No tempo em que Luis Pacheco e Mário Cesariny eram repórteres de automobilismo

30/07/2017

Luiz Pacheco e Mário Cesariny, dois improváveis repórteres de “O Volante” no Circuito de Monsanto

Na década de 50, o Circuto de Monsanto em Lisboa e o Circuito da Boavista, no Porto, eram os dois grandes palcos de provas internacionais de automobilismo no nosso país, incluindo o GP de Portugal de F1.

Nas ruas do Porto ou na floresta de Monsanto, os grandes ases internacionais do automobilismo como Juan Manuel Fangio, Stirling Moss, Frolain Gonzalez, Jack Brabham ou Mike Hawthorn, levavam os seus bólides ao limite, para gáudio das dezenas de milhares de espectadores que se acotovelavam para ver perigosamente de perto a perícia dos grandes volantes internacionais.

Para a imprensa da especialidade, a cobertura daquelas provas era mais do que obrigatória.

Na época, a revista “O Volante”, a mais antiga publicação portuguesa dedicada ao automobilismo e à aviação, contava nos seus quadros com dois intrépidos e improváveis repórteres, que nas boxes do Circuito de Monsanto apontavam todas as notas e bebiam uns copos com os mecânicos.

Os escritores Luiz Pacheco e Mário Cesariny eram naquela época o esteio da redação de “O Volante”, conforme recordou Pacheco, anos mais tarde em divertida crónica, originalmente publicada no Diário Económico e depois republicada no livro “Figuras, Figurantes e Figurões”, de O Independente, aqui fica a bela história, com a devida vénia:

“Os dois ases d`O Volante”

“Será que ele ainda se lembra, como eu? Pois era aquilo um terror apanicado, que nos tolhia a ambos. Um silêncio que nos calava, constrangidos, talvez a pensar quem iria primeiro para o olho da rua. Quando chegava da imprensa Astória o novel número d’O Volante, o Mário Cesariny de Vasconcelos e eu, que éramos os esteios da Redacção daquele órgão de automobilismo, turismo e aviação (ao tempo, quase único em Portugal e o mais antigo, pioneiro do automobilismo da Velha Guarda, com prestígio internacional), percorríamos as páginas à procura da gralha, do disparate, que nos lixasse de vez. O Director, Campos Júnior, durante algum tempo ainda supus ser o autor daqueles romances históricos (Ala dos Namorados, Os Doze de Inglataerra) que lera na infância, o nosso director e também o proprietário era exigentíssimo… mas só com os anúncios. Felizmente. Ou, decerto, não teria admitido dois sujeitos que de automobilismo nada percebiam. Poderei estar enganado: a minha só vantagem sobre o Mário era que eu sabia andar de bicicleta e ele acho que nem isso. Mais: eu comprara com uns dinheiros roubados uma moto BSA 2,5, LI – 5736, ao stand do Vidal, coisa (ostentação de bens, em desmesura com os ganhos reais – fenómeno social muito em prática nos tempos que correm) que ia dando bronca.

As nossas aventuras naquele emprego maluco ainda agora me divertem. Havia, claro, quem ali percebesse de carros, era o Hélio Esteves Felgas. Nós limitávamo-nos às tarefas menos nobres, coisas de pacotilha, traduções, revisão tipográfica. E mesmo assim! Tenho contado isso: não querem acreditar-me! O Poeta Mário Cesariny e o Pacheco a fazerem a cobertura jornalística do circuito de Monsanto, na época a grande prova nacional, equivalente aos giros no autódromo; os Mil Quilómetros do Benfica, o Rally Shell e tantas mais. Não sei se alguma vez o Mário entrevistou o Fangio. Como sabia espanhol, seria ele o indicado. E como se desenrascaria? Lembro como eu fazia, em Monsanto: ia para junto das «boxes». Escutava, feito SIS, os comentários técnicos da malta. Registava. E trazia tudo para a minha reportagem. Ah, e antes que me esqueça, foram tempos esses que recordo com ternura. Havia mais companheiros: o Vítor Direito, estudante ainda; O João Alves das Neves, o José de Freitas. Acima, muito acima, o Cesariny, foi quando lhe editei o Manual de Prestidigitação e nos dávamos como irmãos.

[Luiz Pacheco, in Diário Económico de 26-07-1995 e Figuras, Figurantes e Figurões, O Independente, 2004]