No futuro a questão será: como nos habituamos a não conduzir? Mas isso ainda vai certamente levar algum tempo. Hoje em dia a mudança de hábitos faz-se com a transição dos carros movidos totalmente a combustíveis fósseis para os híbridos (incluindo híbrido plug-in) e, mais radicalmente, para os veículos elétricos. Possivelmente estes ainda soam a algo estranho no nosso país. Muitos talvez nunca se tenham sequer sentado num e muitos mais ainda nem sequer conduzido. A verdade é que os veículos elétricos já se passeiam nas estradas nacionais e gradualmente com maior regularidade.

Mas se na forma podem passar despercebidos, no conceito não. De facto num modelo elétrico as diferenças vão bem para além daquilo que mundanamente se ouve: “que estranho, não faz barulho” ou “e para carregar, como fazemos?”. A própria condução obriga a uma mudança e adaptação. Não é forçoso que o façamos, mas aí não estaríamos a tirar partido daquilo que são as potencialidades do veículo elétrico e, assim sendo, não descobriríamos a sua verdadeira identidade. Seria como ter uma Bimby em casa e pegar na caixa de fósforos à procura do bico de gás para a ligar. Não faz qualquer sentido. Podem pensar que o exemplo é despropositado, e até o pode ser, mas não usar um veículo elétrico à luz das suas características, também o é.

Conceito: em traços gerais, e sempre tendo em conta que há variantes em marcas e modelos, um veículo elétrico é propulsionado por um motor elétrico, estando a energia armazenada em baterias. Apesar de o seu carregamento poder variar em termos de especificidades, todos eles podem ser carregados através dos postos de carregamento público para o efeito ou através de tomadas domésticas.

Aceleração: enquanto os carros convencionais têm o seu binário máximo disponível a determinado número de rotações do motor, nos veículos elétricos este está disponível desde o início da aceleração, o mesmo que dizer, desde os 0 km/h. Temo-lo ao alcance mal pisamos o pedal do acelerador e o seu uso só depende da nossa vontade, porque a potência está de imediato e na sua totalidade à nossa disposição. Não é que seja difícil adaptarmo-nos, mas a um primeiro contacto pode causar estranheza. Por isso, não é surpreendente que modelos elétricos, com igual ou menos potência que veículos equiparados movidos a combustíveis fósseis, tenham um arranque mais expressivo e surpreendente, mesmo que a potência não seja estrondosa.

Carregamento em marcha: quando em andamento há duas formas de podermos recarregar as baterias dos veículos elétricos. Sempre que travamos e quando seguimos em roda livre, o mesmo que dizer, embalados sem recorrermos à aceleração (aqui há que ter atenção que o sistema de regeneração de energia de alguns veículos atua como se de uma travagem se tratasse, algo que é variável na forma e intensidade entre marcas e modelos). Isto faz com que se torne um interessante e estimulante desafio estarmos a seguir viagem e percebermos que se formos mais brandos e progressivos a pisar o acelerador, se deixarmos o carro rodar livremente em situações em que possivelmente nos modelos convencionais iríamos acelerar, e sempre que travamos, podemos estar a poupar e a recarregar energia, contribuindo assim para aumentar a autonomia do nosso veículo elétrico.

Postura e conselhos para o carregamento em marcha: no fundo, não há uma fórmula mágica e não falamos aqui de Física Quântica, o processo é bem simples, basta seguir o código da estrada. Pode parecer uma resposta óbvia e pouco interessante, mas os veículos elétricos, pela sua génese, acabam por guiar a sociedade para uma condução mais segura, pensada e menos fervorosa ao volante. Por exemplo, se mantivermos a distância de segurança, em muitas situações, basta aliviarmos o pé do acelerador e somos dispensados do ato de travar devido à atuação do sistema de regeneração de energia que atua como “

travão” (em alguns modelos) ou, nos casos em que tal não aconteça, aí sim através de um ligeiro toque no travão – poupamos energia e recarregamos o carro. Em todas as descidas, escusamos de acelerar, porque, muitas vezes, não é por seguirmos mais depressa 5 km/h que irá significar na prática uma grande redução de tempo na chegada ao destino. Aí basta deixarmos o carro fluir, ver a bateria a carregar, e seguir. As acelerações a fundo podem ser dispensadas, até porque, se pensarmos bem, na maioria dos casos, salvo ultrapassagens, não necessitamos delas e o que fazem é que nós gastemos mais combustível ou, no caso, mais energia. Se somarmos tudo isto e o aplicarmos, nós próprios estamos já a assumir uma postura mais ponderada, calma e tranquila ao volante, poupando energia, continuando a marcha e, num efeito “bola de neve”, seguindo mais copiosamente o Código da Estrada, com um pormenor, nem damos por isso.

O prazer de poupar em andamento: devido ao processo de carregamento dos veículos elétricos durante a condução, acabamos por ser seduzidos por este “admirável mundo novo” a aplicarmo-nos para não o desiludir. O estímulo continua lá, o rastilho é que é diferente. Se andar depressa pode fazer-nos subir a tensão e dar-nos franco prazer ao volante, acreditem que gerir a condução no nosso dia-a-dia ao estilo de um monolugar de Fórmula E e ganhar quilómetros com isso, também dá. De um momento para o outro apercebemo-nos da proeza de poder sair de casa com uma determinada autonomia e chegar ao destino com uma autonomia superior à que tínhamos quando arrancámos. Um feito que, conseguido uma primeira vez, queremos reproduzir e tentar superar uma segunda, terceira, quarta… e por aí em diante. Nem sempre é possível, mas muitas vezes dá.

Tipos de percurso: quando temos várias opções de trajeto para um mesmo destino, um interessante exercício é podermos pensar antes a viagem e optar por um com maior número de descidas, mais plano, ou que não implique tanta aceleração, de forma a pouparmos ou regenerarmos energia. É um exercício que podemos fazer com qualquer carro, mas, na prática, arriscamo-nos a dizer que quase ninguém o fará, até porque na realidade, nos modelos movidos a combustíveis fósseis, se formos fazer “aqueles 20 km”, até podemos poupar e ver os registos de consumos na consola central, mas essa economia nunca tem o mesmo impacto que a materialização que nos é dada em quilómetros graças ao sistema de regeneração de um veículo elétrico. O conceito de se poder estar a ganhar algo enquanto se está a “gastar”, dá sem dúvida que pensar.

André Duarte/AutoSport

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