A adoção dos veículos elétricos está a decorrer de forma bastante acelerada, mas o processo não decorre à mesma velocidade em todos os continentes ou, até, nos mesmos mercados de um mesmo continente. Para esse facto contribuem as condições económico-sociais dos diferentes países em vias de desenvolvimento, nos quais as infraestruturas de carregamento estão ainda num patamar muito subdesenvolvido e as necessidades de mobilidade são intrinsecamente distintas do que sucede na Europa ou nos Estados Unidos da América (EUA), estas duas regiões também amplamente distintas entre si.

O debate em torno da adoção do veículo elétrico a nível global foi o tema de um painel inserido na convenção ‘Way to Zero’, organizada pela Volkswagen, na qual se discutiram as diferentes velocidades da e-mobilidade a nível mundial.

Bastante conhecedor desta realidade, Rob de Jong, diretor da Unidade de Mobilidade Sustentável, do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), ao qual pertence desde 1996, dá o exemplo do Quénia, país no qual está a viver neste momento, mais concretamente em Nairobi (na imagem de destaque). Face à realidade do país africano, a adoção da mobilidade elétrica é um desafio, tal como para muitos outros países em desenvolvimento.

Admitindo que o número de veículos elétricos está a crescer no Quénia, Rob de Jong reconhece que há um grande atraso nos países em vias de desenvolvimento no que diz respeito à adoção de veículos elétricos, naquele que é um fator de risco para o cumprimento das metas ambientais do Acordo de Paris. Ou seja, essa adoção da mobilidade de baixas emissões não está a acontecer ainda, mas há a possibilidade de dar um grande salto nos próximos anos nos veículos elétricos, a exemplo do que sucedeu com os telemóveis, que Rob de Jong admite serem hoje mais úteis e versáteis em países como o Quénia do que nos Países Baixos.

“Podemos dar um salto, como fizemos com os telemóveis. Hoje posso pagar com o telemóvel em todas as lojas do Quénia. Mas não estamos a conseguir dar as condições necessárias para que isso aconteça e se não o fizermos depressa, nos próximos seis a oito anos, não iremos cumprir as metas do Acordo de Paris”, afirma este responsável pelo programa global de mobilidade elétrica das Nações Unidas.

E a globalização, aponta, é mesmo um dos termos chave para implementar a mobilidade sem emissões poluentes. “Temos de ter uma abordagem global e completa, como sucedeu na crise da Covid-19, senão não cumprimos as metas ambientais. Não conseguiremos atingir as metas globais de emissões sem uma aproximação global. Mas a abordagem dos países em desenvolvimento é diferente: os produtos de que precisam são ligeiramente diferentes, as políticas não estão definidas e os padrões de reciclagem das baterias também têm de ser estabelecidos senão terão problemas aí. Mas temos de criar consciência pública – temos de colocar os dirigentes políticos, os decisores, num carro elétrico e dar uma volta com eles. Ao fim de dez minutos estão convencidos. Mas antes não estavam. Diziam ‘isto não é para África’ ou ‘isto não é para o Vietname’. Claro que é. A consciencialização ainda está longe de completa e ainda temos de fazer muito nesse campo. Precisamos dos produtos certos, com os padrões certos e também com mecanismos de financiamento adequados que nos permita investir à cabeça e obter essa verba em poupanças posteriormente. Ainda há muito a fazer, mas podemos aprender com a Noruega e com os EUA”, afirmou garantindo que o “mundo não pode deixar esses países sozinhos”.

Há ainda um outro risco que Rob de Jong indica – o da transferência do problema das emissões dos países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento. Ou seja, “atualmente, existem 1,2 mil milhões de veículos nas estradas globalmente. Em 2050 esperamos ter entre 2.5 e 3 mil milhões de veículos. Todo esse crescimento e duplicação irá ter lugar em países de rendimento baixo ou médio. Ou seja, esses veículos serão adicionados em países de África, América do Sul ou Ásia. Os veículos com motor de combustão que estão a ser descartados nos países desenvolvidos podem estar a ser enviados para os países de África ou da Ásia para uma segunda vida. Nesse caso, os benefícios ecológicos não são muito elevados”, refere.

Carros elétricos passaram a ser bem vistos

A situação nos Estados Unidos está também a alterar-se gradualmente, com cada vez mais gente a adotar os veículos elétricos. Scott Keogh, CEO da Volkswagen Group of America, divisão da América do Norte do construtor alemão, admite que há uma mudança de paradigma nos consumidores do país, sobretudo porque os carros elétricos passaram a ser vistos de forma distinta – como objetos de cobiça.

“Temos de entender que a América é uma economia de consumo, por isso, se queremos acelerar a mobilidade elétrica, temos de focar nos consumidores. Até aqui, a ênfase da mobilidade elétrica tem estado no benefício dos outros ou do que o Governo vai fazer, mas a batalha tem de ser tornar os produtos apelativos, agradáveis e divertidos. Até aqui essas condições não coincidiram entre si. Nos próximos anos, estaremos num ponto de viragem. Para mim, o grande triângulo na América está a unir-se. Em primeiro lugar, Wall Street está a dizer que é na eletrificação que está o dinheiro, seja uma startup ou uma construtora tradicional – vemos aí os investimentos ou as notícias de destaque. Em segundo lugar, o Governo está altamente comprometido, com o Presidente Joe Biden a anunciar o investimento de 174 mil milhões nas duas áreas da mobilidade elétrica – do consumidor e da infraestrutura. Por fim, a indústria e creio que não há uma única companhia americana que não esteja a trabalhar nisto. Tudo isso está a acordar o consumidor americano”, refere o responsável máximo pelas operações da Volkswagen na América.

Scott Keogh, Presidente e CEO do Volkswagen Group of America.

Além disso, considera que a abordagem do veículo elétrico como uma proposta ‘cool’ está a fazer a diferença. “Se olhar para a transição do consumidor americano, a mobilidade elétrica passou [da imagem] de um carro para cumprir metas ambientais para um carro ‘ccol’ e isso está a acontecer neste momento. Além disso, o que também descobrimos na nossa pesquisa, é que os carros americanos costumavam ser para outra pessoa qualquer, que é um termo que o consumidor americano usa quando não quer fazer alguma coisa: ‘isso é ótimo, mas alguém há de comprar’. Agora dizem, ‘isso é ótimo e eu vou comprá-lo, vou ter isso em atenção para o meu próximo carro’. Na minha opinião, a viragem está a acontecer. Se olhar para as ednas de VE no primeiro trimestre, um aumento de 44%, creio que vamos ter 4 ou 5% do mercado este ano. A transição está a acontecer e não há nada mais falado atualmente nos EUA do que a mobilidade elétrica. É um tempo brilhante para nós, Volkswagen, para estarmos na America”.

Ainda sobre as novidades do plano Biden para incentivar a mobilidade elétrica, Keogh mostra-se “imensamente otimista”, considerando que a aquisição está a ser abordada em primeiro lugar, mas num bolo que compreende também o desenvolvimento da rede de carregamento e a posição dos EUA no emprego.

“O plano apresentado por Biden está a compreender o cenário completo. O primeiro elemento é a adoção, a aquisição, e isso está a ser posto em prática. Da forma como vejo o cenário, estamos numa pista de descolagem e os incentivos agora anunciados para a aquisição de carros elétricos vão ajudar as vendas a levantar voo. Depois, a rede de carregamento que será estruturada e, em terceiro, a mobilidade elétrica como forma de emprego, impregnada na cultura americana para as novas tecnologias e novas áreas de investigação”, refere.