Autódromo do Algarve faz hoje dez anos e tem grandes planos para o futuro

02/11/2018

“O nosso circuito é uma referência a nível Mundial”. Esta é a frase forte da longa entrevista que Paulo Pinheiro, administrador da empresa que gere o complexo do Autódromo Internacional do Algarve, que hoje, 2 de novembro, completa 10 anos do seu ‘nascimento’. Uma obra fantástica, resultado da persistência de um sonhador. Fique a conhecer ‘momentos’ que fazem a história de um empreendimento fantástico que é um enorme orgulho para Portugal.

Reza a letra de uma famosa música da Susana Félix, que o tempo tem mais olhos que barriga, que é um bandido clandestino, salteador de estradas e memórias. É precisamente o passado e o futuro das histórias que quisemos reavivar com Paulo Pinheiro, Administrador do Autódromo Internacional do Algarve, mentor de um projeto que muitos acharam utópico, mas a cada ano que passa fica mais provado que, neste caso, não houve mais olhos que barriga.

Parece mentira, mas já lá vão 10 anos sobre o nascimento do Autódromo Internacional do Algarve. Nasceu oficialmente às 10h40m do dia 2 de novembro de 2008. A sua construção ficou concluída ainda em outubro desse ano, a homologação da FIM deu-se a 11 de outubro e a da FIA dois dias depois. O governo da altura deu-lhe estatuto de Projeto de Interesse Nacional, e o primeiro grande evento que recebeu teve lugar na inauguração, a última ronda do Mundial de Superbikes. A partir desse dia, Portugal passou a ter dois autódromos, o Estoril e o AIA, este último, uma obra fantástica a todos os níveis, que recebeu elogios dos mais variados quadrantes.

Para trás tinha ficado um trabalho ciclópico, já que nos oito meses anteriores, Paulo Pinheiro e a sua equipa tinham colocado de pé esta obra gigantesca que depressa passou a ser também conhecido como “Autódromo de Portimão”.

Desde esse dia muita coisa aconteceu. A crise que tinha rebentado nesse ano nos EUA depressa colocou problemas complicadíssimos a Paulo Pinheiro e à sua equipa, mas com persistência tudo foi ultrapassado.

Hoje em dia, o complexo atingiu já uma taxa de ocupação a rondar os 340 dias, e só isso chega para permitir afirmar o seu sucesso. Quanto maior é o barco, mais difícil é navegá-lo, mas o Cabo das Tormentas já ficou para trás há muito. Hoje, o futuro é promissor, e por nós, podemos marcar já outro balanço daqui a mais 10 anos.

AutoSport/16 Válvulas – Com a preciosa ajuda da ‘voz’, Gonçalo Cabral, e do 16 Válvulas, a primeira questão é mesmo, como está o Paulo Pinheiro depois destes 10 anos?
Paulo Pinheiro – (Risos) Com menos cabelo, um bocadinho mais gordo, com menos paciência, com mais capacidade de resistência, com mais resiliência, e se calhar com maior objetividade, é algo que vamos desenvolvendo com o passar dos anos…

AS/16V – E com o ego reforçado? Alma cheia…
PP – Tenho um orgulho enorme no que a nossa equipa fez, é um marco a nível mundial, as pessoas têm alguma dificuldade em perceber que o nosso circuito é uma referência a nível Mundial. E isso é muito apreciado lá fora. Tenho um amigo da Porsche que conheço há 15 anos, disse-me que tinha estado a falar com um responsável máximo da Porsche Motorsport, e quando conversávamos relativamente a hipóteses de testes, ele responde-me: “a Portimão temos que ir sempre, depois podemos escolher as outras”. Quando uma marca como a Porsche, no seu departamento de desporto central diz que Portimão é um facto adquirido e depois vamos às outras, aí sim, acho que me caiu a ficha e tive uma visão da importância que o circuito tem a nível mundial, porque realmente somos uma referência. Isso é um facto que ninguém pode alterar, e confesso que, nesse aspeto, isso dá-me prazer. Agora, é algo que no dia a dia não nos apercebemos, só quando temos estas situações é que temos estas amostras de quão importante o circuito é, especialmente em termos internacionais.

