Circuito de Spa-Francorchamps:  O mais belo do mundo

25/08/2017

O Circuito de Sa-Francorchamps é o mais belo do mundo. E, com a versão Nordschleife do Nürburgring, um dos raros e verdadeiros circuitos que ainda resistem à voragem das ‘pistas-laboratório’.

A História do circuito de Spa-Francorchamps começa muito antes da sua construção, no início da década de 20 do século passado. Na verdade, já em 1896 se realizam provas nas Ardenas, em cujo coração foi implantado. E, a partir de 1902, essas corridas passaram a fazer-se numa parte fechada de estradas públicas, naquela que foi a primeira vez, no automobilismo europeu, que se fizeram provas numa ‘pista’ própria e não em estradas abertas. Nessa altura, as corridas eram, em cada ano, feitas em percursos diferentes, sempre fechados é certo, com traçados que chegaram a atingir os 118,1 quilómetros de extensão.

Foi então que, depois da I Grande Guerra, dois homens tiveram a ideia de usar o triângulo Francorchamps-Malmédy-Stavelot para os desportos motorizados. Esses homens de visão adiante do seu tempo eram Jules de Thier, dono do jornal “La Meuse” e Henri Langlois van Ophem, presidente do RACB (Royal Automobile Clube de Belgique). Nascia, assim, o circuito de Sa-Francorchamps.

Da primeira corrida à F1

A primeira corrida de automóveis marcada para Spa-Francorchamps, em 1921, teve que ser cancelada, por falta de concorrentes. Iria ter lugar num traçado com um perímetro de 14,982 quilómetros. Por isso, a primeira corrida de sempre a ter lugar em Spa foi de motos, em 1922.

Em 1924, os dirigentes do RACB, conscientes da importância de organizarem a sua própria corrida de resistência – as 24 Horas de Le Mans tinham-se iniciado um ano antes – colocaram de pé a primeira edição das 24 Horas de Spa. A principal razão desta decisão foi a de permitir aos construtores belgas (que, então, eram em numero considerável) a oportunidade de medirem forças com os seus concorrentes estrangeiros e de colocarem em prática aquilo que tinham aprendido em Le Mans. E, em 1925, realizou-se o primeiro GP, com o nome de GP da Europa e que foi ganho por Antonio Ascari, pai de Alberto, que foi Campeão do Mundo de F1 em 1952 e 1953.

A pista manteve-se sem grandes alterações e sem grande cosia que a diferenciasse das outras até 1939. Nesse ano, curiosamente o mesmo em que as atividades desportivas foram interrompidas no local por causa da Grande Guerra e em que se iniciaram as primeiras movimentações militares que, nos anos seguintes deram origem à chamada Batalha das Ardenas, entre as tropas aliadas e as nazis, com a derrota destas, foi introduzia uma nova curva – o Raidillon. O objetivo era muito simples: tornar a pista de Spa-Francorchamps na mais rápida da Europa!

Espetacular e tremendamente veloz, a subir, o Raidillon cortava a velha curva da Antiga Alfândega (‘Ancienne Douanne’). Mas, porque o Raidillon está ‘colado’ a Eau Rouge, a rápida esquerda-direita que era dantes a ligação à Alfândega, ao longo dos tempos isso deu azo a vários enganos, pois muita gente chamava (e ainda chama…) Raidillon ao que, na verdade, é a curva de Eau Rouge.

Durante a II Grande Guerra, não se realizaram quaisquer corridas e, na verdade, entre dezembro de 1944 e janeiro de 1945, o circuito de Spa-Francorchamps esteve no ‘olho do furacão’ da ofensiva das Ardenas. Felizmente, apesar de palco de tremendas escaramuças e de ser usado pelos batalhões motorizados, não se registaram danos graves nas estradas e nas estruturas de suporte à pista.

Depois da Guerra, as primeiras corridas que tiveram lugar em Spa aconteceram em 1947. Neste ano, o traçado original sofreu mais uma modificação – e sempre no intuito de o tornar o mais rápido da Europa: a ligação a Stavelot foi cortada por uma nova, muito veloz e ligeiramente em ‘banking’, curva.

