Toyota Prius: 20 anos de história de um revolucionário ecológico

27/12/2017

É uma das histórias preferidas da equipa de desenvolvimento do primeiro Prius, passada ainda na década de 1990: na fase de testes da tecnologia, durante 49 dias no período que antecedeu o Natal de 1995, o protótipo do Prius não se moveu enquanto eram encontrados problemas sucessivos. Quando o conseguiram colocar a andar, o percurso desse modelo experimental não durou mais do que 500 metros, conforme recorda Takeshi Uchiyamada, membro do conselho de administração da marca nipónica. Contudo, para todos os envolvidos, aquele pequeno trajeto de 500 metros foi um pequeno triunfo.

Na história contemporânea do automóvel, um dos modelos que mais contribuiu para a implementação da tecnologia híbrida é o Toyota Prius. Apresentada em outubro de 1997, a primeira geração deste híbrido familiar foi olhada com muita desconfiança por muitos consumidores e até com alguma incompreensão por parte de outros, nos quais se incluíam alguns construtores rivais, que não consideravam fundamental o desenvolvimento de uma tecnologia deste género para um carro de produção em série com destino a clientes particulares.

Contudo, os anos e o próprio percurso do Prius ao longo destes 20 anos provaram uma realidade contrária, acabando por ser um modelo que não só ajudou a impor uma tecnologia de mobilidade sustentável, como uma própria tendência estilística que ditou regras para outros modelos da mesma índole.

“A nossa missão no desenvolvimento da primeira geração do Prius tinha dois âmbitos: construir um carro para o século XXI e transformar a forma como a Toyota fazia carros”, recorda Takeshi Uchiyamada, engenheiro-chefe do Prius de primeira geração (agora na administração), acrescentando que outros dois pontos fulcrais daquele modelo eram a “preservação ambiental e a conservação dos recursos naturais”. Por detrás dessa decisão esteve a perceção de que “poucos construtores se tinham dedicado a abordar tais assuntos fundamentais e porque sabíamos que alguém seria o primeiro a fazê-lo um dia”. Adiantou-se a Toyota, portanto.

“Desenvolver um carro sem qualquer precedente obrigou-nos a atravessar muitas complicações, mas os meus colegas e eu seguimos em frente determinados a transformar a Toyota”, aponta ainda Uchiyamada, evocando o lema do Prius aquando da sua apresentação: “A tempo para o Século XXI”.

O que é um híbrido?

A pergunta hoje tem uma resposta fácil por uma grande parte das pessoas com algum conhecimento básico da indústria automóvel, mas em 1997, a resposta era dada através de um desanimador encolher de ombros. A Toyota também estava consciente desse facto e das dificuldades que daí iriam advir.

“Quando o Prius foi posto à venda, ninguém sabia o que era um veículo híbrido. Aqueles que o conduziam eram, por vezes, chamados de ‘totós’ [NDR: o termo original é ‘geek’, cuja tradução direta para português não existe de forma exata]. A todos os clientes que apoiaram o Prius e outros híbridos nossos ao longo dos anos, gostaria de expressar a minha sincera gratidão”, complementa o agora Presidente do Conselho de Administração da Toyota, não evitando também a evocação do espírito inovador dos fundadores da marca, Sakichi Toyoda (conhecido como o ‘rei dos inventores japoneses) e Kiichiro Toyoda, que decidiu criar a marca Toyota sob o lema “de construir carros usando inteligência e habilidade”.

‘Pai’ de quatro filhos

Poderá ser uma comparação exagerada, mas para Satoshi Ogiso, esta ideia não andará muito longe da verdade. Com efeito, Ogiso é a única pessoa a trabalhar no Prius desde a fase de planeamento da primeira geração até à quarta geração, a atual.

Encontrar um ponto de origem para a história do Prius até é fácil, de acordo com a Toyota. Começou no verão de 1993, com o projeto G21: “Eiji Toyoda, presidente honorário naquela época, instigou-nos a pensar numa nova visão para os carros, uma para o médio e longo prazo que nos preparasse para o século XXI. Foi aí que começámos o primeiro estudo que daria origem ao Prius”.

O presidente executivo Shoichiro Toyoda deu ‘luz verde’ ao plano e apoiou o projeto G21 iniciado em setembro desse mesmo ano, com o número 21 a ser referente ao século e o ‘G’ para ‘Globe’. Na génese do projeto estava uma equipa de dez engenheiros e designers, partindo de uma folha em branco para pesquisar o carro de passageiros do futuro. Esta era uma das problemáticas: o que era o carro do futuro?