AS/16V – Já foi há 10 anos, mas ainda se lembra do que sentiu quando ouviu a Rita Guerra cantar o hino, ‘A Portuguesa’, no dia da inauguração do AIA?
PP – Curiosamente, do dia da inauguração lembro-me de pouquíssimas coisas, foi um stress, olhando para trás, não sei como é que aquilo foi possível. Ainda há dias falava com o João Catita, o Daniel Matos, o Miguel Praia e o Nuno Luz, que são o núcleo duro, que estão desde o primeiro momento, e realmente aquele fim de semana foi uma loucura total. Porque ainda estávamos a acabar as coisas, a fazer a corrida ao mesmo tempo (ndr.: Superbikes) e tenho muito poucas memórias. Alguns flashes, algumas ideias, a única coisa que me recordo perfeitamente é na sexta feira, com o stress inicial antes de começar a primeira sessão de testes, o semáforo passar a verde e começar a chorar, não conseguia parar de me lembrar da minha avó. Realmente foi um momento muito emocionante. A partir daí lembro-me de muito pouca coisa desse fim de semana, confesso…
Sei que a Rita Guerra cantou, estava lá muita gente, lembro-me de falar com o Schumacher, mas são tudo flashes, ter uma ideia cronológica do fim de semana, confesso que não…

AS/16V – O Autódromo Internacional do Algarve completa este ano 10 anos. Que balanço faz desta década de autódromo?
PP – Sempre tivemos uma taxa de ocupação muito elevada desde o primeiro momento, obviamente os dois primeiros anos foram mais fáceis, pois escolhíamos quem íamos ter na pista, foi um período de abundância e a seguir veio a crise mundial, por arrasto a crise nacional, e as nossas dificuldades financeiras na altura foram muito severas. Tudo isto resultou no facto de termos tido dois, três anos muito difíceis, e depois, pouco a pouco, após o plano de recuperação, fomos conseguindo recuperar todo o projeto e tentar fazer com que o projeto inicial fosse concretizado. Felizmente, ao fim de 10 anos, com a exceção do Parque Tecnológico, temos tudo concretizado.
Tivemos momentos muito difíceis, outros muito bons, mas o balanço que faço é a afirmação do circuito em termos mundiais, o que é muito importante para nós, e que é para nós a pedra basilar de todo o sucesso. É a nossa relação com as equipas, com as marcas, é o facto de nós olharmos hoje em dia para a nossa lista de clientes e entre elas estarem as melhores marcas do mundo, as melhores equipas do mundo, as melhores categorias do mundo, é muito, muito bom e temos também que assumir que tivemos momentos dificílimos, entre o final de 2011, até 2013. Só em 2014 a situação começou a mudar, e desde aí para cá, felizmente, conseguimos inverter completamente a situação. Hoje em dia, posso dizer que 2018 vai ser o melhor ano de sempre. Os últimos três anos têm sido uma linha ascendente contínua, e isso dá-nos muita confiança no futuro.

AS/16V – Quais são para si os pontos mais altos e mais baixos destes 10 anos?
PP – Em termos de pontos altos é difícil, porque em termos de apresentações internacionais temos tido tantas e tão diversificadas, que é difícil apontar uma. Algumas são pequenas, mas muito especiais, com coisas tão únicas que são realmente inesquecíveis. Tivemos o lançamento mundial do Audi R8, que foi o primeiro evento que fizemos no final do dia, à noite, no verão, foi um vento muito descontraído com os pilotos da Audi de Le Mans, o Tom Kristensen, o Allan McNish, foi realmente espetacular.
Tivemos este ano um evento, que pela dimensão, foi o maior que alguma vez fizemos, o lançamento do novo Jaguar E-Pace juntamente com o encontro mundial dos concessionários Jaguar/Land Rover, os importadores, jornalistas. Foram três meses e meio com todos os nossos circuitos e todas as nossas valências – hotel, autódromo, kartódromo, pista de TT – tudo completamente ocupado ao máximo, e pela dimensão que teve foi um evento muito difícil para nós, mas muito importante, e o feedback que tivemos foi excelente.
Até tivemos que fazer uma instalação adicional de energia de mais 4.5 MegaWatts no autódromo, para podermos fazer os carregamentos em contínuo dos E-Pace. Teve muitas componentes únicas e foi um evento que nos deu um gosto especial. Os lançamentos da Porsche são sempre algo de muito importante, a McLaren fez aqui o lançamento do seu primeiro carro de série, a BMW também faz muitos eventos connosco, a Mercedes tem feito aqui continuamente o lançamento dos AMG. Estes são os momentos altos para nós.
Nas corridas, logo a primeira, as Superbikes, foi muito gira por tudo o que aconteceu. Pelas demonstrações de aviões, a presença do Schumacher, pela quantidade de gente que esteve presente, por tudo isso e pelo facto de significar que tínhamos conseguido vencer o primeiro desafio, que era acabar aquele projeto em menos de nove meses. Tivemos corridas de FIA GT, a GP2, para mim foram momentos altos pela parte desportiva, pelo público que veio, tudo isso, por isso foram talvez estes os grandes marcos que tivemos. Recordo-me também do evento histórico em que tivemos mais de 400 carros, únicos, e que embora seja um evento de pequena dimensão em termos de público, para quem gosta de carros, para quem gosta de desporto, que gosta de ver aquela panóplia e diversidade de veículos, é realmente muito interessante.
Os pontos baixos ao longo deste processo todo, que começou em 2001, foi claramente a morte do Craig Jones e a morte do nosso colega, o Hugo Gomes (2016). Foram dois momentos muito difíceis, cada um à sua maneira e talvez quando foi o momento do PER (plano especial de recuperação), aqueles meses antes e logo a seguir, foram difíceis de gerir e fazer com que tudo continuasse de pé.
Realmente não foi fácil, mas conseguimos. É isso que importa reter na memória, as dificuldades apareceram, demos a volta a conseguimos concretizar o projeto como tínhamos idealizado no início.