Em 1950, teve lugar o primeiro Campeonato do Mundo de F1 e, desde e então, com as exceções registadas em separado, o GP da Bélgica teve lugar na pista das Ardenas. Até 1970, com exceção de 1957, o traçado usado foi o longo e velho circuito de Spa-Francorchamps.

Raidillon: onde os meninos se tornam homens

O Raidillon é uma curva à esquerda, imediatamente a seguir a Eau Rouge. Na verdade, é tão perigosamente rápida, com mudanças verticais de direção quase apocalíticas e fisicamente insustentáveis, que é onde os meninos se tornam em homens. Diz-se que é aqui que o ar escorre pelas costas dos pilotos e não contra o capacete, tal a força ascensional da secção! A luta contra o carro é constante, em especial com a sua tendência em fugir primeiro de traseira, depois, no alto da colina, de frente.

Uma aerodinâmica perfeita é exigida, bem como uma enorme solidez testicular, em especial quando o ‘muro’ de asfalto negro quase devora o nariz do carro, antes da subida. Nem todos conseguem fazer o Raidillon a fundo, mas quase todos vão a Spa para o tentarem fazer!

O velho Spa

O circuito de Spa-Francorchamps foi traçado a longo da região das Ardenas, usando estradas públicas. Ainda hoje, parte da atual pista é feita em estradas que, diariamente, são utilizadas pelos automobilistas que vêm e vão para Liége e para as autoestradas que levam a Bruxelas e à Alemanha, ali mesmo ao lado.

A tragédia acompanha de perto o velho traçado de Spa-Francorchamps: No Grande Prémio da Bélgica de 1939, disputado a 25 de junho, o britânico Richard Beattie Seaman não evitou um despiste quando liderava a prova com 28 segundos de vantagem para o segundo, à entrada da 22ª volta. Embatendo numa árvore antes do gancho de La Source, a rutura do depósito provocou um incêndio no seu carro. Richard Seaman morreu no dia seguinte em virtude dos seus ferimentos.

Essas estradas tinham (e têm…) à sua beira árvores, casas, postes de iluminação pública e passeios e, na ausência disto, simples campos de cultivo, pastagens e sebes de arbustos. Claro que, hoje, tudo isso está bem mais longe do asfalto e, principalmente – a partir de 1970, pois até então nunca tinham existido medidas de reforço da segurança da lista… – tudo está protegido por fileiras de ‘rails’ e afastado por escapatórias mais ou menos naturais. As exceções encontram-se no Raidillon e nas partes da pista que não são estrada pública. Mas, quando foi feita a pista, o que protegia os pilotos desses obstáculos eram simples fardos de palha. Para se ter uma ideia do perigo que era correr em Spa, basta refletir nas palavras de Jackie Oliver, que ali correu na F1 e em carros de ‘Sport’ e que um dia disse, que “se sairmos de pista em Spa, nunca sabemos em que vamos bater.”

Grande Prémio da Bélgica de F1

A primeira vez que o GP da Bélgica de F1 se realizou em Spa-Francorchamps foi logo no primeiro ano do Campeonato do Mundo, 1950. Não se realizou em 1957, 1959, 1969, 1971 e, depois, problemas de segurança levaram a F1 a rumar para outras paragens, como Nivelles (1972 e 1974) e, entre 1983 e 1985, Spa alternou com Zolder (que já tinha feito a corrida em 1973 e de 1975 a 1982) na realização da prova. E foi exatamente a partir de 1985 que o GP da Bélgica teve sempre como palco as florestas das Ardenas, apesar de todos os ‘esforços’ das entidades responsáveis pela competição (leia-se, Bernie Ecclestone) em afastar dali a prova, a favor de outras paragens sem história automóvel ou, muito menos, carisma mas, principalmente, de receitas de muitos milhões. Não teve lugar, por isso mesmo – dificuldades económicas – em 2003 e 2006 e, hoje, a F1 mantém-se ainda em Spa, mas é difícil dizer até quando. As pressões políticas continuam bem ativas, bem como as ‘velhas’ dificuldades económicas, com a região das Ardenas a encontrar cada vez mais problemas em conseguir cumprir o cada vez mais exigente, em termos financeiros, caderno de encargos apresentado anualmente pela entidade que gere as receitas da F1.

