Marília Santos, 49 anos, é a primeira mulher diretora-geral da Volkswagen Portugal. Conta como a crise dos semicondutores está a afetar o setor pede ao novo governo incentivos para os carros elétricos. “Os construtores investiram, já fizeram a sua parte.”

 

 

Começamos pelo tema que tem preocupado a indústria, a crise dos semicondutores e a alta dos preços das matérias-primas. Como está a afetar o mercado automóvel?
Está a condicionar toda a indústria automóvel, na Volkswagen claro que também está a condicionar e não sabemos se a situação se vai resolver daqui a um mês, dois meses, seis meses ou um ano. Estão a ser trabalhadas alternativas com parceiros, com desenvolvimentos, para fazer face à falta deste componente. Portanto, existem planos em curso, mas não existe uma data definitiva de quando esta situação vai ficar completamente resolvida.

Quantos meses espera hoje um cliente por um automóvel?
Temos tempos de entrega que variam entre quatro, oito ou doze meses, depende da linha de produção. Estamos numa viragem do setor automóvel, basta reparar que nos últimos anos havia uma maior oferta do que procura. Agora estamos numa fase em que não há tanta oferta, portanto, estamos a fazer aquilo que é a carteira de encomendas. Neste momento, toda a produção está a ser direcionada para entrega a clientes e isso é público, temos prazos de entrega em alguns modelos que atingem doze meses.

Isto acontece também porque a Europa, e não só, estava muito dependente da China. No início da pandemia, a Europa comprometeu-se a desenvolver uma política de industrialização, precisamente para colmatar a dependência do Oriente. É isso que está a faltar para a Europa ser autónoma?
É exatamente essa a palavra. O que esta situação nos mostra é que não somos autónomos. Temos um setor automóvel muito desenvolvido na Europa, estamos todos a trabalhar para atingir as normas em termos de emissões de CO2 e todos os compromissos que todas as marcas têm de atingir, mas não somos autónomos. Portanto, tudo isto fará certamente pensar a indústria automóvel relativamente ao tempo de produção que precisa de assegurar, relativamente a parcerias que tem de desenvolver e terminarmos com esta dependência que agora mostrou ser uma fragilidade no setor automóvel.

A Alemanha é o motor industrial da Europa e a Volkswagen é uma marca alemã. Tem pressionado para acelerar esse plano?
A Volkswagen, enquanto construtor com a importância que tem, está a fazer tudo aquilo que é possível fazer e todas as capacidades que tem para desenvolver. Internamente está a trabalhar em programas próprios de marca e de grupo para fazer face a esta situação. Mas, neste momento, não há uma data concreta para a resolução desta questão dos semicondutores porque, de facto, foi algo que surgiu como uma surpresa. Hoje, de todos os produtos que precisam de semicondutores, a prioridade não está a ser dada aos automóveis, é algo que temos de respeitar e, portanto, está a trabalhar-se numa série de programas de marca e grupo para fazer face à situação.

A Volkswagen e outras marcas estarão a desenhar, eventualmente, carros que precisem de menos semicondutores?
Existem alguns projetos nesse sentido, alguma adaptação, mas temos de ter uma preocupação muito assente no cliente. Não podemos entregar ao cliente algo de que ele não estava à espera. Estamos a trabalhar para entrega de viaturas que foram encomendadas há dois, três ou quatro meses e, portanto, o cliente encomendou um determinado produto, pelo que é expectável receber esse produto. Uma das nossas grandes preocupações é a experiência do cliente e a sua satisfação, portanto, esse equilíbrio tem de ser muito bem ajustado. Para produções que respondam a clientes que já têm encomendas não se pode fazer essa alteração, mas para produtos futuros sim, a tecnologia está sempre a evoluir e permitirá ter alguma eficácia nesse sentido.

“Todas as marcas, incluindo a Volkswagen, tentam fazer um equilíbrio entre produto e preço. Mas não conseguimos absorver todos os custos [matérias-primas, energia, etc.] e terão de transitar para o cliente.”

