Ayrton Senna: Há muito, muito tempo…

01/05/2017

Hoje, dia 1 de Maio, passam 23 anos da morte de Ayrton Senna. Uma data que indica um dos dias mais tristes da história da F1. Tanta coisa foi já dita sobre Ayrton, tanta coisa já escrevemos sobre Ayrton, que por vezes se fica sem saber o que mais dizer. Por isso, recuperámos um texto que, na sua versão original, nunca foi publicado em papel. Valeu para quando foi escrito – no dia em que ele faria 50 anos. Vale o mesmo agora.

Ayrton Senna foi, é, o melhor piloto de todos os tempos. Dizem os que ainda hoje o adoram e os que continuam a detestá-lo. Os grandes homens têm destas coisas: são capazes de provocar paixões e ódios do mesmo tamanho. Ayrton Senna foi um destes Homens, com H grande. Ame-se ou odeie-se, o que ninguém pode desmentir é que Senna foi um mágico. Passaram 23 anos da sua morte, no GP de San Marino, na famigerada (e hoje inexistente) curva de Tamburello, em Imola.

Não sabemos se Ayrton Senna foi mesmo mágico. Pessoalmente, apenas falei com ele uma única vez, já lá vão mais de 20 anos, para lhe pedir uma entrevista. Aconteceu no Estoril, num fim de tarde ventoso e fresco; ele tinha acabado de sair das boxes, eu estava no “paddock”, à sua espera. Ele apareceu, atirou com a porta (ou o vento fechou-a com demasiada força…) e encaminhou-se para a “motor home” da McLaren.

Abordei-o – nessa altura ainda era fácil chegar à fala com um piloto de F1, mesmo um do calibre de Senna – e pedi para falar com ele. Parou, olhou para mim e disse qualquer coisa que soou como “Cara, vai ter que esperar!”. Penso que nem sequer me viu – falou e desapareceu em dois saltos, dentro do camião.

Depois de uma hora ao vento e cada vez mais enregelado, fui-me embora. Nunca mais falei com ele ou, sequer, fiquei alguma vez tão perto dele. Por isso, fiquei sem saber se ele era mesmo mágico. Talvez se falasse com ele, o olhasse nos olhos e ficasse a conhecê-lo melhor, percebesse isso. Assim, nunca consegui ter a certeza. Tinha, no entanto, outra certeza: era um piloto excecional. E ainda hoje a mantenho – e como gostaria de o ter visto desafiar, com armas idênticas, outros monstros sagrados, como o Michael Schumacher ou o Fernando Alonso!

Talento nato

Esta parte já toda a gente conhece: é uma breve história da carreira do Mágico, de vitória em vitória, até ao Olimpo dos Pilotos. Ayrton Senna da Silva nasceu paulista, no bairro de Santana, filho de Milton da Silva, rico empresário e dono de terras. Na escola, Ayrton, que padecia de alguns problemas de coordenação motora, era bom aluno em ginástica, arte e química, mas não percebia muito bem as coisas da matemática e do… inglês.

Um dia, tinha ele quatro anos, o pai deu-lhe um pequeno “kart”, feito por si e que tinha sido rejeitado pela sua filha mais velha, Viviane. O petiz adorou a experiência… e os seus problemas de coordenação desapareceram como por milagre. Sensível ao precoce e inesperado dom do seu caçula, Milton da Silva acabou por ser o principal impulsionador da carreira de Ayrton. Carreira que, é claro, passou pelo exigente crivo que é a escola do “karting” – e passou com distinção: desde o início, o irrequieto Ayrton demonstrou a sua veia de vencedor. Logo na sua primeira prova oficial, a 1 de Julho de 1973, humilhou os seus rivais, quase todos mais velhos e experientes: foi a sua primeira vitória oficial. No “karting”, Senna conquistou o título no Campeonato Sul-Americano, em 1977 e, em 1980, foi vice-Campeão do Mundo.