1960: O GP da tragédia

Na F1, existiram algumas provas que, pela tragédia que neles se viveu, ficaram na História da competição. O GP da Bélgica de 1960 foi um deles (felizmente, poucos: os outros talvez sejam o GP de Itália de 1961 e o de San Marino de 1994).

Logo nos treinos de qualificação, Stirling Moss salvou-se da morte por milagre. Na descida para Malmedy, quebrou-se uma roda do lado esquerdo do Lotus e perdeu o controlo do carro, que foi saltitando meio fora da pista, com o britânico a tentar controlá-lo e, principalmente, porque sabia que, nessa altura, ainda sem cintos de segurança, ser-se cuspido do ‘cockpit’ era morte quase certa, a tentar manter-se lá dentro. O esforço (dobrou o volante no processo, tal a força que fez com as mãos para se segurar!) resultou durante longos metros, até o carro cair numa vala. Então, Moss foi finalmente cuspido do assento, saltou no ar e caiu de barriga para baixo, com as mãos e os pés apoiados no chão, antes de ficar de joelhos, desmaiando de seguida. Os pilotos pararam para o socorrer e Phil Hill, mais tarde, confessou que o foi encontrar “de boca para baixo, estendido, a tossir e a cuspir sangue. Pediu para não lhe mexerem, até chegarem os médicos”, o que sucedeu 15 minutos mais tarde. Levado ao hospital, verificou-se que tinha quebrado algumas costelas, as pernas e o nariz, e ainda que tinha sofrido lesões na espinha.

Mas este não foi o único acidente nestes treinos: pouco antes do de Moss, a cerca de 100 metros mais adiante, Mike Taylor despistou-se com outro Lotus, quando se quebrou a coluna de direção, sendo atirado para o bosque ao lado da pista, seriamente ferido. O problema é que, como toda a gente estava a ajudar Moss, ninguém deu pela falta de Taylor e o piloto esteve ali, perdido entre as árvores, sem qualquer tipo de socorro, durante mais de uma hora… Este acidente terminou com a carreira de Taylor como piloto.

Depois destes dois acidentes, os pilotos com Lotus quiseram abandonar a corrida, mas Colin Chapman recusou-se e manteve a ideia de fazer o GP. E foi ao volante de outro Lotus que, no dia da corrida, pela 25ª volta, Alan Stacey teve o seu acidente mortal. Ninguém sabe o que aconteceu, até porque o britânico não estava a rodar muito rápido – cerca de 220 km/h, ‘pouco’ para o local, Burnenville, bem perto do sítio em que Moss se despistara na véspera. O seu corpo foi encontrado longe do carro, quase todo queimado e desarticulado, como se fosse um boneco. O carro estava num campo longe da pista, para lá de um valado de terra com quase dois metros de altura, que o carro passou em voo e depois de ter furado nuns arbustos com mais meio metro de espessura! Na altura, acreditou-se que o piloto tenha sido embatido, na face, por um pássaro, perdendo os sentidos.

Cinco voltas antes, o promissor Chris Bristow, que era considerado, aos 22 anos, um dos mais arrojados pilotos britânicos da época – dizia-se mesmo que a sua morte era uma questão de tempo! – despistou-se quando, com um Cooper, procurava passar o Ferrari de Willy Mairesse, na luta pelo 4º lugar. O sítio foi, uma vez mais, Burnenville, perto de onde Moss se tinha despistado – e, claro, daquele em que minutos depois encontraram Stacey. Bristow perdeu o controlo do carro, que derrapou de lado e foi assim acertar num poste metálico, que sustentava uma vedação em arame, que separava a pista da pastagem mesmo ao lado. O poste cedeu e a vedação ficou ao mesmo nível do pequeno para-brisas do Cooper, que saltou, decapitando o piloto. Para que conste, fique a data: 19 de Junho de 1960, um dos mais terríveis fins-de-semana do automobilismo – nos ‘States’, em dois acidentes em pistas diferentes, morreram Al Herman e Jimmy Bryan, que tinha ganho as Indy 500 em 1958.