AS/16V – Como foi e é possível edificar e manter um projeto desta envergadura em Portugal?
PP – Para as pessoas perceberem um pouco melhor a área de implementação deste projeto são cerca de 300 hectares, três milhões de metros quadrados, temos um autódromo, kartódromo, pista de TT, 160 apartamentos turísticos, hotel com 200 quartos, cinco centrais fotovoltaicas que somam no total praticamente quatro megawatts de potência instalada, duas barragens privadas, que fazem o abastecimento da água que utilizamos na rega dos espaços verdes, temos uma série de equipamentos de que fazemos a gestão integral, seja no dia a dia seja nos condomínios de apartamentos, corte de relvas, limpeza da estrada, nós fazemos tudo, não temos nada que contratemos fora e isto tudo é feito com 60 pessoas. Segurança, manutenção, jardinagem, marketing, contabilidade, desportivo, Racing School, tudo com 60 pessoas.
E a única forma que temos para conseguir que um projeto destes se mantenha é com uma gestão de recursos mínima, muito rigorosa, muito apertada, com muitas horas, toda a gente com dias de folga e férias em atraso, e acho que esta é a única forma que há para que um projeto destes consiga ter rentabilidade. Se fossemos fazê-lo duma forma tradicional teríamos cerca de 200 pessoas, e isso é incomportável para o projeto.
Temos, como é óbvio e isto é a pedra basilar do projeto, clientes que nos ocupam a pista mais de 320 dias por ano, e se não houvesse esta ocupação tudo o resto não poderia existir. E para se ter ocupação, temos que trabalhar muito na área comercial, ter muitos eventos simultâneos, ter eventos corporativos e de Racing School ao mesmo tempo, e a Racing School cada vez mais ganha importância nos evento corporativos, porque são eventos que conseguimos ter ao mesmo tempo em que conseguimos ter a pista alugada, e é esta simultaneidade que nos permite continuar a crescer e levar isto tudo a bom porto.

AS/16V – Como se gere um gigante destes?
PP – Temos uma equipa mesmo muito dedicada e isso é, talvez, das coisas que mais me descansa. É saber que mesmo não estando lá tudo funciona, mas tenho que admitir que passo mais de 310 dias no circuito, às vezes não o dia todo mas com o tipo de eventos que temos há coisas que não posso delegar. Outras sim, temos uma equipa de diretores – o Miguel Praia, o João Catita, a Catarina, o Daniel, o Nuno Luz, o Jorge Andrade – em que cada um sabe perfeitamente o que tem de fazer e o que pode fazer, tem sido cada vez mais uma estratégia de delegação de competências, mas implica que não só eu como todos passemos muito mais dias do que o normal na pista. É muito esforço e muito trabalho. Não há outra forma…

