Restaurante Casta 85, os otimistas nunca se enganam

18/02/2017

Um pessimista raramente encontra um lugar para almoçar bem, porque é desconfiado e só acredita no que lê por aí. Sem isso, está perdido. Um optimista raramente almoça mal, porque acredita sempre na boa fortuna dos viajantes e nos sortilégios do acaso. O ideal para um pessimista desorientado e sem 3G é ir almoçar com um optimista. Se for a Alenquer, estacione o carro e seja um optimista, verá que não se vai arrepender

A simpática vila de Alenquer deve o seu nome a um cão. Reza a lenda, claro, e como a lenda é boa, aqui vai ela em jeito de amuse bouche. A fortificação moura parecia inexpugnável para a falange de D. Afonso Henriques. Enquanto estudavam a melhor maneira de tomar de assalto as muralhas, D. Afonso Henriques e restante rapaziada tomaram banho no rio Alenquer. Um cão grande e cinzento, da raça dos alanos, aproximou-se amigavelmente e recebeu as festas do monarca português que, considerando isto um bom presságio, liderou o ataque sob o grito de guerra “Alão quer!” – sendo Alão, o nome do cão. Outra versão da lenda, mais bondosa para a “manha” portuguesa, defende que o possante cão alano que guardava as muralhas do castelo, levava todos os dias a chave do castelo ao Governador. Os portugueses colocaram uma insinuante cadela junto de uma oliveira na margem do rio e o fiel alano, incapaz de resistir aos apelos da carne, trocou o seu ofício e missão por um momento de galantaria canina, deixando as chaves da vila aos portugueses.
Sobre as lendas portuguesas estamos como o velho ditado italiano – “se non è vero, è ben trovato.”, mas a verdade é que o brasão de armas de Alenquer tem um cão gravado.
Atualmente, a vila presépio, a escassos 40 quilómetros de Lisboa, alcandora-se sobre as margens do rio Alenquer e para o viajante descuidado pode parecer que os tentáculos do urbanismo desenfreado e feio dos subúrbio se estenderam até esta região agrícola (e vinícola). À primeira vista a terra é feia e desdentada, e nem o curso do rio no seu ventre lhe dá apelo e graça.
Para comedores, também nunca foi terra de fama, a não ser que o viajante se contente com umas bifanas ou uns couratos que a “Tasca do Bichezas” serve mais para apascentar os tintos e os traçadinhos do que outra coisa qualquer. Para bem comer era preciso subir até à Labrugeira e à magnífica “Senhora Tasca” de Graça Peixoto, que enchia de graça e saber a antiga casa do médico, transformada numa pequena ermida dedicada aos cultos dionisíacos, onde a tradição culinária portuguesa era tratada com carinho e subtileza. A porta da “Senhora Tasca” há muito que está fechada e quem anda fora de horas a vadiar pelas terras de Alão quer, fica com pouca margem para otimismos de descoberta quixotesca e já se prepara para afiambrar uma bifana e um tinto no “Bichezas”.

É por isso que preparar e acreditar na boa fortuna dos viajantes é sempre o melhor remédio. Mesmo junto à margem do rio Alenquer, uma antiga albergaria, paredes meias com a igreja, recebe agora um original e excelentíssimo restaurante, um oásis na região de Alenquer.

É por isso que preparar e acreditar na boa fortuna dos viajantes é sempre o melhor remédio. Mesmo junto à margem do rio Alenquer, uma antiga albergaria, paredes meias com a igreja, recebe agora um original e excelentíssimo restaurante, um oásis na região de Alenquer.
Chama-se Casta 85 – ano de nascimento do chef que deu corpo e imaginação a este projeto nascido no coração de uma imensa região vinícola onde pontificam alguma quintas que produzem tintos e brancos de boa índole – Quinta das Pancas, Quinta da Chocapalha, Quinta dos Plátanos-, só para referir as mais célebres. A carta de vinhos reflete a diversidade e qualidade dos vinhos da região de Alenquer, mas não se circunscreve aos marcos que delimitam o concelho. O mesmo se passa com o conceito e sobretudo com as criações do chef João Simões, que combina a tradição com a criatividade da cozinha de autor. O jovem criador tem uma larga experiência, granjeada na Bica do Sapato, no Ritz, e mais tarde no Bistrô 100 maneiras e no Altis de Belém. Um currículo que agora é posto ao serviço de uma pessoalíssima aventura na sua terra natal.
O espaço amplo, luminoso e decorado com imaginação e sensibilidade oferece uma vista com claridade sobre a parte alta da vila, o leito do rio e a cozinha, permitindo aos clientes levantar um pouco do véu sobre os operários da alquimia dos sabores. E os sabores podem passar por petiscos ou por pratos “agora mais a sério”, conforme se descrimina com humor na atraente e diversificada lista. Na arte de petiscar temos, por exemplo, salada de bacalhau com coentros, canja de bacalhau, carpaccio de pato recheado com foie gras.
Para almoço o Casta 85 propõe menus a bom preço que por 11 euros incluem uma entrada, um prato principal, sobremesa, bebida e café. Foi nisso que apostámos, abrindo as hostilidades com um creme de cenoura com “verniz” de gengibre a limpar o palato para o salmão corado com tagliatele e decorado com crocantes e finas rodelas de beterraba frita e as bochechas de porco acompanhadas de um competente e consistente puré de batata e farinheira, que se derretiam na língua como um manto de espuma saborosa. Um Quinta dos Plátanos branco, elegante, seco e suave, montou discreta guarda à refeição, cujo corolário foi um gelado de tiramisú com espuma de café.
Naturalmente, quando a estalagem é boa, com um requinte sóbrio, jovial e despretensioso, o lugar fica marcado no mapa para regressar rapidamente e poder ler com outra propriedade uma lista variada e criativa que vai mudando à medida que João Simões e a sua equipa vão desenhando novos pratos. Para os “foodies” que adoram ler nomes de pratos, aqui vai um pequeno apontamento, com especial destaque para a codorniz, um tema permanente nas partituras do maestro Simões:
texturas de coelho
codorniz com risotto de cogumelos
pregado corado com açorda cremosa de camarão e salada de tomate
dourada corada com açorda de ovas
canelonis de choco gratinados com tomate e salada verde

Os mais desconfiados, que também os há, podem sempre jogar pela segurança de um hamburguer de novilho com ovo estrelado. Os preços são equilibrados e justos (na classe dos 25 euros per capita) e o espaço convida a fazer à antiga e beber uns bons aperitivos antes de jantar, já que o Casta 85 é um restaurante bar.
Se for de almoço, aproveite para dar um passeio digestivo pela parte alta de Alenquer, e as suas ruas estreitas que ziguezagueiam até edifícios como o castelo, o convento de São Francisco ou a pitoresca Igreja de Santa Catarina. Pode ser que com sorte ainda ouça ladrar o cão alano que deu nome à terra que viu nascer personalidades como Damião de Góis, o infante D. Duarte ou a grande atriz Palmira Bastos. Por vezes nada como a boa venturança de um bom almoço para descobrir os encantos das terras.

Restaurante Casta 85
Largo do Espírito Santo
Alenquer
Tel. 915 761 911