24 Heures de Spa: A maratona mais perigosa

Spa-Francorchamps foi palco de corridas de muitos campeonatos e categorias. Mas, sem ser a F1, o que a tornou um ícone foi a prova de 24 horas que, durante anos – apesar de envolver carros diferentes – rivalizou com as 24 Horas de Le Mans, na Europa. Na verdade, enquanto estas eram o supra sumo das provas com carros de ’Sport’, as 24 Horas de Spa eram o pináculo das corridas com os carros de Turismo. Hoje, isso ainda se mantém bem vivo e as 24 Horas de Spa continuam com o mesmo carisma que as tornou uma lenda, em especial nas décadas de 70 e 80. A partir de 1989, os carros de GT juntaram-se aos de Turismo, mas apenas se tornaram vencedores em 2001, quando os Turismo foram abolidos da corrida. A BMW foi a marca que mais triunfos à geral conseguiu, 21, em 50 edições, seguida da Porsche (Turismos e GT) e da Ford (Turismos), ambas com seis. Eric van de Poele foi o piloto que mais vezes subiu ao lugar mais alto do pódio, cinco. Na primeira ‘fase’ das 24 Horas, entre 1924 e 1953, a Alfa Romeo foi a marca que mais vezes conseguiu vencer – sete.

A primeira edição das 24 Horas de Spa teve lugar em 1924 e, até 1953, quando a prova foi interrompida durante mais de uma década, carros e pilotos que brilharam em Le Mans, viajavam depois até às Ardenas, para tentarem fazer o mesmo no exigente traçado de Spa. Até 1978, a prova teve lugar no velho traçado com 14 quilómetros e, a partir de 1979, decorreu no atual perímetro de 7 quilómetros. A prova não se realizou, por motivos diversos, em 1935 e 1937, entre 1939 e 1947 (II Grande Guerra) e de 1950 a 1952 e de 1954 a 1963.

Spa-Francorchamps ponto por ponto: Os nomes que são uma lenda

Todas as pistas têm nomes. Nas curvas, com o nome de um piloto; nas retas; ou nisto; ou naquilo. Rivazza. Tamburello. Copse. Lesmo. Hotel Lowes. Parabólica. Hunaudières. Karrussel. Mas, em Spa, esses nomes parecem ainda mais misteriosos, como se encerrassem histórias de lendas inacabadas. E até é um pouco isso.

La Source

Um dos locais mais lentos da pista. Depois da meta, é a primeira travagem quando se arranca. Os pneus frios ou uma dose de ‘maluqueira’ dão como resultado um acidente. Felizmente, a escapatória é mais larga do que aquilo que parece na TV! Do lado esquerdo, existe o novo Hotel La Source, 86 quartos em quatro estrelas – e que não existia, desta forma, quando lá fomos. O que havia era uma espécie de pousada típica. La Source fica no cruzamento das estradas que levam a Liège. Lembro-me, num GP de F1, de Nigel Mansell a deixar fugir o Lotus, com a traseira a roçar as barreiras, por puro divertimento, volta após volta. Numa corrida de F1, chega-se ali a mais de 250 km/h. A saída dá para o início da descida para Eau Rouge, onde chegou a ser a linha de meta e onde ainda existem as antigas boxes, que foram usadas durante muitos anos nas corridas de suporte da F1 ou, então, em outro tipo de provas, como as 24 Horas.