Estamos perante o alto preço das matérias-primas, a falta de semicondutores, o elevado preço da energia. Como tudo isto se tem refletido no preço final para o consumidor e o que prevê para este ano?
Reflete-se no preço do consumidor. Todas as marcas, incluindo a Volkswagen, tentam fazer um justo equilíbrio entre o produto que oferecemos ao cliente e aquilo que é o nosso posicionamento de preço. Mas não conseguimos absorver todos os custos, porque não são custos que colocamos, são custos que nos são impostos, e esses sim terão de transitar para o cliente.

Em 2021 já transitaram em que média no preço final?
Entre 1,5% a 2%, talvez.

Em 2022 poderá agravar?
Relativamente a 2022, a esta data, talvez 1,5%, mas é muito mês a mês porque não existe uma previsão efetiva de tudo aquilo que iremos ter disponível. Não depende de um construtor só, não depende de nós porque dependemos de muitos fornecedores. Apesar de continuarmos a desenvolver muita tecnologia interna, certamente não dará resposta imediata num curto espaço de tempo.

 

Passando dos fatores externos para os internos, o que mais dificultou o crescimento do setor automóvel no último ano, em Portugal?
No último ano, ao nível dos clientes privados, houve oportunidade para o crescimento porque com a pandemia houve uma maior preocupação em ter viatura própria – no início, havia muito o medo de andar de transportes públicos -, o que fez que o mercado de usados crescesse imenso. Por outro lado, sabemos que a seguir vem, possivelmente, uma crise financeira e as pessoas começam a ser um bocadinho mais ponderadas na aquisição de uma viatura nova. Portanto, não existem estatísticas oficiais em Portugal, mas os privados têm um decréscimo face aos últimos anos, fruto desta situação de 2019 e 2020. Ao nível das empresas há uma oportunidade porque aumentou muito o canal de distribuição de bens de consumo. Há aqui, então, um potencial ao nível das empresas. O mercado onde notamos uma tendência de quebra e até de acesso a produto, é ao nível dos privados.

Estima que isso venha a alterar-se em 2022 com a retoma natural pós-pandemia ou os hábitos de consumo realmente alteraram-se?
Antes da pandemia, vínhamos numa vaga crescente do aluguer, sobretudo as camadas mais jovens: se necessitam de um carro alugam, não têm tanto o sentimento de posse. O que aconteceu com esta pandemia é que andámos um bocadinho atrás e, porque queremos estar mais seguros, voltamos a considerar ter uma viatura. Portanto, penso que em 2022 não vamos ter grandes variações versus a tipologia de consumo que aconteceu em 2020/21. O crescimento de mercado está muito ligado à disponibilidade de produto. Neste momento, o crescimento de mercado não está tanto com o posicionamento, mas com a capacidade de disponibilidade de produto das marcas automóveis.

“Mercado automóvel só deve regresar aos níveis pré-pandemia dentro de dois ou três anos.”

O que prevê para o crescimento das vendas para 2022?
Diria que, e são dados oficiais da ACAP, o mercado de passageiros no ano passado terminou em 145 mil unidades e não acredito que o mercado no próximo ano chegue aos 200 mil, que é aquele número que o mercado automóvel em Portugal fica bem, mas acho que será entre os 145 mil e os 200 mil.

Quando considera que o mercado poderá voltar aos números pré-pandemia?
Penso que dois ou três anos, acreditando que vamos ter uma retoma, acreditando que tudo são fatores positivos.

 

Que novidades poderá a Volkswagen lançar no mercado automóvel em 2022? Falou dos jovens, essa é uma camada a que irá responder com novos automóveis?
Sim, mesmo em 2021 em pandemia, lançámos alguns automóveis. Lançámos o ID.4, que aumenta a oferta elétrica e que é uma marca dentro da Volkswagen, e lançámos o novo Polo. Portanto, foram dois lançamentos que correram extremamente bem e que fizeram que a marca, no final do ano, tivesse um crescimento em média superior aquele que foi o crescimento do mercado.