“Não podíamos basear-nos nos métodos convencionais e uma vez que não podíamos adotar uma abordagem orientada para o mercado, decidimos propor uma tecnologia completamente nova”, recorda Ogiso. No final de 1993, a equipa já tinha uma ideia inicial para o que seria esse carro: um modelo compacto, mas espaçoso, com distância entre eixos mais longa e eficiência para uma média de 20 quilómetros por litro. Curiosamente, com a aprovação desse primeiro esboço, a equipa inicial desfez-se. Pouco tempo depois, o projeto G21 ressurgiu já sob a alçada de Uchiyamada, então membro da Divisão de Administração Técnica. A ordem, agora, era para avançar com a pesquisa a tempo-inteiro.
Foi assim, a 1 de fevereiro de 1994 que o projeto G21 nasceu oficialmente. Reuniram-se engenheiros de diversos quadrantes e, tendo por base as ideias em torno do ambiente, energia e segurança, imaginaram o carro do século XXI sempre com duas palavras em foco – recursos e ambiente.

Motor em questão

O início da década de 1990 foi um período no qual os fabricantes mundiais estavam a dar passos decididos rumo aos motores de nova geração enquanto a promessa da condução elétrica estava a emergir. Nesta fase, apesar de todo o apelo de uma motorização elétrica, a tecnologia estava longe de estar 100% desenvolvida, pelo que o sistema híbrido com o motor elétrico em destaque estava fora de questão. Escolheu-se assim um motor de injeção direta com caixa altamente eficiente que pudesse aumentar a eficiência de combustível em até 1,5 vezes em comparação com um carro idêntico da mesma classe.

Aí, decidiu-se que o híbrido Prius só faria sentido se houvesse uma duplicação da poupança. Em novembro de 1994, Akihiro Wada, vice-presidente executivo para a tecnologia, instruiu o líder do G21, Takeshi Uchiyamada, para conceber um híbrido. Wada deixou bem claro: ou era isso, ou o projeto seria cancelado.

“Inicialmente, foi-nos dito que o plano para uma versão híbrida do carro da nova geração seria apenas um concept para um salão automóvel. Mas, gradualmente, as vozes em defesa de um carro de produção híbrido tornaram-se mais numerosas e mais fortes. Uchiyamada não acreditava que fosse possível ter um híbrido de produção em série antes do início do século XXI”, explica Ogiso. Já os estudos para um novo sistema híbrido remontavam a 1995, época em que não existiam grandes estudos sobre esta temática, pelo que a melhor opção da equipa do G21 foi a de considerar um grande leque de sistemas híbridos e escolher a melhor de entre elas.

“Avaliámos vários sistemas ao longo de cerca de seis meses desde o fim de 1994, antes de decidir que a tipologia de dois motores era a melhor opção por causa do potencial de elevada eficiência de combustível”, aponta Ogiso, para quem uma pequena esperança no desenvolvimento de tecnologias futuras também ajudou nessa escolha. “Assumimos que a eletrónica (semicondutores e circuitos utilizados para controlar eficazmente a potência) daria saltos enormes no futuro próximo”, indica.

A escolha surge… e arranque complicado

O sistema adotado seria conhecido mais tarde como Toyota Hybrid System (THS), com dois motores elétricos e um térmico. O motor de tração aumentaria a capacidade do motor de combustão interna em termos de prestações, servindo também de gerador nas desacelerações para recarregar as baterias. O segundo motor elétrico usaria a energia do motor térmico para gerar energia elétrica e teria como missão controlar a transmissão. Também seria o motor de arranque. Ainda em termos técnicos, a potência total do sistema seria dividida entre a movimentação do veículo e a geração de energia, cabendo à caixa de variação contínua (CVT) o controlo da velocidade do motor térmico. Um conversor seria ainda colocado entre a bateria e o motor elétrico, servindo para converter a corrente entre as baterias e os motores síncronos de corrente alterna.

A equipa do G21 trabalhou no desenvolvimento de um protótipo para o Salão de Tóquio a par do desenvolvimento de uma versão de produção. Porém, no concept, estava apenas um motor elétrico, um motor a gasolina de injeção direta e a CVT. Em vez de baterias existia um capacitor (ou condensador) e o objetivo de eficiência era de 30 quilómetros por litro.

“Tecnicamente, era um híbrido, mas decidimos chamar-lhe Toyota Energy Management System, ou EMS, ao invés. Já tínhamos decidido utilizar dois motores elétricos no novo sistema híbrido, pelo que queríamos claramente diferenciar os dois carros. Começámos, no entanto, a usar o nome Prius a partir deste ponto”, frisa Ogiso.

Em junho de 1995, foi dada luz verde para a produção em série, tendo trabalhado de forma próxima com a Matsushita Battery Industrial Co, Ltd. para as baterias elétricas, embora mantendo um foco muito realista no desenvolvimento interno de uma grande parte de sistemas e tecnologias. Isto porque, em respeito à filosofia da Toyota, a companhia não queria limitar-se a ser uma ‘montadora’ de componentes fornecidos externamente.