AS/16V – Que objetivos tem para o futuro?
PP – Neste momento estamos focados, em termos de vetores de desenvolvimento da nossa atividade, na pista. No aluguer normal não conseguimos crescer muito mais, este ano vamos fechar com cerca de 340 dias, é quase impossível crescer mais, onde vamos poder crescer é na Racing School, nos eventos corporativos, no relacionamento que temos com as marcas na parte do desenvolvimento de protótipos, porque isso pode ser feito fora de horas. Nós podemos ter a pista alugada a uma marca que queira fazer um teste das nove às cinco e depois, a partir dessa hora e até às oito do dia a seguir, podemos ceder esse tempo às marcas, para toda uma série de testes, desde condução autónoma ao desenvolvimento de produtos de série que se fazem fora de horas. Esta é a componente em que achamos que podemos crescer ainda mais.
Na parte hoteleira, as coisas estão a correr relativamente bem, estão cimentadas, temos o Grupo Pestana como parceiro, portanto é algo que não nos traz preocupação. É na componente indústria que temos de crescer ainda mais e como estava a dizer, na Racing School. Nós estamos a fazer um investimento enorme na Racing School, posso dizer em primeira mão que fechámos um acordo com a Mercedes AMG e com a Yamaha, são parceiros fortíssimos, duas referências mundiais, que vão reforçar e muito os nossos equipamentos. Estamos a criar infraestrutura, a criar uma nova Racing School com equipamentos únicos na Península Ibérica, alguns mesmo na Europa, que vão permitir não só dar resposta não só à componente profissional, pilotos que queiram aumentar o nível, como também amadores ou até empresas, e aí sim, achamos que está o grosso do mercado para eventos corporativos, ‘Team Building’, tudo isso. Achamos que este é também uma aspeto importantíssimo e com todos estes equipamentos e com estas novas parcerias vai crescer muito mais.

AS/16V – Uma das metas passa por voltar a ter F1 no AIA, nem que seja em testes?
PP – Não posso ainda dizer qual, mas há uma marca histórica que vai estar ainda este ano no AIA. Trazer a F1 não é uma prioridade até porque não depende de nós, podemos fazer uma parte do caminho mas a parte final não depende de nós, é nossa obrigação estarmos preparados a todo o momento para receber uma corrida de F1, é essa a nossa postura em termos de homologação de pista, equipamentos, tudo aquilo que nós temos, e o mesmo se aplica ao MotoGP, são duas coisas que temos de ter a obrigação de sempre estar preparados para receber.
Sabemos que temos as condições técnicas e os meios humanos para organizar uma corrida de F1, claro que teríamos que fazer algumas coisas adicionais, específicas, que quem organiza uma corrida de F1 pela primeira vez tem sempre que fazer, mas temos a certeza, até pelos testes de F1 que temos tido, que a pista seria o palco ideal para uma corrida de F1, aliás, há quem diga até que juntamente com Spa e Monza, seria, garantidamente, uma das melhores corridas do calendário do Mundial de F1. Se houvesse um acordo comercial, nós estaríamos preparados, de infraestruturas e de organização, para a ter MotoGP também, ainda mais agora com o Miguel Oliveira…

AS/16V – Acha que a ida do Miguel Oliveira para o MotoGP pode ajudar a trazer uma corrida para Portugal, e se calhar para o AIA?
PP – O Miguel é um parceiro fenomenal, é o melhor português de sempre em termos internacionais e é um dos melhores do mundo e vai para o MotoGP no próximo ano por direito próprio. Por todo o caminho que temos feito – ele já correu em 2016 na nossa equipa – a nossa relação não é de um patrocinador puro e duro, antes pelo contrário nós temos uma relação de parceiro e isso dá-nos muito orgulho, seria para nós um sonho ter o Miguel Oliveira a disputar uma corrida de MotoGP no nosso circuito, seria o sonho de qualquer promotor, de qualquer dono de circuito.
Neste momento a Dorna não está muito virada em trazer uma corrida para Portugal, vamos esperar por uma próxima oportunidade. Acho que Portugal, pelo piloto que tem, penso que seria um sucesso e os adeptos portugueses iriam responder em massa, não sendo sequer necessária a proximidade de Espanha. Acho que seria um sucesso indubitável.

