Em mais um episódio das suas Epic Drives, a Mazda levou-nos a uma experiência de condução extrema, para provar as capacidades do seu CX-5. Atravessar o Lago gelado de Baikal, na Sibéria, como numa aventura do Corto Maltese. Agasalhe-se…

Por Rui Pelejão

“Quando nos apercebemos de que o sonho é demasiado grande para se concretizar, restam duas alternativas: deixar de sonhar, ou continuar até ao fim, até à lenda…

Nos confins da China e da Sibéria, Corto e Rasputine perseguem o comboio blindado que transporta o ouro dos czares. Atravessam, assim, uma região que se encontra a ferro e fogo, esquartelada entre sociedades secretas e senhores da guerra, entre Russos vermelhos e brancos, entre tropas regulares e exércitos privados… O campo de acção ideal para estes aventureiros românticos!”

Não há como deixar de pensar em Corto Maltese quando olho à volta e só vejo um imenso mar branco e um recorte de montanhas geladas dispostas em santuário nas margens do Lago Baikal, na Sibéria. Aqui apetece “continuar até ao fim, até à lenda”.

Deixar de sonhar não é definitivamente o caminho. Estou firmemente em pé sobre uma camada de gelo translúcido, no centro do Lago Baikal, local que, reza uma das muitas lendas, dá acesso ao centro do mundo, como numa aventura de Júlio Verne.

Outro mito fala de um monstro aquático pré-histórico, primo afastado da Nessie do Loch Ness, na Escócia. Reza também a história que foi na ilha de Olkhon, um rochedo flutuante no lago, que nasceu Ghengis Khan, o lendário imperador mongol.

Toda esta região da Sibéria Oriental, já na Ásia, sofreu as profundas influências das hordas mongóis, a fronteira com a atual Mongólia é apenas a duas centenas de quilómetros.

Mas há outro mistério que jaz nas profundezas deste lago e que inspirou Hugo Pratt a escrever um dos seus mais magistrais álbuns, “Corto Maltese na Sibéria”, onde o destemido marinheiro, mercenário, guerrilheiro, espião e amante, parte em busca do tesouro dos czares, a mando de uma tríade chinesa, composta só por mulheres, “As lanternas vermelhas”.

Pratt encontrou inspiração num episódio da Guerra Civil russa, que opôs mencheviques a bolcheviques; o exército branco ao exército vermelho. De acordo com registos históricos, o Almirante Aleksandr Koltchack, líder do exército Tcheco, braço siberiano do Exército Branco que se opunha à revolução bolchevique, foi encarregue de transportar e colocar a salvo o ouro do czar.

Durante uma grande ofensiva em 1919, Kolchak guiou os “Guardas Brancos” e tomou posse da maior parte das reservas de ouro da Rússia. A mando do Czar Nicolau II, o intrépido e sanguinário almirante, transportou-os para a longínqua Sibéria no comboio transiberiano.

De acordo com a lenda foram precisos 40 vagões e 5 mil baús para levar as 500 toneladas de ouro. O problema é que a linha férrea que atravessava parte do lago, construída durante a guerra russo-japonesa, cedeu ao peso do comboio, que se afundou nas profundezas do lago.

Durante uma grande ofensiva em 1919, Kolchak guiou os “Guardas Brancos” e tomou posse da maior parte das reservas de ouro da Rússia

Esta história ou mito tem atraído caçadores de tesouros do mundo inteiro e a própria marinha russa já fez algumas pesquisas com os seus pequenos submarinos Mir no fundo do lago. Até agora, não há sinais do tesouro. No entanto, o tesouro visível é o próprio Lago Baikal, uma extraordinária maravilha natural que vamos descobrir ao volante do novo Mazda CX-5, em mais uma das Epic Drives promovidas pela marca japonesa para demonstrar as capacidades dos seus modelos nalguns dos cenários de condução mais belos e extremos do mundo, como foram a Islândia, o Cabo Norte na Noruega, os Açores, e agora o Lago Baikal, na Sibéria. Grandes aventuras, dignas de um Corto Maltese motorizado.

