“The World is our garden” – o mundo é o nosso jardim – podia ler-se na traseira de uma autocaravana que seguia à nossa frente à saída de Santa Eulália, poucos quilómetros antes de Elvas. Será uma das coisas boas de andar de moto, isto de ter disponibilidade para reparar em pormenores que noutras circunstâncias nos passariam ao lado. Sem a distração do rádio, do telemóvel ou até das conversas com os companheiros de viagem, ficamos entregues aos nossos pensamentos e, claro, à paisagem.
Neste caso, uma paisagem marcada pelo Alentejo rural, mundo que aqueles caravanistas, por breves instantes à nossa frente, estavam a descobrir devagar. Não que fôssemos depressa, longe disso, mas de moto o ritmo é outro. Um pouco mais acelerado, se quisermos. E neste caso quisemos mesmo. Comandados pelo tour líder Ricardo Macieira Coelho, não demorou muito a ultrapassarmos a caravana.
Já com a traseira da caravana para trás, a frase acompanhou-nos ainda por alguns quilómetros. Em tese, o mundo será sempre o nosso jardim, mas quantos se aventuram a deixar os seus “quintais” e partir à descoberta? Andar de moto tem muito essa vertente. É fácil deixarmo-nos levar por novos caminhos, mesmo que não sejamos nós a trilhar o destino. Neste caso, a “condução” está a cargo de Ricardo e da Hertz Ride, um serviço pioneiro, chave na mão (ver caixa), que nos leva a sul, com destino a Sagres e passagem por alguns dos locais mais emblemáticos de um Alentejo “fortificado”.
Um Alentejo que pode apanhar muita gente desprevenida. Se é verdade que quando pensamos na região nos vem à cabeça as suas imensas planícies – ou, se formos adeptos do mar, a sempre especial costa alentejana – não é menos verdade que esta é uma região marcada pela presença de edificações, muralhas e castelos, quase todas elas em muito bom estado de conservação e algumas de estilos (e épocas) bem diferentes. Dos Romanos aos Espanhóis, passando pelo Árabes e até pelos Vândalos, todos quiseram dominar aquilo que hoje é território português. De todos eles há vestígios – mais ou menos evidentes – um pouco por todo o Alentejo e Algarve. Uma viagem que é também uma lição de história.
Dia 1Com saída de Lisboa rumo ao Sul, a primeira paragem acontece Setúbal, rumo ao ferry que nos havia de levar a Tróia, depois da sempre especial passagem pelas estradas da Serra da Arrábida onde, para além da vista incrível, se destaca o Convento da Arrábida, morada dos Monges Franciscanos que ali permaneceram entre 1542 e 1834, altura em que foi decretada a extinção das ordens religiosas.
De Tróia seguimos em direção a Arraiolos para o primeiro contacto com a gastronomia alentejana e com o primeiro de muitos castelos “conquistados” ao longo destes dias.
Mandado construir pelo rei D. Dinis no início do século XIV, o Castelo de Arraiolos é um dos poucos no mundo com uma arquitectura circular, proporcionando uma vista de 360 graus sobre a planície. Uma característica preciosa numa altura em que a prioridade era a defesa do território conquistado, mas muito útil também para o viajante contemporâneo que almeja conquistar o sempre disputado “like” de Instagram.
“Sim, Juromenha é nossa! Azar dos Távoras: eles – os espanhóis – ficaram com o combustível mais barato. Não se pode ter tudo”.
Dia 2
De Portalegre, também com o seu castelo altaneiro fundado por D. Dinis, partimos para um segundo dia que nos havia de levar até Monsaraz. Pelo caminho – e que caminho – fizemos uma paragem na maior cidade fortificada da Europa. Sim, Elvas ostenta esse título com o orgulho natural de uma localidade que foi palco de importantes acontecimentos da história do país. Na rota desta nossa conquista do asfalto seguiu-se Juromenha, cuja importância geopolítica ao longo dos séculos é justificada pela proximidade – e posição elevada – face ao Rio Guadiana. Foi, de resto, devido à sua posição estratégica na defesa das linhas fronteiriças, que a Fortaleza de Juromenha foi sendo sucessivamente atacada ao longo dos séculos, acabando por ficar definitivamente sob o domínio da Coroa portuguesa em 1808, depois de passar, entre outros, pelo domínio espanhol. Sim, Juromenha é nossa! Azar dos Távoras: eles – os espanhóis – ficaram com o combustível mais barato. Não se pode ter tudo.
Já depois de Vila Viçosa, seguiu-se um almoço calmo em Évora – e uma digestão feita em cima da mota, em direção à Barragem do Alqueva. Sempre dentro dos limites de velocidade, já que isto de conhecer o Alentejo deve fazer-se devagar. Ali chegados, é mais uma vez a paisagem que nos alimenta, o maior lago artificial da Europa. Mais uma paragem, mais uma foto, naturalmente. Imagens que se pintam com as cores sempre especiais desta região, refletidas num espelho de água que, não tendo sido consensual na altura, foi sem dúvida grandiosa ao ponto de ter feito submergir uma aldeia inteira, ao mesmo tempo que fez nascer uma outra com o mesmo nome e até a mesma disposição. Mas já lá vamos. Literalmente.
Não perca, amanhã, a segunda parte desta viagem de moto por Portugal.
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