Traduzindo isso num número, foi um crescimento de quanto?
De 1%, mais ou menos. O mercado cresceu um ponto percentual e a Volkswagen cresceu 7,8%. Estamos já em época de pré-lançamento e vamos trabalhar esta camada mais jovem com um novo produto que se insere nos segmentos dos pequenos SUV, que é o Taigo, um carro disruptivo, com linhas muito jovens e muito aerodinâmicas, com toda a tecnologia a bordo e que é, sobretudo, dedicado a estas camadas mais jovens. Um dos objetivos da Volkswagen também é rejuvenescer a marca e torná-la mais jovem e, portanto, mesmo o estilo de comunicação deste produto vai ser muito alinhado nisso.

Não é elétrico?
Não, não vai ser elétrico. Mas, hoje em dia, ao nível dos elétricos, temos o ID.3, o ID.4 e vamos lançar o ID.5. Portanto, logo passado um mês vamos ter mais um produto na gama de elétricos e assim ficamos com a família ID. Depois, temos um outro lançamento muito importante que é o novo T-Roc, fabricado na Autoeuropa, que foi o modelo mais vendido da Volkswagen no ano passado. O made in Portugal foi valorizado e vamos lançar um novo T-Roc em Portugal, também só ao nível dos combustíveis térmicos, não tendo ainda uma versão elétrica. Este ano, inclusivamente, com uma série especial alusiva a Portugal e trabalhar este conceito da portugalidade que achamos que é uma mais-valia. Em resumo, vamos ter três lançamentos, um 100% elétrico e dois dentro da gama dos térmicos.

Já têm um calendário?
O primeiro está a acontecer agora, em fevereiro, o T-Roc será em março e depois entre abril e maio o ID.5.

 

Como será esse T-Roc com uma alma mais portuguesa? Detalhes?
A viatura é fabricada em Portugal e estamos a desenvolver programas com a Autoeuropa em que vamos criar uma série de conteúdos e todos os clientes e potenciais clientes, vão ter acesso a todo o processo de produção do carro. Estamos a criar muitas iniciativas para aumentar a experiência cliente, que permita que contacte com o seu próprio carro. Inclusivamente, estamos a avaliar poder ter clientes nas instalações da Autoeuropa, que é algo que está em avaliação com a administração da fábrica. Mas é algo que pensamos que vai ser efetivo. O próprio cliente valoriza muito esse tipo de iniciativas. E depois não deixa de ser um carro 100% português.

Haverá algum tipo de incorporação de produto nacional? Estou a lembrar-me, por exemplo, da cortiça ou outro produto?
Possivelmente sim, mas não lhe sei dar detalhes da construção.

“O incentivo ao abate tal como era não se adequa, mas deve voltar como incentivo à aquisição de elétricos.”

Na sua opinião, em termos de fiscalidade o que é que o novo governo – que acaba de ser eleito e tomará posse este mês – deveria fazer como primeira medida?
O que vão fazer não sabemos, mas podemos conjeturar. Ao nível do setor automóvel têm de ser criadas medidas de incentivo aos elétricos e ao PHEV [veículo híbrido elétrico plug-in). O parque automóvel em Portugal é muito envelhecido, salvo erro, com 12 anos. Há uns anos, com para esta média de idades, houve um programa específico. E agora há muitos anos que não temos um programa específico.