Eau Rouge

A besta. Na verdade, é o início da mais famosa parte de Spa-Francorchamps, Eau Rouge/Raidillon, que foi introduzida em 1939, no lugar da lenta curva da Antiga Alfândega. Depois de fazer La Source, os pilotos encontram uma vertiginosa descida, rumo ao vale onde corre o riacho de Eau Rouge e que precede uma subida quase a pique (conheço pilotos, como Miguel Vilar, que descreveram essa subida como se fosse ‘um muro’ que aparece de frente e cresce de forma assustadora com a velocidade…) rumo ao Raidillon. A passagem da descida para a subida, mesmo no ‘apex’ da curva, é uma compressão terrível e faz ‘subir’ o estômago até ao pescoço. Neste sítio, até mesmo os mais temerários hesitam em levantar o pé nem que seja uma fração de segundo. O erro, aqui, paga-se muito caro, em especial quando a pista está húmida – que é o mais frequente nas Ardenas. Para se fazer esta curva a fundo, é preciso, como não se cansam de referir os pilotos, não apenas um bom par de t…., mas também um carro perfeito a nível de aerodinâmica. Até mesmo para os mecânicos esta parte é um desafio, pois é preciso saber muito bem tratar o motor, por forma a que a súbita necessidade de lubrificação vertical, quando se começa a subir, não fique comprometida. Porque uma mínima falha de potência pode ter efeitos devastadores.

Depois das mortes de Ayrton Senna e de Roland Ratzenberger, em 1994, foi introduzida no local uma chicane provisória que, felizmente, foi logo retirada, optando-se por aumentar drasticamente as escapatórias de ambos os lados da pista. Foi neste local, quando se começa a subir, que perdeu a vida Stefan Bellof, em 1985. E onde, em 1993 – o meu primeiro ano em que ‘fiz’ a F1 em Spa – teve o seu acidente Alex Zanardi; e, seis anos mais tarde, tirados a papel químico, os dois pilotos da BAR, Jacques Villeneuve e Ricardo Zonta, que deram origem a deliciosas anedotas. Ou, enfim, onde morreu o jovem piloto local Guy Renard, nas 24 Horas, quando o seu Toyota Corolla GT 16V foi ‘ensanduichado’ por um Porsche Carrera 2 e um Ford Sierra Cosworth, pouco depois da meia-noite. Eu estava lá e ainda hoje me recordo da copa dos pinheiros, no cimo da colina, iluminados pelas chamas como se fosse dia.

Kemmel

Esta é a maior reta do circuito, onde os pilotos podem descansar um pouco enquanto aceleram para lá dos 330 km/h. Hoje, na F1, é um dos sítios onde o DRS tem mais importância. A travagem para Les Combes é violenta e possibilita as ultrapassagens. É aqui que os carros atingem a maior velocidade de ponta em Spa, pelo que sair bem de Eau Rouge/Raidillon é fundamental. É também o local mais elevado da pista e, outrora, seguia-se em frente para a parte velha.

Les Combes e Malmedy

São duas zonas seguidas, mas diferentes. Les Combes começa-se a cerca de 140/150 km/h (num F1) e é uma chicane que não é nada fácil de fazer e onde os pilotos, depois de passarem as zonas anteriores, têm uma rara oportunidade de testarem os travões – que não usam desde La Source. Logo a seguir, há uma pequena reta e chega-se a Malmedy, uma rápida curva à direita, que mergulha de repente a seguir a uma curta subida.

Rivage

Esta é uma dupla curva fantástica, a primeira de 180º à direita, com passagem para camber negativo na saída, onde tudo pode ficar comprometido com um erro, mesmo se ligeiro. A saída é ainda mais em declive, até à segunda Rivage, que é uma curva à esquerda ainda mais rápida e de saída bem mais difícil.

Masta Kink (antiga Spa)

Masta Kink faz parte da nomenclatura da velha pista de Spa. Hoje já não existe – ou melhor, é apenas uma estrada, que fizemos quando deixámos Malmedy, no primeiro ano em que fomos a Spa. Na verdade, quando era usada nas corridas, era uma das partes mais assustadoras de qualquer pista do mundo. Exigia precisão e muita, mas mesmo muita, coragem. Depois de uma longa reta após Malmedy, os carros chegavam à velocidade máxima mesmo antes de negociarem Masta, uma brutal sequência esquerda-direita, feita a alta velocidade e de cuja saída dependia a forma de fazer a longa reta que levava a Stavelot. A F1 deixou de fazer Masta após o GP de 1970 e, na altura da última corrida que usou a parte velha da pista, os carros faziam esta sequência a uns 305 km/h.