Mas, como nas aventuras do marinheiro mais famoso da história da BD (a seguir ao Popeye, claro), este álbum da Mazda na Sibéria tem um prólogo. E o prólogo é em Moscovo.

A cidade que nunca sorri

24 horas em Moscovo mais parece uma missão de espionagem nos tempos da Guerra Fria, mas esse é exatamente o tempo da escala que nos levou de Lisboa ao coração da Sibéria.

Tempo mais do que insuficiente para conhecer Moscovo. Um dia numa cidade só dá para o postal turístico e quando essa cidade é Moscovo, o postal é uma ínfima parte da grandeza desta cidade onde habitam 17 milhões de pessoas. O mais que se consegue são pequenos retratos e notas soltas num caderno de viagem mal amanhado. A primeira impressão é que os moscovitas não parecem muito satisfeitos com a esmagadora vitória de Vladimir Putin.

As eleições foram no dia anterior a termos aterrado em Moscovo e já no avião da Aeroflot e depois nas ruas, uma certa tristeza glaciar parece ter assolado os russos. Rapidamente percebo que as razões, mais que políticas, são de outra ordem. Os russos que caminham pelas ruas, agasalhados até ao nariz ou metidos até às orelhas nos seus lustrosos ushankas (os gorros de pele à Brejnev) são mais sorumbáticos do que uma estátua de Lenine.

O frio que se faz sentir, a rondar os 5 graus negativos não ajuda ninguém a ser um folgazão, mas garanto que ao caminhar nas largas e imponentes avenidas, no metropolitano ou nos cafés e restaurantes, não vi um único russo sorrir e muito menos o som de uma risada ou de uma gargalhada na rua.

A sentença do escritor Paul Theroux, ainda que snob, parece fazer algum sentido: “têm aquela expressão agressiva e de esguelha dos europeus do Leste, educados em sistemas autoritários e sem sentido de humor”. Já as mulheres, são lindíssimas, mas igualmente glaciares. Uma beleza esculpida e perfeita que chega a parecer artificial, dando razão a outra sentença de outro escritor, desta vez o francês Marcel Proust:”Deixemos as mulheres bonitas para os homens sem imaginação”.

Em todo o caso, parece-me que este temperamento, digamos, reservado dos russos é produto de uma certa melancolia e também de ser um povo que ao longo dos séculos viveu sob um jugo autoritário, primeiro dos czares, depois dos comunistas, e depois de uma brevíssima primavera da Perestroika, sob o paternalismo marcial de Putin. A liberdade quase nunca passou por aqui.

Na cidade que nunca sorri, há exceções. Uma delas é a nossa simpática guia, a jovem estudante de jornalismo e relações internacionais (duas profissões que imagino sem imenso futuro na Rússia), Tatiana Voronkova, que sorri mais do que um anúncio da Pepsodent.

É ela que nos conduz à obrigatória visita à Praça Vermelha, ao Kremlin e à Catedral de São Basílio. A Praça separa a cidadela real (o Kremlin) do bairro histórico de Kitay-gorod. É daqui, deste epicentro da Mãe Rússia, que partem as largas avenidas que depois se transformam em grandes artérias rodoviárias que se estendem por todo o país. É aqui o quilómetro zero da Rússia.

O que mais impressiona no centro de Moscovo é a escala monumental das avenidas e dos edifícios, desde os palácios da era dos czares até aos prédios de severa arquitetura comunista.

É da Praça Vermelha que partem as largas avenidas que depois se transformam em grandes artérias rodoviárias que se estendem por todo o país

O trânsito é caótico e também impressiona pelo aparato do parque automóvel. Parece que deve haver mais oligarcas por metro quadrado aqui, do que no bairro de Chelsea, em Londres. Só Porsches Cayennes são mais que os Trabant. Moscovo, para mim, é um imaginário criado pelos grandes escritores russos, como Dostoievski, Tchekhov ou Pushkin e a imagem que tinha da cidade fica refém desses livros, de duelos, paixões, mujiques, samovares e revoluções.