Está a referir-se ao apoio ao abate?
Foi o programa que houve na altura. Penso que nesta altura, seja esse ou um outro programa, o que é preciso na realidade é perceber que a indústria automóvel, e no caso concreto da Volkswagen mas também de outros construtores, houve um forte investimento naquilo que nos é exigido, ou seja, emissões zero na produção e desenvolvimento de tudo o que é tecnologia de viaturas elétricas. E esse trabalho foi feito e, portanto, referi há pouco o ID.3, ID.4, ID.5, vários produtos PHEV, desde o Golf, desde o Arteon, desde o Tiguan, portanto, temos uma oferta completa. O que falta a esses produtos são os apoios para que as pessoas os possam adquirir. Porque, efetivamente, um produto que foi desenvolvido nos últimos anos não tem a acessibilidade que tem um produto que está no mercado há muitos anos. Há um esforço do setor automóvel em desenvolver os produtos, mas tem de haver alguns apoios, como existem noutros países. Embora existam apoios em Portugal, são muito residuais e terminam nos três primeiros meses ou, pelo menos, no anterior Orçamento do Estado assim acontecia. É preciso reforçar os apoios que existem às empresas e aos privados. Hoje em dia, se eu tiver um carro com 12 anos não há nenhum incentivo que me leve a trocar de viatura. Posso ter uma viatura com 12, 15 ou 20 anos e que ecologicamente não faz sentido nenhum, nem me identifico com a viatura, mas o meu rendimento mensal não me permite aceder a uma viatura elétrica porque ainda tem um custo elevado e não há nenhum incentivo. E aqui teria de haver algum incentivo, porque estamos a trabalhar para as cidades verdes, Lisboa é um exemplo disso. Estamos todos muito com a bandeira da ecologia, o que faz todo o sentido, mas tem de haver apoios. A média de salários em Portugal não permite a um cidadão médio adquirir uma viatura elétrica como adquire uma viatura do segmento B, de um segmento de carros mais pequenos, a gasolina por exemplo.

Para clarificar, incentivo ao abate deveria regressar mas renovado?
O incentivo ao abate poderia ser modernizado, poderia ser um incentivo à aquisição de viaturas ecológicas, um incentivo um bocadinho diferente. Seria um incentivo a comprar carros elétricos ou PHEV, mais dentro de tecnologias de combustíveis limpos. E esses incentivos deveriam existir porque se não, não vamos conseguir lá chegar.

No seu entender, há um desfasamento entre a exigência feita junto dos construtores e as políticas públicas?
Há. As normas são ditadas, mas é preciso haver equilíbrio porque é uma grande mudança e tem de haver suporte a toda a sociedade para que se possa adquirir estas viaturas. Vamos ver o que sai no próximo plano do governo, mas acho que o incentivo ao abate, como ele era, hoje em dia não se adequa. Com a tendência ao nível de emissões, acho que seria muito mais um incentivo à aquisição de viaturas ecologicamente sustentáveis.

Acredita que com este novo governo a indústria ganhará esse braço-de-ferro?
Isso não sei, mas acho que faz sentido. É quase uma questão de racionalidade e de olhar para aquilo que é exigido e para o que depois se dá como disponibilidade a todas as pessoas. É uma medida urgente. O que acontece é que há franjas do mercado que hoje já compram – os elétricos representam entre 12% e 15% -, há pessoas que têm acesso aos elétricos, as empresas também porque têm algumas vantagens fiscais. Mas depois há pessoas que não têm capacidade imediata ou porque não é prioridade ou porque não têm capacidade para lá chegar. Portanto, não se pode continuar a dizer que vamos todos caminhar para viaturas elétricas e esquecer que continua a haver um histórico muito grande de viaturas com 12 ou 15 anos. Isto é um ciclo, e há uns anos houve o ciclo do abate, e agora teria de haver um programa específico para alinhar este desfasamento que existe. Porque o problema não é as viaturas que estamos a vender agora, são as viaturas que estão a circular e para essas é preciso fazer algo.

“A Volkswagen está a desenvolver o projeto Way to Zero que passa pelos automóveis e fábricas. A partir de 2030, todas as fábricas – à exceção da China -, vão trabalhar sobre energias completamente limpas.”