Mas, para o protótipo, sem moldes ou conceitos já desenvolvidos, Ogiso recorda que “nenhum dos principais componentes tinha um registo estabelecido, pelo que foi um verdadeiro desafio fazer o primeiro carro”. Em agosto de 1995, Hiroshi Okuda foi eleito presidente da Toyota Motor Corporation (que terá um impacto mais adiante) e só em novembro desse mesmo ano é que o primeiro protótipo estava completo. “Mas nem com todos os componentes montados, conseguimos que funcionasse”, explica Ogiso.

A placa de barbecue

“Era a primeira vez que a equipa tentava fazer o novo sistema híbrido funcionar e inicialmente tiveram dificuldades a encontrar as causas dos problemas. Usaram dispositivos analógicos de teste e também analisaram os sinais digitais em computadores para solucionar cada problema individualmente. Começámos a trabalhar nos problemas um a um no banco de ensaios, mas novos problemas continuavam a surgir”, continua Ogiso, que também revela o nome irónico pelo qual a placa de controladores eletrónicos era conhecida: ‘placa de barbecue’.

“O protótipo não era uma máquina arrumada. Os computadores de bordo deveriam ter sido instalados numa caixa, mas não conseguimos fazer uma suficientemente pequena de início, pelo que alinhámos todas as partes numa grande placa de aço. Todos lhe chamavam ‘placa de barbecue’”.

Para desalento dos responsáveis da equipa deste híbrido, o solucionamento de problemas em banco de ensaios não tinha repercussão no protótipo, acabando por falhar. O desafio do Toyota Hybrid System (THS) era a complexidade do sistema de condução. Havia diversos modos de condução, mas ajustá-los era tarefa complicada. Por vezes, o carro andaria apenas com um motor elétrico e noutras, apenas com o motor de combustão. Outra ocasião houve em que ambos os motores funcionaram em simultâneo. O computador de controlo calculava qual o modo de condução mais eficiente, mas nunca havia uma razão simples ou solução para perceber o porquê de o protótipo não funcionar.

“Demorou 49 dias até ter o protótipo a funcionar. Mesmo então, a condução era estranha e inconsistente. Após 500 metros, parou simplesmente. No entanto, foi um momento muito emocionante para todos nós ao vermos o carro a funcionar e saber que conseguíramos colocá-lo a andar antes do final do ano”, conta o responsável da equipa do G21.

No entanto, o protótipo estava ainda longe da versão final, precisando de melhorar a eficácia, a suavidade de condução e assegurar a fiabilidade de todos os componentes. Apesar de tudo, era o momento certo para apostar e acelerar o desenvolvimento e a produção para um lançamento no mercado no final de 1998. Que, numa decisão surpreendente para a própria equipa do G21, acabaria por ser antecipado para 1997.

“Durante os testes, sabíamos que os protótipos não tinham uma boa eficiência de combustível. Na verdade, a eficiência era pior do que a de um Corolla básico. O novo equipamento que adicionávamos utilizava imensa eletricidade para o arrefecimento. A carga elétrica era cerca de três vezes maior do que a de um carro normal, o que reduzia a eficiência de combustível. Encontrar formas de baixar a carga [elétrica] foi uma tarefa árdua”, acrescenta ainda Ogiso.

A aprendizagem obtida com o RAV4 elétrico ajudou a Toyota a transferir os seus ensinamentos para a produção em série, sendo que em comparação com aquele, o Prius necessitava de dois motores sob o capot, pelo que o conjunto tinha de ser muito compacto. Optou-se por um motor térmico de ciclo Atkinson que aumentava a eficiência térmica e aumentava a eficiência de combustível. Embora a potência fosse baixa, o motor elétrico serviria para compensar o binário. As vibrações eram, contudo, outro dos problemas, sobretudo quando o motor a gasolina arrancava de novo depois de uma paragem.

Uma vez mais, palavras de Ogiso: “Tínhamos imensos problemas para resolver. Assim que resolvíamos um, outro aparecia e não estávamos a ver como é que conseguiríamos ir ao encontro da produção em série em apenas dois anos. Foi então que nos virámos para um método de desenvolvimento chamado engenharia simultânea (SE) para acelerar o processo. Foi uma forma de resolver muitos problemas ao mesmo tempo”.