AS/16V – No passado houve algumas ‘derrapagens’ financeiras, hoje só as há em pista? Como estão as coisas a esse nível? O AIA é rentável hoje em dia?
PP – Nós em 2012 tivemos, como se sabe, um PER (plano especial de recuperação) que reestruturou a nossa dívida toda, e essa reestruturação permitiu-nos acabar os apartamentos que na altura estavam a meio caminho, em 2014, e em 2016 permitiu-nos acabar o Hotel. A partir daí a parte imobiliária ficou concluída e com isso parte da dívida desapareceu. A conclusão e comercialização foi uma consequência direta. Neste momento temos um EBIDTA positivo, hoje em dia temos resultados líquidos anualmente positivos, significa que pagamos a dívida e conseguimos pagar o investimento, etc, as coisas estão a correr bastante bem. Como disse, 2018 vai ser o nosso melhor ano de sempre, vai ser um ano histórico a todos os níveis. A nível financeiro 2019 é um ano que está praticamente todo contratado, também temos inclusivamente alguns contratos já para 2020. Portanto, não sendo a vida um mar de rosas, porque é sempre tudo muito difícil e exige sempre tudo muito trabalho – como digo, as coisas a partir de 2014 foram ficando cada vez melhores, sempre positivo, e tem sido em contínuo – mas felizmente acho que conseguimos dobrar o Cabo das Tormentas e vamos entrar numa fase normal, para ver se conseguimos não andar somente preocupados com a tesouraria, mas sim pensar em coisas, pensar no negócio e isso felizmente tem estado à mostra com o acréscimo de volume de negócio.

AS/16V – Nestes 10 anos qual é o recorde da taxa de ocupação?
PP – O recorde vai ser este ano. Qualquer circuito no sul da Europa, os circuitos de primeira linha – Jerez, Portimão, Estoril, Valência, Barcelona – têm a obrigação de fazer sempre 270/280 dias de ocupação por ano, por vezes um pouco mais ou um pouco menos, mas isto será o normal, e significa que os meses a partir de 10 de janeiro e até 30 de março têm que estar ocupados todos os dias, e depois setembro, outubro e novembro também, e depois dezembro até dia 15/20 ocupado. Os meses difíceis são abril mais junho, julho e agosto, porque nesses meses a maioria aproveita para fazer tudo nos seus países, pois em princípio está bom tempo. Nos outros meses são obrigados a vir para o Sul da Europa para desenvolver carros, fazer testes, fazer apresentações e tudo o mais. O desafio é encher os meses todos, especialmente os meses de verão. Nós este ano, felizmente, vamos fechar com a taxa de ocupação entre os 340 e 350 dias o que é uma coisa fantástica e duvido que seja repetida nos próximos anos, um ano muito bom será 300/310 dias, e é para aí que estamos a apontar como valor médio anual.

AS/16V – Hotel cinco estrelas, complexo habitacional, está tudo a funcionar a 100%?
PP – Tudo a funcionar a 100%. Nós temos os 160 apartamentos em ocupação, o hotel não concluímos a decoração dos 200 quartos, mas estão a funcionar 120 dos 200 quartos, todas as áreas comuns, Spa, piscinas, salas de negócios, reuniões, tudo concluído e tudo a funcionar. Nós este ano devemos gerar mais ou menos 80.000/90.000 ‘room nights’ diretas, o que é realmente muito bom, e ainda há aquelas que geramos indiretamente, por outros hotéis, pois os clientes preferem às vezes não ficar junto do circuito, ou eventualmente podemos não ter disponibilidade, e isto é algo muito importante, pois nós somos cada vez mais um fator importante de combate à sazonalidade nesta região no Algarve inteiro. Desde o Pine Cliffs, a Lagos, todos os hotéis, em Portimão, Albufeira, toda a gente num evento ou noutro acaba por receber clientes do autódromo, e isso é muito bom, porque finalmente os hotéis começam a perceber isso, começam a fazer acordos connosco, e a perceber a importância do circuito que gera clientes, e clientes bons na época baixa, ou seja, aquilo que é uma das missões do circuito, que é ser um fator de quebra de sazonalidade no Algarve, cada vez mais é visível, cada vez mais se está a afirmar, e isso é algo muito importante.
As pessoas, e falo da população em geral, acham que os circuitos são corridas – temos 10 corridas por ano, portanto são 10 fins de semana – e acham que o resto do ano o circuito está desocupado e é exatamente o oposto, e isto está a dar frutos. Ganhámos um evento para o ano que está um bocado fora do que é habitual para nós e ainda não podemos anunciar, mas que é um grande evento e estamos a falar de durante três semanas termos cerca de 3.000 pessoas em permanência aqui no Algarve só por causa dessa corrida. Tudo isto, quando fazemos as nossas contas no final, faz com que o Algarve suba em termos de ocupação, suba em termos de valor médio da venda do quarto e tudo o que há à volta disso, não é só hotelaria, a restauração, os rent-a-car, tudo isto vive, na época baixa, em grande parte aqui no Algarve, especialmente nesta zona de Portimão e Lagos, do circuito. É cada vez mais palpável o impacto que o autódromo tem na região do Algarve e isso é reconhecido pelos hoteleiros, restauração, rent-a-car, e muitas vezes os períodos de abertura e de fecho de algumas unidades já são agarradas ao nosso calendário de eventos, o que é curioso.