A propósito das alterações climáticas e da eletrificação, que projetos tem a Volkswagen para os próximos dois a três anos ainda neste caminho da descarbonização?
A Volkswagen está a desenvolver o projeto Way to Zero que passa, não só pelos automóveis, mas pelas fábricas. Portanto, tudo caminha ao nível de menos emissões CO2, energias verdes, ou seja, todo o projeto, não só na construção automóvel, mas também ao nível das fábricas. Para lhe dar alguns dados, a partir de 2030, todas as fábricas – à exceção da China, há aqui uma pequena exceção -, vão trabalhar sobre energias completamente limpas. Hoje em dia, para o ID.3 e o ID.4, as baterias já são produzidas e fabricadas com base em energias limpas. Portanto, existe um investimento muito grande e o compromisso é até 2030 versus 2018, 40% de redução em relação às emissões de CO2 na produção de um automóvel. É imenso, é quase metade, portanto reduz-se em 40% na produção do automóvel em tudo o que é as emissões CO2 que eram produzidas. Depois existe também todo o plano de produto, no qual também até 2030, 70 modelos elétricos e 60 modelos PHEV, não só Volkswagen, mas no grupo todo. Não só por estar na Volkswagen, mas porque me identifico no projeto, acho que estamos um passo à frente. Hoje em dia, a oferta dentro do grupo – apesar de eu estar aqui apenas enquanto Volkswagen -, é uma oferta muito grande, temos uma oferta completa. Existe todo este plano que vai até às pessoas, inclusive, até nos nossos escritórios já temos as medidas básicas de preocupações ambientais. Portanto, é uma preocupação grande que vai desde as fábricas às produções, aos automóveis e das próprias pessoas.

Esse é o novo caminho verde, mas a Volkswagen atravessou o polémico processo dieselgate. Esta aposta é uma forma de alterar essa perceção ou ainda há feridas do passado na marca?
Não, isto é uma aposta para se adaptar às novas realidades do mercado automóvel. O processo dieselgate aconteceu e está a ser tratado como tem de ser, não vou comentar mesmo o processo. Está a adaptar-se à nova realidade e hoje o caminho da Volkswagen está identificado, que é o Way to Zero, zero emissões desde a produção às pessoas e às fábricas. E é nesse sentido que continua a desenvolver todos os projetos ao nível da mobilidade, da tecnologia, do desenvolvimento tecnológico, etc.

A capital tem um novo autarca, Carlos Moedas, e a cidade enfrenta o desafio da gestão da mobilidade. Que expectativas tem para Lisboa?
Como disse há pouco tem de haver apoios para os privados e para as empresas, mas também pode haver apoios para tudo aquilo que são as frotas para transporte de pessoas. As autarquias e o Estado podem trabalhar nesse sentido. Não faz sentido, por exemplo, continuarmos a ter redes como a Uber ou táxi ou esse tipo de transportes [poluentes], e não terem também apoios reforçados para a aquisição de viaturas elétricas. Não se pode decidir ter cidades verdes sem ter todo este plano estruturante, porque efetivamente ele tem de existir. Percebo que as pessoas não possam entrar de carro nas cidades, mas têm de ter acessibilidade às cidades, caso contrário ficariam completamente desertas. Têm de ser criadas as condições de aquisição para quem circula nas cidades. Por exemplo, no transporte de mercadorias, as pessoas terão de continuar a entrar nas cidades para repor stocks. Tem de haver incentivos para as empresas adquirirem viaturas que lhes permitam fazer esse tipo de abastecimento. Tem de haver aqui um plano autárquico e de governo que tenha todos esses incentivos. Parece repetitivo, mas de facto não é. Precisam-se incentivos efetivos que permitam às pessoas e às empresas fazerem esta transição de energia.

Está a sugerir que haja algumas alterações no Orçamento do Estado, ainda a tempo desta legislatura?
Penso no setor automóvel e sim, terão que haver apoios para que seja possível aumentarmos a nossa pegada ecológica de forma sustentada, claro.

