Cada vez mais conscientes de que os padrões de mobilidade estão a mudar, assim como a forma de viver com o automóvel, os construtores olham para novas oportunidades em ambos os casos. Para o Grupo Renault este é o momento ideal para expandir o foco da Mobilize, a mais recente marca do grupo que reúne as soluções de financiamento e as novas soluções de mobilidade avançadas e integradas, como será o caso do Duo ou do Limo. Para explicar os novos paradigmas da mobilidade, dois portugueses tomaram a palavra: João Leandro, CEO da Mobilize Financial Solutions, e Fedra Ribeiro, Chief Operating Officer da marca Mobilize.

Quem olhar para as marcas do Grupo Renault encontra as óbvias Renault, Alpine e Dacia, mas também uma outra menos comum, na forma de um círculo entre-cortado por um traço – é o logótipo da Mobilize, marca dedicada a novas soluções de mobilidade (encaixando também as de financiamento) e que procura criar as condições para uma outra vivência com o automóvel, cada vez mais de utilização pura e menos de propriedade.

No Salão de Paris, enquanto o Duo e o Limo, dois dos veículos da Mobilize recolhiam atenções, a ‘comitiva’ portuguesa de jornalistas encaminha-se para uma mesa redonda com alguns dos principais responsáveis da nova marca. Perdido o hábito de falar português correntemente (pelo menos em ambiente de trabalho), João Leandro e Fedra Ribeiro ‘arriscam’ cumprir toda a entrevista aos jornalistas na língua de Camões, numa missão que confessam ser complicada “por faltarem as palavras, por vezes”.

Mas, particularidades linguísticas à parte, Fedra Ribeiro começa por explicar o fundamento da Mobilize enquanto entidade pertencente ao Grupo Renault.

“A Mobilize tem dois pilares, o ‘Beyond Automotive’ e o ‘Financial Solutions’, este último que existe há cerca de 100 anos, anteriormente conhecida como Renault RCI Banque. A ‘Beyond Automotive’ nasceu o ano passado e trabalhamos em conjunto porque assenta em três áreas essenciais: uma é a do produto que pode ser um veículo, mas também uma estação de carregamento, a segunda é a do modelo de negócio e a última é a parte dos serviços e do software. Para nós, o carro acaba por ser o menos importante”, começa por explicar a COO da Mobilize.

Ainda assim, há aqui uma faceta do veículo que é muito importante, já que o objetivo é “desenhar o carro e todos os serviços acessórios, incluindo a venda e a gestão da logística do carro. Essa é a parte inovadora. Pegamos no vertical do negócio e fazemos tudo à volta disso. O carro ou o veículo não se vendem, são sempre alugados”, complementa.

Duo e Limo só por subscrição

A Mobilize tem neste momento um automóvel criado especificamente para o mercado de táxis e transporte de passageiros (vulgo TVDE), que é o Limo, uma berlina 100% elétrica que é oferecida através da subscrição de um pacote com tudo incluído, como custos de manutenção, reparação, seguro e outros. Previsto para chegar a Portugal no final de 2023, início de 2024, o Limo é visto como uma “proposta bastante competitiva face aos concorrentes”.

O Duo, por outro lado, embora mais direcionado para uma área de carsharing (podendo ser conduzido sem carta) e entregas ‘last mile’ (com o futuro Duo Bento), obedece aos mesmos princípios de subscrição pela oferta de um serviço de mobilidade com tudo incluído.

João Leandro indica que a “subscrição tem um período mínimo de três meses em que a pessoa usa o veículo. Depois disso, pode entregar quando quiser. A subscrição tem todos os serviços incluídos, como o seguro, a garantia, o plano de reparação ligado a essa utilização ou o cartão de carregamento com um pacote inteiro feito. Em termos de gestão, temos a parte logística, em que depois de o motorista usar o veículo durante três ou seis meses, pegamos no veículo depois, recondicionamos e vai para outro cliente. Por exemplo, o Duo não é pintado, é fácil de reparar e pode ser facilmente lavado. Por isso é que dizemos que o Duo não tem valor residual, porque entre um novo e um usado há muito pouca diferença”.

Fedra complementa: “Nós estimamos três vidas para cada veículo, em que recondicionamos e depois vão para outro cliente. Essa é a grande diferença da Mobilize em relação à concorrência: nós desenhamos o objeto para o propósito da sua utilização e não o vendemos”.