AS/16V – Qual foi a maior enchente do AIA? Talvez para quando bater o recorde?
PP – A maior enchente é fácil, foi no fim de semana da inauguração, ao longo dos três dias andámos à volta de um número entre as 80.000 e 100.000 pessoas, não tenho números exatos, mas andou por aí. Recordo-me quando fui buscar o Schumacher, ainda havia fila na via do Infante até Lagoa, dá para termos uma noção do que aquilo provocou. Nos três dias tivemos provavelmente, 70/80 mil pessoas, e depois o ano passado, 2017, com o regresso das SuperBike, tivemos também, o que nos surpreendeu imenso. No fim de semana tivemos praticamente 45.000 pessoas. As pessoas esquecem-se que em Portugal ter 45.000 pessoas com as Superbikes é algo muito difícil, e tirando Assen mais ninguém faz. Eu vejo as corridas, dá sempre para aprender qualquer coisa, e é visível que o número de espetadores nos circuitos mundiais, em qualquer categoria, mesmo incluindo MotoGP e F1, tem decaído bastante. O DTM, que era uma referência mundial em termos de quatro rodas a seguir à F1 – eu lembro-me de ir a Hockenheim em 2003 olhar para as bancadas e não caber um alfinete – apesar de continuar bem composto não é a mesma coisa, tem havido um decréscimo. Vamos excluir daqui eventos como Le Mans que são eventos superiores a uma competição de automobilismo, pela tradição, pela imagem, por tudo o que têm. Agora nas provas normais acho que é óbvio e visível que as coisas não estão no seus momentos mais favoráveis, com exceções específicas, com fatores específicos.

AS/16V – Até os ralis já levaram 10.000 pessoas ao AIA…
PP – É verdade, quando fizemos a super especial até estavam mais de 10.000 pessoas. Há casos que por vezes nos surpreendem, por exemplo, no ano passado nas SuperBikes tivemos alguns problemas porque não estávamos preparados na restauração para o número de pessoas na zona das bancadas. Também tivemos uma casa cheia com a Corrida dos Campeões. Portanto há algumas provas que enchem mais em função de alguns fatores, como da época do ano ou de um piloto que naquele momento é um piloto-estrela e traz o público. Mas dá tudo muito trabalho, as pessoas acham que há uma varinha mágica, que basta fazer publicidade aqui e ali que o público aparece, mas não, as coisas não são assim…