A Volkswagen está a fazer um investimento num hub tecnológico em Portugal. Que relevo tem?
Estamos a falar de uma aposta no desenvolvimento da tecnologia e numa aposta de continuar a trabalhar no futuro. E, em primeiro lugar, uma aposta em Portugal, o que é muito importante, porque o nosso país continua a ser atrativo. E, depois, faz parte do grupo ter todos estes desenvolvimentos em tecnologias, das novas plataformas, novos desenvolvimentos em mobilidade, a ligação entre nós e as viaturas – hoje em dia, muito mais que ter uma viatura é a forma como nos conectamos com a viatura. Se já temos uma série de aplicações que nos permitem estar conectados com as viaturas, isso vai aumentar muito mais. É um desenvolvimento muito grande, ainda bem que aconteceu em Portugal.

A aposta no digital é também um dos pilares do PRR, a dita bazuca. Qual é a sua expectativa relativamente à aplicação desse plano em Portugal? Que efeitos poderá ter na indústria automóvel?
Terá de servir como incentivo para continuar a desenvolvê-la. Terá de servir como incentivo a todos neste setor e em todos os outros. Não faz sentido estar a fazer desenvolvimentos num setor muito específico sem fazer em toda a cadeia. E, portanto, quando se fizer um incentivo ao digital, ele tem de ser 360 [graus].

E qual pode ser a dificuldade e a oportunidade?
Ao nível da ecologia, que é um fator muito, importante, e voltando aos elétricos, a maior dificuldade poderá ser a infraestrutura. Para lhe falar da infraestrutura, sentimos que os incentivos farão todo o sentido se tiverem a infraestrutura necessária. Mas, no que toca aos elétricos, atualmente deparamo-nos com uma realidade muito atípica: em Lisboa e no Porto tudo isto funciona, mas fora das grandes cidades nada disto funciona. Para todo este projeto é preciso um levantamento de infraestruturas. Implica investimentos estruturais que terão de ser assegurados antes de pôr em prática medidas.

O país caminha para uma nova legislatura que vai começar em breve e temos um governo de maioria absoluta. E, até porque representa um investidor, se uma maioria absoluta pode ser a estabilidade que os investidores procuram? Ou é indiferente? Qual é a sua leitura deste enquadramento político?
Acho que em Portugal temos assistido a muito investimento estrangeiro nos últimos anos. Continua a ser um bom país para investir, nem que seja pelo nosso clima e também porque sabemos que temos excelentes capacidades de mão-de-obra, temos é de conseguir retê-la. Penso que, do ponto de vista teórico, uma maioria absoluta tem as suas vantagens porque dá alguma segurança, mas, por outro lado, também coloca algumas dúvidas, porque a decisão que também pode ser vista como decisão única. Acho que todos os investidores irão colocar na balança e pesar os prós e os contras e irão pensar muito mais o investimento como um todo. Será tido em conta, certamente, mas não será fulcral. A decisão passará muito mais pela capacidade de desenvolvimento, pela capacidade tecnológica do país e pela capacidade de resposta em termos de formação. Também a rede de ligação que temos a outros países. Por um lado há um fator de estabilidade, mas depois também há o facto de não deixar de ser uma maioria absoluta, com poderes totais para decidir.

Todos os setores têm vindo a lamentar a falta de mão-de-obra disponível em Portugal. Como a Volkswagen tem lidado com esta situação?
Estou na Volkswagen há cerca de um ano e temos processos de recrutamento e sim, existem formações e processos de integração nas empresas e eu própria fui alvo disso. Existem formações internas, existe sempre coaching com as equipas e temos conseguido ter acesso às pessoas. O nosso departamento de recursos humanos tem conseguido obter resposta à procura que é solicitada.

Estão a recrutar neste momento?
Sim, para algumas funções. Os nossos recrutamentos são públicos, através do LinkedIn.

Quantas vagas têm em aberto?
Devemos ter umas quatro ou cinco vagas. Mas é muito fácil de ver no nosso LinkedIn, mas há sempre vagas em aberto e são sempre publicadas no LinkedIn e identificadas sempre. É uma oportunidade para jovens e para não jovens que queiram juntar-se.

“Quotas? Não concordo porque acho que as competências têm de ser asseguradas. Valorizo muito mais a igualdade de oportunidades.”