Aconteceu-me o mesmo com Nova Iorque, uma cidade que a memória dos filmes me tinha desenhado. Em ambas se fica com um amargo de desilusão lírica quando se vai lá pela primeira vez — afinal isto não é nada como nos livros ou nos filmes.

Mas como diria o grande poeta, Alexander Pushkin: “Nunca encontrareis a poesia se não a tiverdes dentro de vós.Ajuda, para encontrar a nossa poesia interior, ir jantar ao célebre Café Pushkin, comer um belo bife tártaro embebido em vodka (o bife e eu). Também parece que ajuda os russos que lá estão; escuto as primeiras e bem sonoras gargalhadas do dia.

Afinal os russos sabem rir, precisam é de um vodkazito ou três para descongelar. Amanhã, tal como Pushkin e outros célebres escritores e opositores dos regimes czarista e comunista, serei deportado para a gigantesca e longínqua Sibéria. Mas em vez de um gulag, espera-me um lago gelado.

Deportado para a Sibéria

De Moscovo a Ulan-Ude, cidade a sul do Lago Baikal, são cinco horas de avião, quase o mesmo tempo de voo e distância que separam Lisboa de Moscovo. Por aqui se tem uma pequena noção da escala. Mas há mais. Se fosse um país, a Sibéria seria o maior do mundo, com uma área de 13 milhões de metros quadrados, cerca de 70 por cento de toda a Rússia.

A imensa e misteriosa região estende-se dos Urais ao oceano Pacífico e desde o Ártico até às fronteiras com o Cazaquistão, Mongólia e China. Esta vastidão impressiona num mapa, quanto mais à escala real. Para a Rússia, a Sibéria sempre foi a última e mais inóspita fronteira, que foi sendo desbravada por guerreiros mongóis, cavaleiros cossacos e pelo Exército Vermelho ao longo dos séculos, exatamente como os americanos fizeram com o velho Oeste.

Na viagem de avião que sobrevoa a vasta estepe siberiana pela noite fora, aproveito para finalmente ver o filme “Doutor Jivago”, que só tinha visto aos bocados no repetitivo canal Hollywood, ainda assim uma pastelada de David Lean, bem pior do que o romance homónimo de Boris Pasternak.

Aterramos no aeroporto de Ulan-Ude bem cedo. A curta viagem até ao centro da cidade dá para tirar as primeiras impressões da Sibéria com o nariz esborrachado no vidro.

Passamos pelos subúrbios lamacentos e degradados. Casas pré-fabricadas ou de madeira, estendem-se ao longo da estrada esburacada. O frio é intenso e a neve acumula-se nas bermas e nos telhados. Uma mãe leva uma criança à escola saltitando os dois entre as poças de lama e gelo. Mais perto do centro acomodam-se fábricas a lançar espessas baforadas para um céu azul turquesa. Os prédios vão aumentando de tamanho, sem nunca exorbitarem a linha do céu.

Ulan-Ude é uma cidade fundada em 1666 pelos cossaco, devido à sua posição estratégica, a cidade rapidamente cresceu para se tornar um importante entreposto comercial entre a Rússia, a China e a Mongólia. Atualmente é a terceira maior cidade da Sibéria Oriental, com uma população estimada de 400 mil habitantes, grande parte deles de origem mongol ou de tribos nativas.

Ligar Ulan-Ude a Irkustk, atravessando o Lago gelado de Baikal, num total de cerca de 250 quilómetros, um terço deles cumpridos sobre a superfície gelada do Lago Baikal

A maior atração turística desta cidade é a estátua da cabeça de Lenine, colocada na praça central. É um autêntico monumento cabeçudo, a maior cabeça em pedra do mundo, que diz o humor local, faz de Lenine um judeu quando neva. Isto porque a neve se acumula no topo da cabeça, desenhando aquilo que parece um solidéu judeu. É nesta cidade que recebemos as nossas montadas para integrar o corpo expedicionário desta Epic Drive da Mazda no Lago Baikal.