Sem retorno e com dificuldades

Em março de 1996, o veterano engenheiro Takehisa Yaegashi (conhecido na indústria como o ‘Sr. Híbrido) foi apontado líder da equipa do sistema híbrido, acelerando os desenvolvimentos, mas a Toyota recorda, com humildade, olhando agora para um projeto que acabou por ser bem-sucedido, que a equipa de desenvolvimento voltou a ser surpreendida quando a 25 de março de 1997, numa conferência de imprensa realizada num hotel de Akasaka, em Tóquio, o presidente Okuda anunciou o sucesso no desenvolvimento de um sistema híbrido para responder aos desafios do século XXI. O comunicado de imprensa falava no dobro da eficiência de combustível face a um carro convencional, prometendo esse novo modelo híbrido para o ano corrente. Ogiso surpreendeu-se ao ler os jornais do dia seguinte. Porque o objetivo de que Okuda falava não tinha sido ainda atingido. Nem o funcionamento suave do Prius…

“A companhia tinha decidido lançar [o Prius] em dezembro de 1997 e nesta conjuntura, nem tudo estava a correr de acordo com o planeado. Houve um ponto anterior no projeto em que chegámos a pedir à direção o adiamento do lançamento se o desenvolvimento se tornasse demasiado difícil. Mas, uma vez anunciado o prazo ao público, não havia marcha-atrás”, concede.

Em agosto de 1997, a fase de testes estava quase completa. Uma linha de produção dedicada na fábrica de Takaoka começou a produzir protótipos em setembro e tudo estava bem encaminhado. Mesmo a tempo para o século XXI.

A conferência de imprensa de revelação do Prius decorreu a 14 de outubro de 1997 em Tóquio, com imprensa especializada e não só, atraída pelo potencial revolucionário do Prius. Atingida estava a meta prometida de 28 quilómetros por litro e do dobro da eficiência em relação a um modelo convencional semelhante movido apenas a gasolina. E o preço era contido, mais até do que aquele que a imprensa japonesa especulava nos meses precedentes à revelação.

A estreia pública

A estreia pública decorreu, então, no Salão de Tóquio a 22 de outubro de 1997, acabando por receber pouco depois o seu primeiro galardão, o sempre emblemático troféu de Carro do Ano Japonês de 1997. A diferença para o segundo classificado rondou os 200 pontos! Na conferência do Acordo de Quioto, realizada em dezembro desse mesmo ano, o Prius assumiu um papel importante ao ser utilizado como táxi para todos os participantes. Curiosamente, seria um papel que o Prius concretizaria anos depois em diversos países com grande validade. A frase de lançamento do carro era também apelativa ao futuro: “Mesmo a tempo do Século XXI”, lia-se na publicidade a este novo carro híbrido. Terminava o projeto G21 e começava o reinado do Prius.

O início de produção teve lugar a 10 de dezembro, com a previsão inicial de vendas a rondar as 1000 unidades por mês no Japão. Contudo, recorda Ogiso, as encomendas eram em número muito maior, obrigando ao aumento da produção para as 1500 unidades por mês para a primeira geração.

“Não fazíamos ideia se o carro iria vender ou não, pelo que foi uma boa sensação ver vendas acima das 1000 unidades por mês. Tínhamos previsto estrear o Prius na Europa e nos Estados Unidos a partir de 2000 a par de um redesenho parcial, pelo que ainda havia muito trabalho pela frente depois de as vendas se iniciarem”. Entre as alterações previstas contavam-se o aprimoramento do sistema híbrido e a sua adaptação a climas agrestes como o ‘inferno’ de 50º C do Vale da Morte, nos EUA.

A primeira atualização do Prius decorreu em 2003 e o objetivo de vendas foi estipulado nas 5000 unidades, embora esse valor se tivesse revelado modesto. A procura dos clientes chegou a superar a barreira das 10.000 unidades/mês, batendo as expectativas mais otimistas da Toyota. O facto de muitas estrelas de Hollywood também se virarem para o Prius ajudou ao seu sucesso nos Estados Unidos, tornando-se mais do que uma mera afirmação ecológica. Era uma forma de condução e de estar em sociedade.

Voltemos a Ogiso. “O Prius de primeira geração foi uma pedrada no charco, mas ainda era um carro de nicho que estava longe da popularidade geral. Houve discussões internas sobre se deveríamos mesmo lançar uma segunda geração. No entanto, depois de ouvir os consumidores, percebemos que a sua reação, percebendo as questões do ambiente, no Japão e nos Estados Unidos, era positiva. A segunda geração representou a evolução seguinte do sistema híbrido, melhorando tanto a eficiência de combustível como a condução, sendo bem-sucedido ao elevar a presença do Prius no mercado global”, explica o engenheiro japonês.

Superadas várias etapas, o Prius foi galgando gerações, chegando à sua quarta iteração, a atual, lançada em 2015, com uma eficiência muito maior e uma evidência do sucesso dos híbridos na Toyota. Com efeito, no final de janeiro de 2017, a marca nipónica alcançou um número redondo no que toca à venda de híbridos, excedendo os 10 milhões de veículos vendidos.

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