ANIECA: “A condução de um veículo autónomo exige mais formação do que um automóvel tradicional”

28/04/2020

Durante período de confinamento e a viver dias muito complicados, com as escolas suspensas da sua atividade, Fernando Santos, presidente da ANIECA, representante de 800 estabelecimentos de ensino automóvel, olha para o futuro do setor. E garante não ter receio da condução autónoma…

Com as escolas de condução ainda fechadas, devido ao novo coronavírus, e a ameaça de 100 milhões de euros de prejuízos a pender sobre a cabeça das empresas de um negócio que poderá perder 40% dos seus players, é agora tempo de as associações do setor olharem para o futuro pós-pandemia. As nuvens no horizonte são muitas e vão muito além da crise provocada pela covid-19.

“O ensino da condução em Portugal baseia-se num modelo em que o aluno recebe formação através de profissionais qualificados, em instalações adequadas para o efeito. A matéria é distribuída numa sequência que facilita a aquisição de conhecimentos, a qual é distribuída por uma carga horária mínima. Tudo foi criado para facilitar a aprendizagem. Contudo, isso produz uma carga burocrática, administrativa, organizacional e financeira muito grande. Este modelo é considerado pela generalidade dos nossos colegas europeus como um exemplo na formação de condutores. No entanto, um modelo desta natureza tem custos muito elevados. A maioria das escolas de condução são empresas pequenas, que satisfazem as necessidades locais (poucos clientes) e que, por isso, lutam com grandes dificuldades financeiras”, adianta Fernando Santos, presidente da Associação Nacional dos Industriais do Ensino Automóvel (ANIECA) ao Motor 24. Segundo conta o responsável, o ensino online já podia ter conquistado mais força. “A legislação atual já prevê a possibilidade de uma parte significativa da formação teórica (16 horas) ser ministrada com recurso de plataformas de formação à distância. Apenas se impõe a formação presencial nas matérias respeitantes à área comportamental. A ideia é promover o debate, para que os candidatos obtenham uma atitude adequada face à circulação rodoviária. A ANIECA desenvolveu uma plataforma de formação à distância, que disponibilizou gratuitamente aos seus associados. Esteve em funcionamento durante cerca de oito anos, mas tivemos de a encerrar por falta de adesão”, afirma o presidente da associação que representa 800 escolas de condução.

Futuro é bem-vindo

O futuro do ensino automóvel terá ainda de enfrentar outros desafios no futuro. Desde os veículos elétricos, passando pelos partilhados e terminando nos autónomos?

“As novas tecnologias automóveis não são um problema. Pelo contrário, as escolas de condução e os instrutores sempre souberam adaptar-se e recebem formação regularmente”, garante Fernando Santos. “Hoje em dia, consegue encontrar-se na instrução veículos com as tecnologias mais modernas. Os automóveis elétricos são muito bem-vindos e até permitem uma redução significativa dos custos das escolas de condução. Só não têm ainda mais expressão, porque um aluno que receba formação num veículo elétrico fica restringido a conduzir veículos de caixa automática, uma vez que aqueles veículos não possuem mudanças manuais”, acrescenta.
O condutor deve ter consciência que, quando ligar a função autónoma, não poderá desligar-se da condução. Nesta fase, a condução de um veículo autónomo exige muito mais atenção do que os restantes veículos

Quanto aos veículos autónomos, “a ANIECA está representada no grupo de peritos da CIECA que tem dedicado o seu trabalho a esta matéria. Temos feito vários testes, com veículos dos níveis 2 e 3, em diferentes ambientes rodoviários e condições climatéricas. Também fazemos parte do grupo de trabalho VMDA (Validation Methods Automated vehicles) da UNECE (Comissão Económica das Nações Unidas para a Europa) que está a criar os critérios e modelo de avaliação a que passarão a estar sujeitos estes veículos antes de circularem na via pública. A verdade é que, apesar de alguns destes veículos serem capazes de circular momentaneamente de forma autónoma, possuem ainda grandes limitações. Assistimos a ‘comportamentos’ erráticos regulares, com mudanças de direção e travagens bruscas em ambientes menos perfeitos (ausência de marcas rodoviárias) ou quando os sensores estão sujos (chuva, neve)”, explica. E concretiza.

“Na realidade, a condução de um veículo autónomo exige mais formação do que um veículo tradicional. Tome-se como referência o meio aeronáutico: grande parte dos aviões comerciais consegue levantar, voar e aterrar autonomamente. Mas nunca se abdicou da presença de pilotos altamente qualificados. Durante muitos anos continuarão a existir veículos tradicionais. A missão das escolas de condução passará por continuar a preparar os candidatos para conduzir e para compreender/utilizar os diversos componentes. O condutor deve ter consciência que, quando ligar a função autónoma, não poderá desligar-se da condução. Nesta fase, a condução de um veículo autónomo exige muito mais atenção do que os restantes veículos. Estamos, neste momento, muito preocupados com todos os condutores habilitados há mais de cinco anos. Além de desconhecerem as novas regras e sinais de trânsito, não sabem como funcionam ou como utilizar os ADAS (sistemas de apoio avançado à condução) que equipam as suas viaturas”, sublinha Fernando Santos.

De acordo com Fernando Santos, o futuro das escolas de condução passará por três áreas “fundamentais”. Quais?

“Formação para conduzir os veículos tradicionais; formação sobre os sistemas de condução autónoma e ADAS (Advanced Driver Assistance Systems); e atualização de condutores”, avança o presidente da ANIECA, que deixa um lamento. “O ensino da condução tem a particularidade de ter sido o primeiro setor a ter a sua atividade totalmente suspensa e de ser um setor esquecido, pelo Governo, pela banca e por outras entidades com responsabilidade no setor. Um setor que é essencial para a formação e segurança rodoviária não pode ser votado ao esquecimento na presente crise”, sublinha.