Toca-me um corcel com ar de ser capaz de enfrentar os rigores do inverno siberiano. O novo SUV de grande porte da Mazda, o elegante e confortável CX-5 com sistema de tração integral inteligente (Intelligent All-Wheel Drive) e uns robustos pneus Nokian com mais pregos do que uma carpintaria, para que guiar no gelo não seja um descontrolado exercício de patinagem artística.

Tudo isto, mais bancos aquecidos, ar-condicionado e o spotify ligado ao cantante, para escolher a banda sonora ideal para esta épica aventura. Tudo a postos, vamos lá para uma viagem de estrada que já posso riscar da minha bucket list. Ligar Ulan-Ude a Irkustk, atravessando o Lago gelado de Baikal, num total de cerca de 250 quilómetros, um terço deles cumpridos sobre a superfície gelada do Lago Baikal.

Os perigos do Lago Baikal

O briefing antes da partida da expedição de cerca de duas dezenas de Mazdas CX-5 dá para fazer sentir uns calafrios na espinha.

Em primeiro lugar, não há a completa certeza que seja possível atravessar o lago, porque as temperaturas já estão anormalmente altas para esta época do ano. Neste remoto local do mundo as temperaturas podem atingir 50º negativos e em março o normal seriam 10 a 15º negativos. Por isso, os 3º graus que acusam os termómetros, são quase Verão aqui na Sibéria. Bem, na verdade, no Verão, chegam a estar 40 º, quando o lago agora gelado se torna numa estância balnear e numa autêntica Costa da Caparica gigante no interior da Sibéria, local de eleição para as elites moscovitas virem passar férias.

O próprio Putin gosta de cá vir pescar e caçar ursos, porque nesta região há a maior concentração de ursos pardos cinzentos do planeta. Felizmente agora estão a hibernar e só espero que nenhum tenha um wake up call e acorde com apetite de um bom pequeno-almoço…

Com este calor estranho, a camada de gelo de grande espessura que cobre toda a extensão do imenso lago vai começando a rachar. Abrem-se fissuras que podem atingir os 30 quilómetros de extensão e mais de um metro e meio de largura, o suficiente, para um carro ir ao fundo como um barco de dois canos na batalha naval.

À temperatura que a água está, nem dá tempo para rezar um Pai Nosso, antes de encomendarmos a alma ao criador. As recomendações de segurança são por isso muitas e minuciosas. Temos de guiar no lago sem cinto de segurança para o caso de ser necessário uma manobra de “eject”. Dão-nos uma ficha de plástico para fingir que temos o cinto de segurança posto e aquilo não ir sempre a apitar.

Depois, devemos sempre seguir em fila indiana, com uma distância não inferior a 25 metros do carro da frente, para não sobrecarregar a mesma placa de gelo. A mesma recomendação para as paragens sobre o gelo, para o directo para o instagram não acabar com uma derradeira selfie com uma foca. Temos de estar sempre separados por uma distância segura para não irmos parar ao fundo do lago, que não é coisa inédita por estas bandas.

O mais antigo e profundo lago do mundo

Saímos de Ulan-Ude, em velocidade controlada, que aqui os radares de velocidade são a valer e os calabouços da polícia da Sibéria não devem ser propriamente o Sheraton.A estrada, meio esburacada e com muitos camiões em trânsito, é uma longa reta traçada pela floresta de coníferas com montanhas brancas e lagos gelados a darem uma imensidão branca à paisagem.

O Mazda CX-5 aguenta estoicamente as pancadas mais fortes na suspensão e oferece uma tração segura e sempre pronta, quase nos fazendo esquecer o piso escorregadio e degradado em que circulamos.

Esta estrada acompanha neste trecho a linha ferroviária transiberiana, a mais famosa linha de comboio do mundo, com uma extensão de 9298 quilómetros, que atravessa toda a Rússia, desde Moscovo até Vladivostock e ao Mar do Japão.

