O crescimento das vendas no mercado de automóveis novos em maio de 2021 demonstra uma tendência de recuperação do setor, que ainda assim fica longe dos valores obtidos em igual período de 2019, em fase pré-Covid. Para alguns dos responsáveis das marcas automóveis em Portugal, o caminho na mobilidade tem de ser cada vez mais descarbonizada, mas apela-se igualmente a uma maior postura de incentivo por parte do Estado.

Face a maio de 2020, demonstrando um ciclo totalmente oposto com o deste ano, o mercado automóvel apresentou um crescimento de 159,5%, embora no cômputo dos cinco meses de 2021 a queda seja de 19,8% comparativamente com idêntico período de 2020, também ele já afetado pela pandemia.

Num painel online realizado pelo Standvirtual, plataforma de venda de automóveis usados, alguns dos responsáveis pelas marcas automóveis a operarem em Portugal demonstraram a sua convicção de que o mercado de automóveis novos passará pela eletrificação, mas apontam igualmente que existirão outros temas importantes a ter em conta, como o do papel do Estado ou o dos usados no futuro num mercado que encolheu substancialmente em 2020.

Além da moderação do Diretor Geral do Standvirtual, Nuno Castel-Branco, e da participação de Hélder Pedro, Secretário Geral da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), o evento online contou ainda com o contributo de Ricardo Lopes (Diretor de Vendas do Groupe Renault), Massimo Senatore (Diretor Geral do BMW Group Portugal), Marília Machado (Diretora da Volkswagen) e Jorge Tomé (Diretor Peugeot Portugal).

Gerando consenso entre os participantes, a ideia de que os incentivos dados pelo Governo português à descarbonização do parque automóvel foi central. Isto num ambiente em que serão cada vez mais as propostas disponíveis por parte das marcas automóveis presentes em Portugal.

Para Marília Machado, responsável da Volkswagen, marca que tem sido uma acérrima defensora dos elétricos nos últimos anos, não restam dúvidas de que “o caminho para a mobilidade elétrica é uma realidade e não vai voltar atrás”, acrescentando que “é a maior transformação que o mercado automóvel assistiu na sua história dos últimos 100 anos”.

Repete ainda que o caminho do grupo está bem traçado com o seu programa Way to Zero, no qual fica a ambição de que, “até 2025, o Grupo Volkswagen vai investir cerca de 35 milhões de euros em modelos 100% elétricos e cerca de 11 milhões de euros em viaturas plug-in. Quanto ao mercado, esperamos ter em 2021 mais um milhão de automóveis. Com o ID.3 e o ID.4, devemos ter cerca de 10% de quota de mercado de eletrificados em Portugal, o que representa um pouco destes modelos no mercado e que vai continuar com o lançamento de outras alternativas, como o ID.4 GTX e o ID.5. O mercado existe, nós estamos lá e os nossos colegas também, por isso o mercado adapta-se e o cliente também”.

Por outro lado, Massimo Senatore, Diretor Geral do BMW Group Portugal, pede maior estabilidade do rumo assumido pelo Governo. ”É importante darem-se incentivos ao segmento empresarial como ao segmento particular para se adquirirem veículos eletrificados, mas mais importante é que existe uma política de mobilidade estável para que os consumidores não tenham dúvidas na sua opção. Em 2020, a BMW terminou o ano com 30% da sua oferta já com modelos eletrificados e a MINI chegou aos 32%. E o objetivo é aumentar estes números já nos próximos anos”, explica.

E vai um pouco mais além neste tópico: “As mais recentes medidas do Governo sobre esta matéria não foram boas para o setor, apesar de não ter grande reflexo no negócio da nossa marca. Portugal está no caminho certo em termos de mobilidade elétrica, sobretudo quando comparado com outros países europeus, por isso é fundamental voltar-se a esse trilho e tentar melhorar ainda mais. Além disto, é fundamental melhorar as infraestruturas: postos de carregamento públicos, lugares de estacionamento gratuitos para quem tenha carros eletrificados, entre outros incentivos”, completa.

Afinando pelo mesmo diapasão, Ricardo Lopes, do Groupe Renault, pede que as políticas públicas sigam o exemplo das marcas automóveis no sentido do contributo dado para a transição do mercado, algo que tem ficado um pouco aquém.

“O objetivo da renovação de um parque automóvel envelhecido passa por torná-lo mais eficiente e o parque automóvel nacional é maioritariamente alimentado pelas empresas, portanto esta medida de retirar incentivos às empresas só atrasa todo o processo. As marcas estão a fazer o seu trabalho ao lançarem vários modelos elétricos ou eletrificados e julgo que, apesar destes contratempos ao nível dos incentivos, estes veículos irão banalizar-se mais tarde ou mais cedo em Portugal”.

O responsável deixa ainda a sua perspetiva sobre a escassez de produto nos mercados mundiais até ao fim do ano: “Todo o mercado a nível mundial será impactado pela escassez de produto, pela indisponibilidade de microchips para o produzir. Acreditamos que na última parte do ano conseguiremos assegurar uma resposta efetiva para a procura que temos”, atira.

Por seu turno, Jorge Tomé, Diretor Peugeot Portugal, refere que o problema desta transição não é a tecnologia, mas há outros aspetos a considerar para avaliar a profusão dos automóveis elétricos. “Em Portugal temos um peso significativo do mercado de rent-a-car, mas o peso do elétrico ou do hibrido nas suas frotas não é significativo. E isto irá influenciar bastante o peso dos eletrificados no mercado de usados. Se não é natural ao cliente procurar um eletrificado no mercado dos usados, esta mudança não irá acontecer. A tecnologia existe, mas a questão fiscal não pode ser gerida como uma campanha comercial. A trajetória que faremos em termos de mercado nos próximos cinco anos dependerá de muito mais do que apenas da evolução tecnologia”.

Nesse sentido, lembrando o impacto negativo de algumas das medidas tomadas pelo Governo nos últimos tempos, Hélder Pedro, Secretário Geral da ACAP, recorda que “a indústria automóvel é a segunda que mais investe em Investigação & Desenvolvimento na procura pela descarbonização, logo a seguir á indústria farmacêutica. Os governos da Roménia, Eslovénia e a Eslováquia dão incentivos mais elevados à compra de eletrificados, tal como Espanha, França e Itália, mercados mais parecidos aos nossos, também aumentaram os incentivos à eletrificação. Em Portugal, o Governo optou por recusar as medidas apresentadas para o reforço dos apoio e até retirou alguns às empresas”, indicou.