Jackie Stewart iniciou a sua cruzada pela segurança na F1 depois do seu acidente em Masta, em 1966, quando o seu BRM ficou virado de rodas para cima, na adega que existia na cave da quinta que existia mesmo ao lado da pista, com o combustível a pingar e a encharcar o fato do escocês, que estava ferido e incapaz de sair do ‘cockpit’. Felizmente, o combustível não se incendiou. Outra história que sucedeu em Masta aconteceu durante as 24 Horas de 1973, prova trágica, em que morreram três pilotos: ao parar nas boxes, durante a noite, Hans-Joachim Stuck gritou para Jochen Mass, seu colega de equipa, para tomar atenção, porque existiam partes de corpos espalhados em Masta. Mass não acreditou, pensava que eram, isso sim, destroços de um carro. Mas, ao chegar lá, verificou que, afinal, o que estava espalhado pela pista era o que restava de um infeliz comissário, que tinha sido atropelado…

Burneville

Outra curva do velho traçado, que hoje não existe – exceto as ruínas de um velho jardim-de-infância, onde existia um café, mesmo no ‘apex’, de cuja esplanada os clientes podiam ver os pilotos em ação, tão próximos estavam da pista. Esta era uma curva á esquerda, que era feita a cerca de 200/210 km/h. Foi usada em corridas até 1978.

Pouhon

Esta é uma curva poderosa, uma grande curva à esquerda, de longo raio e onde se pode perceber toda a bravura de um piloto. Por isso, este é um dos lugares mais propícios a acidentes, em Spa-Francorchamps. Muito rápida (chega-se lá a 290 km/h), é preciso ser-se muito disciplinado e preciso na saída, para não se ir de encontro às barreiras. Qualquer distração paga-se, neste sítio, com um embate muitas vezes dramático.

Des Fagnes

Des Fagnes é uma rápida sequência direita-esquerda, cuja negociação correta é muito importante para as curvas que vêm logo a seguir. Neste local, que é ligeiramente mais lento do que os anteriores ou os seguintes, os pilotos têm uma maior ‘paz de espírito’, pois as áreas das escapatórias são maiores. Os pilotos têm que se manter do lado esquerdo, para apontarem à próxima curva, Stavelot.

Stavelot

Stavelot é um importante conjunto de duas curvas à direita, com a primeira a ser a mais exigente, com cerca de 90º e a travagem a ser feita a cerca de 250 km/h. Após o ‘apex’ de Stavelot 1, os pilotos têm que ser lestos a retirarem o gás, antes de esmagarem o acelerador ao longo de Stavelot 2, entrando numa curta, mas rápida, seção de ‘falsa reta’, ou seja, reta com perfil de uma ligeira curva, feita sempre a fundo.

Blanchimont

Este é outro dos locais de Spa onde os homens se separam dos meninos. E também dos mais assustadores, onde o antigo traçado se junta com o novo. Curva à esquerda de alta velocidade, acima dos 305 km/h, cuja entrada é cega, exige uma boa capacidade testicular para a fazer a fundo, pois tem dois ‘apex’ e a área de escapatória é demasiado curta, na saída. Foi aqui que Érik Comas, em 1992,e Luciano Burti, em 2001, sofreram terríveis acidentes, no GP de F1. Comas foi salvo por Senna, que parou e correu para o carro e Burti ficou desmaiado, completamente submerso pelos pneus. Em 1997, Tom Kristensen bateu nas barreiras com o seu F3000, antes de ser atirado para o meio do pelotão, a cerca de 250 km/h, inconsciente no ‘cockpit’ Esta é a derradeira curva antes da reta que leva à Paragem do Autocarro.