A linha foi construída em duas metades, uma oriunda de ocidente e outra do oriente, mas a ligação das duas encontrou pelo caminho um gigantesco obstáculo. O Lago Baikal.

Com 680 quilómetros de comprimento (quase a distância entre Faro e Chaves) e 80 quilómetros de largura, o lago era uma barreira intransponível que obrigou à criação de um serviço de barcos quebra-gelos no início do século XX, para ligar as duas linhas. A fugaz e colossal tentativa de estender a linha férrea entre as duas margens durante a guerra russo-japonesa constituiu um tremendo falhanço de engenharia, que obrigou à posterior construção de uma linha de circum-navegação do lago Baikal, para o transiberiano circular sem interrupções.

Chegamos finalmente à margem do Lago Baikal e a visão que temos é simplesmente arrebatadora. Um manto branco estende-se a perder de vista até às longínquas montanhas da margem oposta e um céu azul límpido, como a água do lago, recorta o horizonte com uma luz forte ofusca e inebria.

Antes da longa marcha, tempo para uma visita a uma espécie de Centro de Interpretação do Lago, que detalha as razões pelas quais esta é uma das maravilhas naturais do planeta que levou a UNESCO a classificá-lo como Património Mundial.

Chegamos finalmente à margem do Lago Baikal e a visão que temos é simplesmente arrebatadora. Um manto branco estende-se a perder de vista até às longínquas montanhas da margem oposta

Alguns dados são eloquentes. O Baikal é o mais antigo lago do planeta (calcula-se que tenha 25 milhões de anos); é também o mais profundo (nalguns locais pode atingir os 1600 metros de profundidade). É o maior lago de água doce da Ásia, o maior em volume de água do mundo. Nele vão desaguar mais 300 rios e dele nasce apenas um rio, o Angara. Para termos uma ideia do volume de água que o Baikal comporta, se todos os rios da terra fossem aqui desaguar, levaria um ano para encher. Cerca de 20 por cento da água doce de degelo do mundo nasce aqui. Estes autênticos Galápagos da Rússia são também um paraíso de biodiversidade, com cerca de 1085 espécies de plantas e 1550 espécies de animais, 60 por cento deles endémicos. Há por baixo desta espessa camada de gelo uma grande população de focas, as poucas de água doce do mundo, que devem ter vindo em excursão do Mar Ártico e que de vez em quando fazem uns traiçoeiros buracos no gelo para vir cá fora respirar ar puro. Bem pura e com qualidades milagrosas é a água do lago.

A profundidade garante que os minerais e sedimentos se acumulem no fundo, garantindo não só a pureza da água, mas também a visão translúcida que permite, nas condições ideais, estar em cima do gelo e espreitar para baixo e ver os peixes, como num aquário extraordinário.

Uma travessia épica

Iniciamos a marcha sobre este autêntico oceano interior, que devido à constante atividade sísmica se vai expandido dois centímetros por ano até um dia, se vir a tornar num novo mar. À frente do caravana segue o Godzilla de escolta, um monstruoso veículo anfíbio de seis rodas com experientes batedores russos habituados a navegar e a conduzir neste ambiente tão extremo e perigoso. São eles que vão desenhando a pista, que não é em linha reta, porque devemos evitar a todo o custo as fissuras que já se abriram no lago.

A caravana segue sobre a pista de gelo e de neve, tentando manter a distância de segurança, que nos é constantemente relembrada nos walkie-talkies pela equipa de apoio da Mazda, constituída essencialmente por bem humorados escoceses.

Nestas condições de aderência é impressionante a capacidade que CX-5 tem de se manter na trajetória desenhada pelo volante, num piso em que mal nos podíamos manter em pé sem derrapar. O sistema de tração inteligente vai repartindo a potência entre as rodas para assegurar que ela está disponível onde é mais precisa.

