade reside no fornecimento dos motores V8 BMW, utilizados no Plus 8 e no Aero 8.

Desde o lançamento do Aero 8, no ano 2000, que a BMW aceitou fornecer motores para este Morgan do século XXI. De início, foi o M62, com 4,4 litros e um pouco menos de 300 cavalos.

A partir de 2002, entrou em cena o N62, um motor que recebeu inúmeros prémios, utilizando um colector de admissão de comprimento variável, para além do sistema Valvetronic e o duplo VANOS (árvore de cames com variação de fase tanto na admissão como no escape). Foi o último motor BMW do seu género aspirado, isto é, sem turbocompressor.

Ora, a carreira comercial deste motor terminou em 2010, pelo que, desde então, a BMW apenas produz algumas unidades para a Morgan. Todavia, como as normas europeias de emissões vão apertando a sua malha, o N62, mesmo com todas as evoluções que sofreu desde 2002, vai tornar-se ilegal em breve. Há que encontrar um substituto, que mantenha o carácter que os topo de Morgan exigem.

Antes que aparecessem todas as respostas, deu-se o jantar de boas-vindas, no Main Hall da fábrica, onde pontificava o EV3, a versão eléctrica do 3 Wheeler.

Serve-se cerveja rotulada com os carismáticos desportivos feitos a algumas centenas de metros de nós e o ambiente não podia ser mais informal.

Acabamos sentados junto do importador italiano da Morgan e da Caterham, Luigi Borghi, responsável pela Borghi Automobili, de Milão. Uma simpatia e companheiro habitual do Jorge Monteiro e do Rui Catalão, (Morgan Cars Portugal), que confirmam o agrupamento-tipo dos vários agentes. Os ingleses não se misturam e falam apenas a sua língua. Os alemães são muito simpáticos com todos, excepto com os ingleses. Portugueses, italianos, austríacos e nórdicos dão-se com todos. Os americanos também são boa onda, mas ficam ao pé uns dos outros.

A conversa na nossa mesa foi agradável e o jantar foi servido de forma muito prática. Enquanto Steve Morris dava as boas-vindas, uma senhora distribuia uma caixa com um embrulho a imitar jornal antigo, repleto de notícias sobre a Morgan. Dentro da caixa de cartão estava uma dose generosa de “fish and chips”.

No dia seguinte, enquanto o Jorge Monteiro e o Rui Catalão tiveram a reunião das novidades, eu fui visitar a fábrica, com Martyn Webb, um dos maiores conhecedores da história da Morgan e autor do livro “Morgan, Malvern and Motoring”, editado em 2008.

O “tour”, que demorou um pouco mais de uma hora, começa com uma área em que estão alguns automóveis históricos, sobretudo os modelos de competição mais recentes, com base no Aero 8.

Ao fundo está também um exemplar do Plus 4 Plus, o único modelo da marca com carroçaria em fibra. Surgiu em 1963, no Salão Automóvel de Londres, em Earls Court, com o objectivo de modernizar a imagem da marca, numa altura em que havia poucas encomendas. Fez furor e teve grande cobertura da imprensa especializada.

Muitos clientes firmaram encomendas no salão, encomendando o seu novo Morgan, após verem o progressista modelo. Infelizmente para o futuro deste novo projecto, praticamente todas as encomendas eram para os modelos clássicos! O Plus 4 Plus ficou em catálogo apenas até 1965, tendo sido produzidos apenas 26 exemplares.

A seguir percebemos as grandes diferenças entre as duas gamas de automóveis Morgan. Os modelos ditos clássicos mantêm um chassis tradicional, separado, com a inclusão de elementos de madeira. Estes são os modelos com motores de quatro cilindros (4/4 e Plus 4) e V6 (Roadster). Os modelos com motor V8 dispõem de um chassis em alumínio, uma construção mais moderna, adequada para os valores de potência e binário do V8 BMW, utilizado no Plus 8 e no Aero 8.

O motor e a caixa de velocidades são adicionados ao chassis quase no início do processo, recebendo depois a carroçaria (em ambos os casos, linha clássica e V8, com muitos elementos estruturais em madeira).

A área de montagem das carroçarias está separada em duas secções, uma de carpintaria outra de chaparia, denotando o processo de construção híbrido dos Morgan.

Martyn Webb informa-nos que é necessária uma formação de quatro anos para preparar os diversos elementos de madeira que compõem um Morgan. Na área de chapa, os painéis de alumínio são colocados sobre aquela estrutura. Segue-se a zona da pintura, onde cada Morgan recebe consideráveis aplicações de tinta e verniz.

O revestimento a pele e as capotas são a próxima fase. Há cores-base, mas o nível de personalização dos Morgan permite milhares de combinações diferentes, pelo que não existem dois exemplares iguais. Vimos algumas especificações inesperadas. Algumas resultam bem, outras, nem por isso, como um Aero 8 bicolor, azul claro metalizado e roxo…

Os Morgan 3 Wheeler são montados noutra área diferente, onde o chassis tubular recebe o motor bicilíndrico em V produzido pela S&S.

Um dos departamentos mais curiosos é o PDI. Nada relacionado com os males da idade avançada, a sigla significa Pre-delivery inspection.

É uma área muito bem iluminada, onde os técnicos da Morgan com dotes de “sniper” observam cada centímetro quadrado da carroçaria e interiores, à procura de qualquer defeito. Passando o exame com distinção, falta só um test-drive, existindo um banco específico para o efeito…

A seguir, o novo Morgan está pronto a entregar ao proprietário. O tempo de espera agora já não se mede em anos, com cerca de seis meses a ser o período de espera standard.

Terminamos a visita numa secção museológica onde se destaca uma réplica fiel do primeiro Morgan, de 1909, feita com base num chassis um pouco mais recente (1914) encontrado pelo nosso guia, Martyn Webb em França. Foi objecto de uma reconstituição detalhada, que demorou quase duas décadas.

Na reunião de agentes, não houve grandes surpresas, mas os responsáveis pediram confidencialidade ao único jornalista presente: eu.

A continuidade das gamas actuais está assegurada, mas quanto ao futuro motor para substituir o N62 da BMW, apesar dos meus esforços e alusões a uma possível adopção de motores turbo — que o resto da indústria abraçou como inevitável consequência da redução de emissões — Dominic Riley e Steve Morris não deixaram escapar mais do que um sorriso e um desabafo: “os motores V8 fazem parte da essência do Plus 8 e do Aero 8.”

A resposta há-de aparecer um dia destes. Sem pressas ou, como aprendi em Malvern: “at Morgan speed”.

É assim a Morgan Motor Company, um construtor com poucos segredos (uma das frases favoritas da casa é: “we have no secrets”.) e muita paixão.

Depois de passar lá dois dias, vendo todo o cuidado que colocam em cada um dos exemplares que produzem, é impossível é ficar indiferente ao seu charme. E torna-se fácil perceber porque existe há mais de 100 anos, sem comprometer os seus princípios e contando com um grupo de fiéis agentes e clientes, que se sentem parte da família.

Agradecemos à Morgan Cars Portugal e, em particular ao Jorge Monteiro e ao Rui Catalão, o desafio que nos fez para os acompanharmos a Malvern.

 

 

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