É a primeira mulher a assumir esta função em Portugal, desde há cerca de um ano. Que caminho é que ainda há para andar neste caminho da igualdade até chegar aos cargos de topo?
Na Volkswagen dos dois administradores, um deles é uma mulher muito jovem o que é um ótimo exemplo. Estou nos automóveis há 20 e muitos anos e, antes, era um setor mais de homens. Hoje depende da forma como o olhamos. Na perspetiva de igualdade e em que somos valorizados pelas competências, essa situação acaba por cair por terra. As mulheres pensam de uma forma, os homens de outra, e mesmo no trabalho acabam por se complementar. E, portanto, acho que é uma questão de resiliência, de vontade de fazer e de nos colocarmos como igual. E também é preciso tirar o estereótipo de nós e não pensarmos, por exemplo, que o setor dos automóveis é para homens e que por isso não nos vamos candidatar. Não faz sentido nenhum. No setor automóvel [nesta função e empresa] não fabricamos carros, nós fazemos estratégias de marketing, estratégias de venda, formação, área de finance, portanto, há muitas áreas. Não estamos aqui a falar da construção de automóveis, nem da forma química de produzir o que quer que seja. Estamos a falar de estratégias, como podia ser uma estratégia de uma marca de luxo de cosmética ou de uma marca de luxo de roupa. É só uma questão de abrir um bocadinho o horizonte, porque o que acontece é que como o setor automóvel ainda continua muito ligado a esta palavra automóvel, mas se calhar daqui a dez anos os nossos filhos já vão dizer que as suas mães trabalhavam no setor da mobilidade. E o setor da mobilidade já não está tão ligado como o setor automóvel e, portanto, às vezes também há aqui uma falta de evolução no nome que se dá ao setor automóvel. O setor automóvel – e o automóvel é o produto essencial – é sobretudo um setor da mobilidade.

Mas se no setor automóvel há poucas mulheres na liderança, também há poucas noutros setores. Por isso lhe perguntava que caminho ainda é preciso fazer? E se com ou sem quotas?
Por princípio sou contra quotas porque acho que as pessoas devem ser valorizadas pela competência. Por exemplo, se me perguntar se num processo de recrutamento deve haver o mesmo número de currículos de homens e de mulheres, acho que sim, para termos a mesma base de escolha. Por exemplo, se no setor automóvel há uma vaga e aparecem dez currículos, sendo que nove são de homens e apenas um é de mulher, claro que a amostra está muito enviesada. Portanto, acho que nas bases devia ser igual. Agora, para o tema das quotas teria de ser quotas sim, mas com competência. Sabemos que em muitas áreas não há mulheres e, portanto, é preciso reconstruir esse histórico e fazê-lo de uma forma que assegure a competência. E essa fórmula não a tenho. Portanto, quotas por si só, pessoalmente, não concordo porque acho que as competências têm de ser asseguradas. Valorizo muito mais a igualdade de oportunidades. Ainda não foi há muitos anos que nós víamos anúncios de procura-se e identificava-se claramente que se queria um candidato ou masculino ou feminino. Pessoalmente, sou totalmente contra isso, acho que não deve existir, porque a competência não está ligada ao género da pessoa. Agora há uma lacuna de uns anos e, às vezes, temos de ser um bocadinho mais presentes.

A Volkswagen tem essa preocupação com a igualdade de oportunidades?
Sim. Da minha experiência, a Volkswagen assegura a igualdade de oportunidades, mas a competência acima de tudo. Por isso é que hoje, por exemplo, na SIVA, em Portugal, existem bastantes mulheres em cargos de liderança.

Que mensagem é que gostaria de deixar às mulheres que possam vir a ser futuras executivas?
Que lutem sempre pelos seus objetivos e que desenvolvam aquilo em que acreditam. Uma jovem estudante não precisa de saber exatamente o que quer fazer daqui a dez anos, mas tem uma tendência para pensar onde gostaria de estar. Portanto, as pessoas têm de lutar e acreditar que são capazes porque depois o caminho vai surgindo.