A velocidade é controlada e raramente excedemos os 50 quilómetros hora, a não ser quando damos propositado avanço ao carro da frente, para fazer umas centenas de metros a um ritmo mais rápido, provocando a golpes de volante os power slides no gelo, que o CX5 desenha com graciosidade, oferecendo-nos sempre uma reconfortante sensação de controlo. Convém não abusar da sorte para não ficar atascado num monte de neve.

Ao longo dos 80 quilómetros do trajeto, cumpridos em mais de duas horas, vamos fazendo cirúrgicas paragens para poder admirar a esmagadora beleza da paisagem e inundar de fotos as redes sociais.

É aqui, no centro do Lago Baikal, o tal que a lenda diz ter uma porta de acesso ao centro do mundo, que vale a pena parar e respirar aquele momento único, que nos faz sentir tão vivos. Afasto-me da caravana e caminho, ou melhor deslizo a pé pela camada de gelo. Olho para a infinitude do lago que espelha com brilho de diamante um céu azul e alegre. Ao fundo as montanhas dispõem-se em anfiteatro oferecendo dimensão e escala a um dos locais mais mágicos e maravilhosos em que já estive na vida.

A vida é assim feita destes momentos. A paixão de conduzir por estradas perdidas que nos levem ao fim do mundo e ao desconhecido. O momento em que paramos o carro e ficamos ali a contemplar a paisagem, como cavaleiros cossacos de outros tempos fizeram antes de nós. Um lago só possível de atravessar por trenós de huskies, o transporte mais importante do Ártico, por cavaleiros mongóis e cossacos e, agora, por uma caravana de modernos SUV da Mazda.

A paixão de conduzir por estradas perdidas que nos levem ao fim do mundo e ao desconhecido. O momento em que paramos o carro e ficamos ali a contemplar a paisagem, como cavaleiros cossacos de outros tempos fizeram antes de nós

Antes de completarmos a travessia, temos pela frente uma extensa fissura que obriga a nossa escolta russa a improvisar uma ponte por cima de uma brecha com cerca de 40 centímetros.

Carrego suavemente no acelerado e fecho os olhos para não olhar para baixo, para o misterioso abismo do Lago Baikal. Diz a lenda que quem mergulhar no Lago Baikal no Inverno vive mais 25 anos ou morre. O líder inglês da expedição decide meter só a cabeça num buraco aberto com uma motoserra pelos scouts russos. Isso, segundo a tabuada da água miraculosa de Baikal, dá-lhe direito a mais 5 anos de vida. Se for só as mãos, dá um ano. É isso que faço, pelo sim pelo não que a temperatura da água está a 5º graus negativos o que depois de uns segundos com as mãos imersas deve dar para começar a dar uns dedos de snack às focas.

Sobrevivemos a esta aventura e vivemos para contá-la, brindando com os inevitáveis vodkas na estância balnear de Listvyanka, onde pernoitamos, antes da etapa final que nos leva a Irkutsk, pela estrada construída em tempo recorde no ano de 1960 para receber a visita do presidente Dwight Eisenhower. Visita que nunca chegou a acontecer, porque em maio desse ano, um avião de espionagem U2 americano, pilotado por Gary Powers, foi abatido sobre o espaço aéreo soviético, da mesma forma que o atual presidente russo Vladimir Putin ameaça os mísseis americanos que sejam disparados sobre as forças do exército sírio. Penso nesta nova e assustadora escalada na Guerra Fria quando entro no avião da Aeroflot em Irkutsk, que me vai levar na viagem de regresso a Portugal, no mesmo dia em que uma série de países da União Europeia mandam retirar os seus diplomatas de Moscovo.

Depois de tanto tempo contínuamos a não perceber a Rússia que é, hoje como sempre, “uma charada envolta em mistério dentro de um enigma” como dizia Churchill.

Tememos aquilo que não conhecemos. Mas isso não é razão para não amar um país tão belo como este e acreditar em Dostoievski, quando escrevia “A beleza salvará o mundo”. Esperemos que ele tenha mais razão do que o Stanley Kubrick. Para a viagem de regresso, Dr. Strangelove, porque estes são os tempos.