AS/16V – Privou com Michael Schumacher, o que acha dele?
PP – Tenho de confessar que antes de o conhecer, detestava o Schumacher. Eu era um fã de Nelson Piquet, depois passei a torcer pelo Ayrton Senna e depois pelo Alesi, por isso o Schumacher estava no fim da minha lista de preferidos como acho que acontecia com a maior parte dos portugueses. Admitia, e acho que ninguém pode negar, que era um piloto fantástico, talvez o melhor piloto de sempre, mas não simpatizava com ele.
Na inauguração a Flamini Group em parceira com o grupo Fiat trouxe o Michael Schumacher ao circuito, algo que só soubemos no dia da inauguração e por uma questão de protocolo fui buscá-lo à entrada do circuito. No início achei-o pouco simpático. Não era mal-educado, mas não era uma pessoa muito afável. Cumpriu as obrigações todas a que se propôs de forma muito profissional, e no dia seguinte o Schumacher iria andar nas motos do campeonato do mundo. Mas no final do dia pede-me se tinha algum local para poder ver a F1, que era decisão do campeonato do mundo entre o Hamilton e o Massa. Arranjámos-lhe um camarote e ele instalou-se lá. Entretanto andava à procura do meu filho e a minha mulher diz-me que ele tinha ido para a zona dos camarotes e quando cheguei lá estava o Bernardo à porta do camarote do Schumacher a querer entrar. Ele simpaticamente convidou o Bernardo a entrar com um grande sorriso mas o meu filho, com uma cara antipática, faz-lhe um sinal com a mão como quem diz “não me chateies”, virou as costas e foi-se embora. Claro que fiquei um pouco envergonhado por o meu filho de quatro anos ter sido pouco simpático para o Schumacher. Este foi o contacto mais pessoal.
A partir daí começámos a passar alguns fins de semana juntos, comigo e com o Miguel Praia, pois eu corria no IDM com uma Honda e ele teve uma parceria com a Vila Vita. O Miguel treinou muito com ele e ensinava-lhe uma série de coisas em pista.
Recordo-me de um episódio engraçado em que o Miguel ia atrás dele e lhe disse que fazia mal a trajetória da curva da meta. Ele teimou que não, mas eu insisti e disse-lhe que eu ia para a pista e que me iria por no interior da escapatória e ele teria de passar ali perto dos meus pés. Assim fez e realmente foi mais rápido e admitiu nas boxes que o Miguel tinha razão. A partir daí ele mostrou ser uma pessoa super descontraída, com uma simpatia incrível e passei a ser um fã total dele e apercebi-me que ele só mudava quando havia pessoas de fora. Quando estávamos só nós, ele era cinco estrelas.
E a volta mais impressionante que fiz na minha vida num carro de corrida foi com ele num Ferrari 360 Scuderia que tínhamos. E cheguei ao fim com a convicção de que ele realmente era um sobredotado e olhe que já andei com muitos pilotos, inclusive pilotos de F1 que atualmente correm, e nunca andei com ninguém que ele guiasse como ele guiou.

AS/16V – Recorda algum episódio divertido de um piloto com quem tenha contactado?
PP – Vou-lhe contar uma história que tive com o James Toseland que foi campeão de Superbikes. Se lhe perguntar por um Nissan GT-R em Portimão a reação dele não vai ser das melhores. Quando o Toseland passa do MotoGP para as SuperBikes o primeiro teste que faz é na nossa pista e ele andava a fazer o reconhecimento da pista de bicicleta enquanto nós andávamos a fazer voltas de demonstração com clientes nossos num Nissan GT-R. No final da recta da meta o Toseland apanhou um susto pois passou muito perto dele um GT-R a grande velocidade. Passou o resto da volta a tentar perceber quem tinha sido e quando ele regressou às boxes rimo-nos todos pois já o conhecíamos e dávamo-nos muito bem.

AS/16V – O que é que os pilotos lhe dizem sobre a pista?
PP – De todos os pilotos de F1 com quem falei, todos adoraram a pista à exceção de um. Lembro-me quando tivemos cá a McLaren a testar com o Hamilton e com o Kovalainen, que o Hamilton disse que a curva de entrada da reta da meta era de facto fenomenal e que a direita a seguir à torre VIP era das curvas que mais gostava. O único piloto que não gostou foi o Luca Badoer que dizia que a pista tinha muitas curvas cegas e isso o deixava desconfortável. De resto, Felipe Massa, Fernando Alonso, Lewis Hamilton, Heikki Kovalainen, todos os pilotos que passaram por aqui felizmente adoraram a pista, inclusive nos últimos testes da Toyota o Alonso, numa entrevista que fez à comunicação social internacional, disse que depois de andar à noite em Portimão, Spa ia ser “piece of cake”, porque isto à noite às escuras faz alguma impressão.

AS/16V – Como foi feito o traçado de Portimão?
PP – Quando começámos a identificar os locais para fazer a pista chegámos à conclusão que este seria o único local possível no concelho de Portimão para acolher a pista. Eu já conhecia aquela pista de autocross onde íamos aos domingos dar umas voltas por isso conhecíamos o terreno e fomos vendo até onde precisávamos de crescer para implementar tudo o que queríamos e chegámos à conclusão que teria de ser daquela parte do terreno e daquela maneira. Depois fizemos o levantamento topográfico para perceber o relevo todo e começámos a tentar imaginar com o mínimo de levantamento de terras o que seria um traçado interessante. Fizemos à vontade umas setenta versões. Inclusive na parte dos declives já com o levantamento de terras feito ainda fizemos uma última alteração na curva de entrada da reta da meta para a pista ter ainda mais declive. Acho que o grande cartão de visita é a dificuldade do circuito e a exigência que coloca nas motos e nos carros nos pilotos. É uma pista que mete respeito e não é fácil, são precisas algumas voltas para a entender e há dois ou três sítios em que nunca estamos completamente à vontade.

