Reduzir a escala é o caminho para construir num “centro humano”. E isso é muito mais importante do que viver um centro urbano, diz a arquiteta indiana.

Planear as cidades não é só tarefa de urbanistas enfiados nos gabinetes a decidir como é que todos os outros devem viver as cidades. Desenhar bairros, determinar a localização dos transportes, dos serviços públicos, do comércio, das praças ou dos espaços verdes é uma missão que só resulta se for projetada em conjunto com as comunidades. “Os especialistas têm de descer à terra e envolverem-se nos problemas, nas dificuldades e nas necessidades dos seus habitantes”, defende Nidhi Gulati, diretora de programas da Projects for Public Spaces, uma ONG que, desde 1975, apoia bairros de Nova Iorque no planeamento de espaços mais sustentáveis.

Cidades inclusivas é o que Gulati vem defendendo ao longo dos últimos anos para evitar que as grandes áreas metropolitanas se transformem em barris de pólvora prestes a rebentar. Sabendo que origens sociais, económicas, raciais e até de género interferem na forma de vivenciar os espaços públicos, a alternativa é construir centros urbanos capazes de integrar diferentes backgrounds que consigam proporcionar bem-estar entre as comunidades: “Do que precisamos são de pequenas aldeias nas nossas cidades”, conclui a arquiteta indiana.

Reduzir a escala é o caminho e isso passa por lembrar que, mais do que viver num centro urbano, importa “habitar num centro humano” com comércio, serviços ou lugares de convívio a não mais do que 10-15 minutos de distância: “Quando começarmos a construir estas aldeias, teremos de pensar em toda a gente.” E toda a gente inclui, os marginalizados, relembra Nidhi Gulati.

Crédito: Ricardo Gonçalves / Global Imagens

Daí ser preciso conhecer a história, as necessidades e saber olhar para as diferentes realidades que coexistem nas cidades. Planear, portanto, não é unicamente uma questão de construir habitação, estradas e jardins. “Muito menos edifícios colossais que para representar o poder político nem centros comerciais revestidos em mármore branco que ficam enlameados nos dias de chuva.”

“Não há, por isso, sistema de transporte público preparado para as mulheres”, diz a especialista

O que a arquiteta indiana propõe é um diálogo entre todas as ciências – urbanismo, economia, sociologia, geografia, todas estas disciplinas cruzam-se no planeamento das cidades que tem de refletir a diversidade cultural para incluir as comunidades, promover a participação cívica e evitar os fenómenos de radicalização.

Transportes sexistas

A mobilidade como atualmente está desenhada nem sequer tem em conta as necessidades das mulheres, avisa a diretora da Projects for Public Spaces. Nos Estados Unidos, por exemplo, os transportes públicos estão projetados para irem do centro até ao subúrbio, “servindo uma mobilidade tipicamente masculina”. Mas o estilo de vida da mulher típica é tudo menos linear. Ela tem de deixar os filhos na escola, no ponto A, fazer compras no ponto B, ir para o trabalho no ponto C ou correr para a lavandaria à hora do almoço no ponto D: “Não há, por isso, sistema de transporte público preparado para as mulheres”, diz a especialista, acrescentando que essa pode ser uma razão por que mais de 50% dos automobilistas são do sexo feminino. E isto sem contar que os sistemas de segurança de um automóvel estão pensados para o corpo masculino, correndo as mulheres mais riscos em caso de acidente: “A piada de que as mulheres conduzem pior pode ter, afinal, outros motivos.”

Toda a mobilidade precisa de ser repensada e nada mais atual do que a covid-19 para aproveitar a oportunidade. “A forma como se viaja vai ter de mudar para ser possível proteger as populações de outras pandemias que, com as alterações climáticas, vão ser cada vez mais frequentes.” Viajar menos, percorrer distâncias curtas e adotar modos de transporte mais sustentáveis terão de entrar nesta equação, defende a arquiteta. Desenvolver as economias locais é outro ponto basilar para diminuir as distâncias entre a origem e o destino das mercadorias e reduzir também a pegada ecológica.

E afastar o automóvel das cidades é o que “precisamos fazer já” antes todos regressem ao “velho normal”. Essa é a via para as ruas voltarem à função para a qual foram feitas, diz Nidhi Gulati, afastando-se do centro do palco para mostrar as imagens que selecionou para a concluir a sua apresentação. São fotos de ruas com crianças a caminhar para as escolas, idosos a dormitar à porta das lojas, miúdos a jogar basquetebol, cães a aproveitar o calor do fim da tarde, universitários a beber um copo e gente a voltar para casa: “As ruas são para as pessoas”, remata a arquiteta.

Texto: Kátia Catulo | Foto: Ricardo Gonçalves/Global Imagens