Carlos Barbosa critica impacto de “aspetos paisagísticos” sobre mobilidade urbana

23/01/2018

Criticando a forma como a mobilidade nas grandes cidades portuguesas tem sido pensada nos anos mais recentes, Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP), refere que é fundamental começar a pensar as deslocações urbanas de maneira integrada sem que a componente paisagística se sobreponha às necessidades da mobilidade em si.

À margem da apresentação do estudo sobre o perfil do condutor português, feito pelo Observatório ACP, Carlos Barbosa falou ao Motor24, apontando alguns dos problemas mais graves da mobilidade urbana, referindo que alguns dos constrangimentos em termos de deslocações dentro da cidade são causados pela importância do aspeto paisagístico sobre os demais.

“Penso que a mobilidade em Portugal tem de ser estudada devidamente, porque tem sido mais estudado o aspeto paisagístico do que propriamente a mobilidade em si e isso tem prejudicado imenso toda a gente que se desloca, seja em transportes públicos, seja em automóvel, bicicleta ou motociclo. Veja-se o caso em Lisboa: foram retirados quilómetros de corredores BUS para colocar pistas cicláveis que não têm ninguém. É praticamente impensável que isto aconteça”, começa por referir o responsável máximo daquele que é o principal organismo de serviços aos condutores em Portugal. Barbosa criticou ainda o facto de se estar a tentar tirar as pessoas do interior da cidade, mas ao mesmo tempo, não lhe dando hipóteses de estacionar fora dela ou sem que os transportes públicos estejam à altura das necessidades.

“Não há parques dissuasores em nenhuma entrada da cidade para as pessoas deixarem os carros, não há silos ‘auto’ no meio da cidade para estacionarem e os transportes públicos, no caso de Lisboa, deviam ter cerca de 50 km de corredor BUS mas, pela própria conceção da cidade, não tem capacidade para os fazer, porque a fisionomia da cidade depois do terramoto, da maneira como foi construída, não permite ter um determinado número de vias para corredores BUS. Portanto tem de haver uma alternativa para tudo isto”, argumentou. Sobre alternativas, defende uma estratégia cuidada e em que todos os aspetos da mobilidade dos cidadãos seja acautelada.

“Não são as bicicletas partilhadas que vão resolver o problema, porque é uma cidade de sete colinas. Portanto é preciso resolver uma realidade, que é a de que as pessoas efetivamente usam o automóvel. Agora, vamos educar as pessoas a usar o automóvel para deixá-lo à entrada da cidade, em parques, para que utilizem os transportes públicos e métodos suaves, mas para isso as autoridades, quer as camarárias, quer as nacionais, têm de obrigar as pessoas a deixarem os carros, mas desde que tenham alternativas”, argumentou, observando então que aqueles que apelida de “homens do trânsito” são consultados unicamente no final dos processos, “depois dos arquitetos paisagísticos”.

“Chegou-se à conclusão, num estudo da FIA [NDR: Federação Internacional do Automóvel], que em 2040 haverá apenas 15% de carros elétricos nas estradas”

“A mobilidade não pode ser feita como tem sido feita até agora. Dou-lhe o exemplo de Lisboa: tudo o que tem sido feito tem sido feito pelo arquiteto Manuel Salgado e os homens do trânsito e da mobilidade, aqueles que conhecem a situação a sério, só são consultados depois dos arquitetos paisagísticos e isto não pode ser. Tem de ser ao contrário. Não há uma integração. Há razões políticas porque acham que são contra os carros, mas os carros continuam a existir, continuam a vir para a cidade. A própria lei das rendas e o Airbnb retiraram imensa gente das cidades e antigamente entravam 200 mil carros, agora entram 480 mil carros em Lisboa, por exemplo. E essas pessoas têm de vir trabalhar em Lisboa, têm de deixar os filhos na escola e arrumar os carros. Enquanto isso não for resolvido é uma ‘pescadinha de rabo na boca’”, referiu ainda.

Quanto a alternativas viáveis, Carlos Barbosa recorda que as mesmas são poucas, mencionando que, por exemplo, o metropolitano de Lisboa, no qual “já se deviam ter começado as obras há cerca de 30 anos para aumentar as estações para poder ter quatro e cinco carruagens, que era fundamental, está hoje em dia a arranjar escadas rolantes partidas. Não faz sentido”.

Proibição dos Diesel nas cidades “não faz sentido nenhum”

Por outro lado, abordando a questão das novas tendências na indústria automóvel, sobretudo no que diz respeito à motorização elétrica, cuja aposta tem sido enorme na grande maioria dos construtores automóveis, Carlos Barbosa é bastante cauteloso e aponta que o futuro, pelo menos a médio prazo, será feito com veículos híbridos.

“Esta excitação que houve com os veículos elétricos… Chegou-se à conclusão, num estudo que a FIA [NDR: Federação Internacional do Automóvel] fez, que em 2040 haverá apenas 15% de carros elétricos nas estradas. O futuro vai ser os híbridos, em que no fundo as pessoas têm 50 ou 60 km de autonomia para andar em modo elétrico e não poluir e depois quando vão para fora das cidades, podem ter um motor a combustão, seja Diesel ou gasolina. Ou seja, esta ideia de que a partir de ‘dois mil e tal’ não podem entrar carros Diesel nas cidades, onde a maior parte dos carros são a gasóleo, como é o caso de Paris, não faz sentido nenhum. Porque os próprios construtores hoje em dia têm um poder de tal maneira grande junto da União Europeia que nada acontece. Veja o que aconteceu agora na última legislação do CO2 em que os construtores já disseram que não iriam cumprir as novas metas porque não teriam capacidade para cumprir e a União Europeia fez um comunicado a dizer que se não cumprirem também não são castigados”, explicou.

Por fim, quanto a uma hipotética limitação da entrada de carros na cidade, o presidente do ACP considera que não há esse risco, dando o exemplo da cidade de Londres e da sua ‘Congestion Charge’, uma portagem que obriga ao pagamento de uma taxa para a entrada dentro da cidade: “Quando fizeram a ‘via verde’ para o centro de Londres, houve um presidente da câmara que quis aumentar o circuito. Já não foi eleito. Hoje em dia, estão a pensar acabar com ele, porque o sistema é de tal maneira caro de manter que as receitas das pessoas que entram pela ‘via verde’ não chega para pagar 50% do sistema, pelo que não justifica. A questão é resolver os problemas das pessoas que entram na cidade de Lisboa e dar-lhe alternativas, com parques de estacionamento, bons transportes públicos e locais de estacionamento. E o problema resolve-se. Repare-se no eixo central, estreitaram as vias brutalmente, tiraram 600 lugares de estacionamento. Como é que você quer fazer isso. É impossível…”, finalizou.