Nesse ano, agradeceu todo o suporte ao seu pai e fez as malas para a Europa, com a sua jovem e recente esposa, Liliane Vasconcelos. Em Inglaterra, alugou um “bungalow” próximo da pista de Snetterton e depressa se adaptou ao clima e aos monolugares, que descobriu então. E de tal forma essa adaptação foi conseguida, que venceu os campeonatos RAC e Townsend-Thoreson, de Fórmula Ford 1600, como piloto oficial da Van Diemen. Depois, regressou ao Brasil, cedendo às pressões da família mas, logo de seguida, voltou as costas ao Brasil, regressando à Europa. Aceitou um convite que lhe tinha sido feito por uma equipa para correr na Fórmula Ford 2000, mudou o nome para apenas Ayrton Senna (esquecendo o “da Silva”, que considerou demasiado comum…) e, nesse ano de 1982, sagrou-se Campeão britânico e europeu da categoria.

Em 1983, subiu mais um degrau, agora para a Fórmula 3, correndo com a West Surrey Racing. Após uma primeira parte da temporada em que foi ele o dominador, encontrou em Martin Brundle um adversário à sua altura, com quem duelou até ao último capítulo, em Thruxton, de forma épica, conquistando aí o seu quinto título consecutivo na Europa, em três anos. No final da temporada, teve ainda tempo para vencer o Grande Prémio do Japão de Fórmula 3, sem dúvida a prova mais famosa e prestigiada dessa modalidade. E foi aqui que deu o seu definitivo passo rumo à F1.

Finalmente, a F1!

Depois de um primeiro teste com um Williams, e de ter atraído também as atenções da McLaren, Ayrton Senna chegou a ser dado como certo na Brabham, ao lado do seu compatriota – e futuro rival… pessoal – Nelson Piquet. Porém, este teve a última palavra na escolha do colega de equipa e Senna viu-se constrangido a aceitar um lugar na mediana Toleman, substituindo Derek Warwick. Senna pontuou logo na sua segunda corrida e, no Mónaco, prova que quase ganhou, começou a construir a sua reputação de piloto imbatível à chuva.

No final de 1984, assinou com a Lotus e ganhou o seu primeiro Grande Prémio precisamente à chuva, no Estoril. Três anos com a equipa inglesa permitiram-lhe perceber que não era a solução ideal para chegar ao título de Campeão do Mundo. Por isso, em 1988 passou-se com armas e uma bagagem de enorme talento para a McLaren, onde conquistou no final o primeiro dos seus três títulos. Rapidíssimo nas qualificações, ficou célebre a forma como geria o tempo e os nervos, arrancando para a pista mesmo nos últimos instantes, para fazer então uma volta-canhão, que nenhum adversário conseguiria depois bater.

Na McLaren, veio ao de cima a sua personalidade forte e a sua apetência para as lutas de carácter. Para ele, a vitória era o único objetivo. As suas lutas na pista e as picardias fora dela com o seu colega de equipa, Alain Prost, ainda hoje fazem parte da lenda da F1. Em 1990 e 1991 conquistou mais dois títulos de Campeão do Mundo, mas depois teve que se inclinar à supremacia da Williams nos dois anos seguintes. Desiludido com a incapacidade da equipa de Ron Dennis em lhe permitir continuar a lutar pelo título, Ayrton assinou no final do ano um contrato com sir Frank Williams, o mesmo que lhe bateu com a porta na cara dez anos antes, depois de um teste prometedor.

1994 não começou da melhor forma: sem pontuar nas duas primeiras provas, Senna chegou a Imola em branco, enquanto o seu principal rival de então (Prost abandonou a atividade no final da temporada de 1993), Michael Schumacher, levava já duas vitórias de avanço. Por isso, era forçoso um bom resultado em San Marino – Senna seguia na frente, quando a barra da direção do Williams se quebrou o atirou, sem hipótese de correção, contra o cimento do muro de Tamburello. Foi fim da linha para o homem e o início da lenda para Ayrton Senna.

Em resumo de uma carreira excecional, as estatísticas são mais simples de relatar: participou em 161 Grandes Prémios, durante 11 temporadas (GP do Brasil de 1984 ao GP de San Marino de 1994); conquistou por três vezes o título de Campeão do Mundo, sempre com a McLaren (1988, 1990 e 1991); venceu 41 Grandes Prémios (o primeiro foi o GP de Portugal de 1985, o último, o GP da Austrália de 1993); subiu por 80 vezes ao pódio; rubricou 65 “pole positions” (recorde que ainda hoje se mantém) e 19 melhores voltas em corrida. E pronto: da frieza dos números estamos conversados. É que é preciso não esquecer que, por trás deles, está sempre um homem – neste caso, de seu nome Ayrton Senna, o Mágico.

Hélio Rodrigues

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