AS/16V – Os declives interferem na performance aerodinâmica dos F1 ou não é por aí que a Fórmula 1 não vem para o circuito?
PP – Essa questão não se coloca. Um carro de F1 em carga gera o apoio suficiente por isso os carros não vão levantar voo. Os carros de Le Mans com menos apoio aerodinâmico nunca tiveram qualquer tipo de problema. Pelo contrário, as forças que se sentem ao guiar o carro são realmente muito intensas.

AS/16V – De todas as 64 variantes que são possíveis de utilizar já foram todas usadas em corrida?
PP – Há algumas que ainda não foram utilizadas, nomeadamente as versões curtas, e é algo que nós para o ano iremos estudar para os campeonatos nacionais. Queremos perceber quais as versões que implicam o menor trabalho para depois voltar a colocar a pista na sua versão original e quais achamos que possam ser os traçados mais interessantes para os TCR, porque as voltas serão um pouco mais curtas, e sendo um traçado um bocadinho mais lento torna as lutas muito mais próximas. Em termos internacionais, as quatro variantes já foram utilizadas. As versões mais curtas não implicarão qualquer tipo de autorização especial e como estamos a falar de campeonato nacionais, terá de ser a FPAK a pronunciar-se o que não deverá ser um entrave.

AS/16V – O Kartódromo foi inaugurado em 2010. Pontos altos?
PP – O facto de olharmos para uma grelha de F1 e vermos um piloto de referência, o Max Verstappen, que passou pelo nosso circuito, tal como outros pilotos de F2 e F3 que estão prestes a dar o salto, como o Nick de Vries. Os CIK e os campeonatos Rotax são eventos fantásticos e o Arnaldo Frias organiza provas que mereciam mais reconhecimento em Portugal.
Nós já fomos escolhidos três vezes para fazer as finais mundiais Rotax, são eventos que não param de crescer e que têm uma abrangência enorme, pois estamos a falar de mais de uma semana de corridas, o que é algo muito interessante e que tem um impacto enorme.

AS/16V – Que eventos marcaram mais?
PP – Salvo erro as únicas três competições que não tivemos cá foi a F1, o Moto GP e o DTM. De resto já tivemos tudo. A aspirar a melhor teremos de ir para essas três. A primeira corrida do Le Mans series em 2009 foi uma prova muito gira. A GP2 pela velocidade dos carros e pelo nível da organização e profissionalismo do campeonato foi uma prova que nos deu gozo fazer. A A1 GP porque o Filipe Albuquerque fez duas corridas fenomenais.
As Superbikes são uma das provas favoritas que temos. Por termos participado muitos anos, por ter sido a prova de inauguração e por ser a maior prova que temos anualmente, o que é sempre muito especial para nós.
O European Le Mans Series, que está a crescer novamente e se está a afirmar com uma série de construtores e de equipas e que é uma prova sempre muito disputada. O WTCC porque era uma prova extremamente disputada e na altura o Tiago Monteiro ganhou uma das mangas.
O FIA GT em 2010 que foi a última prova dos GT1 que eram carros fantásticos com um barulho lindíssimo e com pilotos de primeira linha. Todas elas merecem destaque e tiveram aspetos muito positivos

AS/16V – Foi preciso coragem para avançar com este projeto. Sente orgulho pelo que conseguiu?
PP – Sim foi preciso muita coragem. Acho que a coragem é o primeiro sinal de não termos consciência daquilo em que estamos envolvidos. Todas as pessoas que estão connosco sempre tiveram uma postura muito positiva e penso que isso foi a chave. Foi termos conseguido, mesmo nos momentos difíceis, mantermo-nos como um grupo coeso.

AS/16V – Outros projetos para o futuro?
PP – Há outros projetos em mente. Estamos a trabalhar há alguns anos num projeto que queremos concretizar e que achamos que pode ser um marco para Portugal. Não vou avançar com nada em concreto pois sou muito supersticioso e só falo depois das coisas feitas.