Tão icónico quanto importante para a história da Renault, o 4L pode ser ainda hoje encontrado nas estradas de muitos países graças aos seus mais de oito milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. A sua reputação, cimentada em atributos de funcionalidade, resistência e economia atravessaram gerações e ajudam ainda hoje a manter viva a memória deste clássico, que celebra agora o seu 60º aniversário. Quase num dado histórico, fomos a França para a apresentação da 4L… com 60 anos de atraso!
Continua a dispor de uma grande legião de entusiastas um pouco por todo mundo e isso explica-se pela sua importância para a Renault e no que contribuiu para diferentes gerações que fizeram da história da 4L a sua própria história. Em 2021, celebra-se o seu sexagésimo aniversário, celebrado em França pela Renault com um evento que, nos dias que correm, é o equivalente a uma apresentação internacional. Embora o modelo em questão seja mais velho do que todos os jornalistas presentes…
O conceito inicial e o desafio
Para se olhar para o 4L é preciso olhar para outros tempos. Sem computadores de alta performance, sem Internet, sem smartphones e, nalguns casos, até sem televisão. Nada mais distante do que se vive hoje. Por isso, o 4L é um regresso substancial ao passado, mas também um convite à avaliação do progresso da sociedade e da tecnologia através da sua conceção e filosofia.
Este modelo tão carismático nasce do desafio do Presidente da Renault Pierre Dreyfus, que chegou àquele cargo a 27 de março de 1955 e que, desde logo, quis combater as convenções automóveis. Um pouco aborrecido com a banalidade das berlinas da época, Dreyfus pediu aos seus engenheiros que lhe arranjassem “um volume”.
Esta foi a génese do projeto 112, lançado em 1956, cujo objetivo seria obter um automóvel para uma nova geração de clientes. O futuro Renault deveria ser polivalente, capaz de sobressair em cidade e no campo (atendendo a que já na época se assistia a uma ‘fuga’ das pessoas do campo para a urbanização), adaptando-se a jovens, homens e mulheres, quaisquer que fossem as suas funções ou intenções de utilização. Assim nasceu o 4CV, um modelo que respeitou as premissas de fiabilidade, robustez, interior simples e competente (mas sem mordomias), mas com boa altura ao solo e conforto. O desejo de Dreyfus por um volume trouxe aos seus engenheiros outros desafios que, aos dias de hoje, parecem estranhos: o formato pouco convencional do 4L levou a que se investigasse um novo conceito para a porta traseira, algo que nunca tinha sido feito. Sem nome para essa porta, chamaram-lhe porta de serviço, a partir da qual se poderia aceder à bagageira. A funcionalidade ficava assegurada pela possibilidade de se obter um piso plano e até, de remoção dos bancos traseiros, nalguns casos.
Em agosto de 1961 foi apresentado oficialmente o novo Renault 4, sendo lançado pouco depois, em outubro desse mesmo ano, no mercado francês. O resto, como se costuma dizer, é história. Mais concretamente, 8.135.424 histórias, precisamente as mesmas das unidades produzidas oficialmente pela marca francesa até 1992 (também em Portugal, na Guarda).
Com esse número de unidades produzidas, o 4L tornou-se no modelo da Renault mais vendido de sempre, perdendo apenas recentemente o seu lugar no pódio dos automóveis mais produzidos de sempre, sendo ultrapassado pelo Peugeot 206, que ainda se produz para alguns mercados, sendo este agora o novo terceiro classificado, atrás do Volkswagen Beetle (Carocha) e do Ford Model T. O Renault 4L é agora o quarto. Vale a pena notar que no número de 8.135.424 unidades produzidas não estão incluídas as viaturas produzidas na Eslovénia, até 1994.
A fase da diferenciação
Em exposição no centro da Renault Classic de Flins, em França, estão presentes dois exemplares que marcam o início e o fim. O primeiro modelo e o derradeiro (este em versão de despedida Bye Bye). Porém, como nos explica Dominique-William Jacson, um dos responsáveis pelo centro histórico da Renault, aquele primeiro 4 é, na verdade, um Renault 3 de 1962, em tudo idêntico ao 4, mas com a diferença de uma menor potência fiscal e menos equipamento.
O Renault 3 era, admitidamente, um modelo de entrada na gama, com motor menos potente e posicionado como um concorrente do Citroën 2CV, desprovido de elementos como as janelas laterais traseiras, espelho retrovisor ou cromados exteriores. Sem grande retorno, o 3 acabou por ser removido da gama cerca de ano e meio depois do lançamento.
A Renault ficava então apenas com o 4 e o 4L, em tudo idênticos, mas com este último a ganhar importância e protagonismo por ser o mais luxuoso. Daí o L, que também evocava a sua configuração Limousine. Ou seja, mais equipamento e mais requinte. Tendo sido o mais vendido, tornou-se também na ‘espécie dominante’ em termos de denominação.
Ao longo dos seus diversos anos de produção, o 4L foi recebendo diversas versões especiais e conversões que ajudaram a fazer deste Renault ainda mais uma peça fundamental da indústria automóvel. Conversões diretas, utilização em expedições e competições desportivas ou, simplesmente, com versões especiais para manter vivo o seu apelo tornaram-se comuns. O mesmo se passou com a sua utilização para diferentes fins: o 4L foi utilizado por serviços técnicos de assistência, administração pública, correios (com carroçarias específicas), bombeiro e pela polícia (a famosa ‘Gendarmerie’), cujo critério de escolha para a 4L passou pela facilidade de sair do veículo sem tirar o chapéu de autoridade…
Porém, ao chegar à década de 1990, já com o desenvolvimento do Twingo bem avançado e atendendo às restrições ambientais cada vez mais apertadas na Europa, a Renault decidiu colocar um ponto final na produção do 4L, uma decisão difícil, mas que teve direito a uma série especial de despedida, incluindo até uma ação promocional com o jornal francês Libération para mostrar que o 4L estava prestes a sair de produção.
Surgiu assim a versão de despedida apropriadamente denominada ‘Bye Bye’ com base numa variante ‘Clan’ de equipamento. Embora praticamente irreconhecível por fora, o interior diferenciava-se pela placa comemorativa com contagem regressiva para os últimos 1000 exemplares: o derradeiro modelo produzido, precisamente o da exposição, tinha o número ‘0001’. Fechava-se o ciclo.