Os Mini que percorreram mais de 90.000 km numa viagem à volta do Mundo

23/06/2021

Há cerca de 40 anos dois Mini regressavam de uma viagem à volta do Mundo, com um objectivo, angariar fundos para a pesquisa da doença do pólio, uma doença que resulta na paralisação de músculos, após a ingestão do vírus através de água contaminada. Esta expedição ficaria conhecida por Transworld.

Para a aventura foram doados dois Mini 1000 pela British Leyland, com os nomes Jack e Jill, e aos seus comandos estavam Tony Clarke e Tim Ferris. A aventura foi coberta pela BBC no programa Nationwide, com um cameraman a seguir a viagem. Além destes, algumas celebridades também se juntaram, como a Princesa Anne e o músico Ian Dury, que tinha contraído a doença aos sete anos.

Os Mini foram preparados no concessionário da Leyland Mumfords, em Truro, e foi aí que Clarke ficou impressionado pelas capacidades do aprendiz de mecânico Ferris, convidando-o para condutor do segundo automóvel. Ferris também já tinha experiência em aventuras, pois competia nos ralis locais com um Mini Cooper S.

 

No Verão de 1980, os Mini foram aos Lime Groove Studios, da BBC, para ser dada a partida oficial da aventura. A primeira paragem foi em Paris, para irem buscar o primeiro cameraman e os vistos para passar para a Argélia, apesar do perigo devido às tensões entre esta e Marrocos. Ao final de cinco dias, lá conseguiram os vistos e os Mini seguiram para Marselha, para serem transportados para a Argélia, onde se iniciava a primeira grande aventura, com a travessia do deserto do Saara. Aqui, era proibido atravessar o deserto sozinhos, então os Mini tiveram de se juntar a um comboio francês para prosseguir a viagem.

Foi no deserto que as coisas começaram a tornar-se complicadas, com os Mini a terem de parar várias vezes, pois não estavam preparados para a agressividade do terreno. Eventualmente, o comboio francês abandonou-os quase sem comida, aparecendo posteriormente um grupo de ex-militares alemães em veículos 4×4 que os rebocaram até Níger, mas levaram-lhes o dinheiro todo que tinham para a viagem.

A 5 de Junho chegaram a Lagos, onde ficaram à espera de peças suplentes vindas da Inglaterra, pois os Mini já tinham gasto todas as peças como rolamentos, travões e amortecedores, que tiveram de ser trocados seis vezes devido ao pó do deserto. No entanto, aqui enfrentaram outro problema, as chuvas intensas tornaram as estradas intransitáveis, mesmo para camiões, não restando outra opção que meter os Mini num Boeing 747 da Pan Am e descarrega-los em Nairobi, onde os automóveis e os equipamentos foram apreendidos sem razão, sendo só libertados uma semana depois.

A viagem deveria prosseguir para do Quénia até à Tanzânia e depois Malawi, mas devido a problemas de segurança, foi decidido seguir pelo Parque Nacional de Serengeti, onde os britânicos se depararam com um verdadeiro safari. Devido às fracas estradas, demoraram nove dias até chegar ao Malawi. Após acamparem no Lago Malawi, a equipa seguiu para Zimbabwe, através da Zâmbia e da Barragem do Kariba. Na capital a equipa teve de trocar os motores aos Mini, pois os mesmos não estavam a aguentar a pressão exigida. Os novos motores eram 1275cc, com mais potência, e a equipa melhorou a preparação dos automóveis, com protecções do cárter e filtro de ar de camião.

Após passarem pela África do Sul, os Mini atravessaram o Oceano Atlântico, até Montevideo, no Uruguai. Já no Brasil, entre Porto Alegre e Rio de Janeiro, a condução ficou mais desafiante, devido aos grandes comboios de camiões, que não dava para ultrapassar e a polícia local andava atenta a todas as transgressões da equipa. Outro grande problema, foi o combustível de baixa qualidade, que danificava o motor, além de as bombas de abastecimento ficavam bastante longe umas das outras.

Um dos grandes desafios desta etapa pela América do Sul, foram os quase 5 mil km em estrada de terra onde, em alguns dias, andavam apenas 15km devido ao mau estado das mesmas, a juntar a todas as tempestades que estavam a apanhar. Na selva, entre Itaituba e Jacareacanga, tiveram uma semana à espera dos cones da suspensão, que já tinham sido substituídos três vezes. A própria lama, que se acumulava nas cavas das rodas, funcionava como travão e os Mini tinham de ser levantados várias vezes para retira-la. A má qualidade dos combustíveis provocou diversos problemas graves nos motores, sendo que os Mini tiveram de ir para Manaus, para serem reparados, algo que demorou seis semanas.

Após isso, a equipava estava pronta para a próxima etapa, que eram os 2700km até Caracas, na Venezuela. No Equador um dos Mini teve problemas de travões, fazendo diversos quilómetros a travar só com a caixa de velocidades, até que esta cedeu e o Mini continuou os restantes 1250km a ser puxado pelo outro Mini.

Chegados a Caracas, os Mini seriam transportados para Miami, onde iriam fazer a viagem até Los Angeles, onde seriam, posteriormente, levados para Singapura onde ficariam num concessionário da Leyland para serem preparados para a etapa na Ásia, com uma reconstrução total dos automóveis, onde incluiu motores todos refeitos, assim como a substituição de todos os componentes dos travões, suspensão e charriot. Exteriormente, também foram substituídos os para-brisas, faróis e as buzinas.

Os Mini arrancaram de Singapura em Fevereiro e no início de Março já estavam na Tailândia. Da Malásia, os Mini foram transportados para a India. No Irão as pessoas eram muito simpáticas, mas tal como recorda Clarke, a cada 100km eram parados pela polícia até irem para uma esquadra para verem os passaportes. Esta foi a última pedra no caminho da equipa, que após passar as montanhas na Turquia com neve, entraram na Europa, rumo a França, após 13 meses de viagem, conseguindo angariar 25 mil libras para a campanha solidária.

Quando voltaram para o Reino Unido, os Mini ficaram num edifício que pertencia à Mumfords indo, posteriormente, para um museu local, onde ficaram em exposição. O museu acabaria por fechar e os Mini ficariam vários anos numa garagem onde, devido à humidade, rapidamente começaram-se a degradar. Numa certa altura, iniciou-se um processo de restauro, até a mecânica do Mini Jill foi retirada, mas nunca chegou a avançar mais e os componentes permaneceram no seu interior. Os automóveis estavam completos, tal como chegaram da expedição, mas necessitavam de um grande restauro.

Em 2014, apareceram pela primeira vez à venda na plataforma eBay e, em 2017, ambos finalmente encontraram uma nova casa. O restauro foi iniciado, com o objectivo de salvar o máximo de peças originais possíveis. Todos os painéis foram mantidos, mas como foi necessário proceder à decapagem a pintura teve de ser refeita, totalmente à mão, tal como na época.

Durante o restauro, descobriu-se que originalmente os Mini estavam equipados com motores de 998cc, mas em África foram substituídos por uns do Morris Marina, devido ao melhor sistema de filtragem do óleo. Tudo o que foi montado para a expedição, como as rollbars, o snorkel e a rack foram restaurados e mantidos os originais. Já o interior, recebeu backets Corbeau e cintos de quatro pontos, no entanto, os bancos originais foram preservados e guardados.

Após dois anos de restauro, os dois Mini ficaram terminados, sendo apresentados no London Classic Car Show, em 2019. E assim foram salvos dois Mini importantíssimos para a história.

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