Para os dois interlocutores, esta é uma das reais formas de economia circular, mas em que a possibilidade de comprar o veículo não existe, nem foi esse o propósito do nascimento da Mobilize.

“O Duo nunca vai estar para venda, porque é a maneira de nós controlarmos o valor do veículo. Tem uma produção de 17.000 unidades por ano e é a maneira de controlar o seu valor. Queremos controlar toda a vida do veículo até ao fim, em economia circular. A Mobilize é suposto fazer um pouco a disrupção do negócio”, justifica João Leandro.

Prosseguindo no mesmo tópico, Fedra Ribeiro lembra que “a Mobilize foi criada essencialmente por uma visão do Luca [de Meo, CEO do Grupo Renault] que, no início, percebeu que mais vale questionarmos o nosso modelo de negócio do que virem marcas tecnológicas chinesas e americanas e fazerem por nós. Somos uma marca nova, o que nos permite controlar o valor da marca em si e esta é a uma forma de controlar o ciclo de vida: retirar o carro do mercado quando é preciso, recondicionar e voltar a oferecer o veículo”.

Para uma execução sem sobressaltos desta estratégia, o plano do Grupo Renault de introduzir o conceito Refactory é fundamental “porque uma variável chave neste negócio é o período de tempo que a viatura está imobilizada. Por isso, ao ter a Refactory, que é um centro de recondicionamento que funciona como uma fábrica da Renault, conseguimos reduzir imenso o tempo de imobilização das viaturas”, diz João Leandro.

Soluções de financiamento em vez de crédito

Apesar de se falar muito em novidades na área da mobilidade, ainda há atenção para aqueles que pretendem usar o automóvel de forma mais ou menos convencional, mas também aqui há uma diferença.

“Toda a parte clássica do negócio automóvel está a fazer cada vez menos crédito e mais leasing financeiro ou leasing operacional”, observa João Leandro, que surge como uma “necessidade para os clientes de terem uma oferta mais flexível, também por uma questão de risco tecnológico: as pessoas veem que os carros estão a mudar de tecnologia e querem ficar dois, três ou quatro anos com o carro e não querem comprá-lo porque não sabem o que vai acontecer depois disso. É uma tendência global. Não temos os números de Portugal, mas em França, por exemplo, temos mais de 70% dos financiamentos em formato de leasing e vemos esta tendência em todo o lado”.

Fedra complementa: “os hábitos de consumo começam a ser esses: ciclos mais curtos e mais de utilização do que de posse”.

Rede de carregadores também em preparação

Mas, sendo uma marca de mobilidade com uma série de vertentes integradas, a Mobilize trabalha ainda na planificação de soluções de carregamento úteis para ajudar na transição para a eletrificação, conforme nos indica Fedra Ribeiro.

“Uma das grandes missões da Mobilize é facilitar a transição para os elétricos e essa tem três desafios: o primeiro é o facto de as pessoas terem agora a ansiedade de terem ou não um carregador livre, mais do que de autonomia, por isso, trabalhamos na área dos carregamentos elétricos. Aliás, acabámos de lançar o projeto para um percurso de 200 postos de carregamento rápido de alta intensidade a começar por França. O segundo aspeto tem que ver com a bateria e com o investimento que é preciso em termos de custo da bateria: temos uma área de negócio na Mobilize que tem como função a reutilização, dar segunda vida às baterias e permitir também que haja uma garantia que permita a um cliente de segunda mão do Grupo Renault ter confiança no que está a comprar. O terceiro e último ponto é o ‘flow’, ou seja, a eletricidade em si e o V2G, ou seja devolver eletricidade de volta à rede. Faz parte do nosso portefólio da área da energia responder a esses três pontos: o custo da energia, a ideia de que a bateria tem de ser viável e certificável e os pontos de carregamento de alta ou baixa voltagem”.

A rede de postos de carregamento rápido que serão instalados a cerca de cinco minutos das autoestradas, para não obrigar a grandes desvios, terá como base a cooperação com os concessionários existentes da Renault, vendo aqui uma vantagem pela “possibilidade de acesso ao terreno”. Embora Portugal ainda não tenha uma data em concreto para a instalação deste projeto, Fedra deixa a garantia de que também chegará a seu tempo.