“Bus Stop”

‘The last, but not the least’ – a Paragem do Autocarro é, na realidade, um local onde o autocarro entra num desvio, para recolher e deixar passageiros, nas suas viagens quotidianas. Hoje é uma das zonas mais lentas da pista, onde se chega a mais de 300 km/h. Mas esta sequência nem sempre foi assim, tendo sofrido drásticas alterações já neste século, porque falar a travagem podia significar uma entrada a mais de 200 km/h na zona das boxes da F1. Hoje, esta entrada é mais estreita e fica a meio da chicane, em vez da continuação da reta que vem de Blanchimont. A saída, hoje mais rápida. Leva à reta da meta da F1 e à travagem para La Source, onde se chega a mais de 250 km/h. Quando lá fui, era uma dupla chicane, primeiro uma ‘esquerda-direita’, depois uma ‘direita-esquerda’, separadas por uma curta reta. Hoje, é uma única chicane ‘direita-esquerda’.

Pedaços de memória

Fui a Spa várias vezes: Fórmula Opel, Fórmula 3000, Fórmula 1, 24 Horas, 1000 Km… Com Monza e o Nordschleife, Spa fazia parte do meu imaginário de criança e de adolescente, apaixonado pelas corridas de automóveis. Sempre quis ir a Spa, tal como a Monza e ao Nordschleife. Felizmente, fui a todas.

A primeira vez que fui a Spa foi em 1988 ou 1989. Lembro-me da entrar na pista, ainda com trânsito, no fundo de Eau Rouge e olhar para o meu lado esquerdo, para a subida do Raidillon, com camiões a treparem até ao cimo. Para se chegar a Eau Rouge, descia-se quase a pique, para a antiga curva da Velha Alfândega, passava-se por baixo de uma estrada e por uma ponte, antes de se subir até ao alto de La Source.

Lembro-me. Do velho hotel, antes de La Source. Do acidente de Guy Renard e das árvores a ‘arderem’, na noite do Raidillon. Do acidente do Zanardi. De Pedro Lamy e Rubens Barrichello, imberbes nos seus 18 anos, o terror da noite local, com ‘Rubinho’ ainda de aparelho nos dentes. Da constante morrinha. Dos canteiros de amores-perfeitos, nas vilas dos arredores. De comer ‘moules’ [mexilhões, não aquilo em que estão a pensar…] de todas as maneiras e feitos e das batatas fritas de mil e uma formas, produto típico nacional. Da chicane da paragem do Autocarro, com 50 carros a ‘Mil à Hora’, na primeira passagem das mais de 200 que faziam parte das 24 Horas. Do belga que era maluco por carros italianos, que nos levava de sua casa, onde ficámos alojados, num velho Alfa 175 a cair de podre e cuja porta só conseguíamos fechar depois dele gritar: “Força! Não tenha medo, é italiano!” Do [ex-jornalista] Henrique Cardão a contar a mesma anedota porca em quatro línguas diferentes, noite alta, nas esplanadas frias de Malmedy (ou seria Stavelot?), para uma estupefata plateia de recatadas meninas de cabelos curtos aos caracóis, mais os seus pacatos paizinhos de fato engomado. Do Rui Faria me mostrar, com reverência, onde passava a velha pista de Spa.

Ah! Fiz Spa por duas vezes, no tempo em que se podia subir o Raidillon, pois era uma estrada pública. Da primeira, num Citroën GS (!!!), com o carro cheio e o Diogo Castro Santos ao volante – a chicane do Bus Stop foi feita em três rodas, suavemente e sem sobressaltos. Na outra, ‘pilotei’ uma Mitsubishi Space Star, durante a sua apresentação mundial, quando ‘fugimos’ ao roteiro para dar uma escapadinha a Spa, que ficava (mais ou menos) a caminho de Bruxelas. Que bem que soube descer até Blanchimont, com o passageiro do lado (da Mitsubishi) sempre a perguntar se era “seguro”…

Em Spa, em pleno ‘penico da Europa’, como são conhecidas as Ardenas, chove quase sempre. E, ao contrário do Nordschleife, ali ‘ao lado’, não há sinais de trânsito com sapos, mas sim muitas placas a indicar termas – afinal, a palavra que hoje as define vem dali mesmo, de Spa…

Hélio Rodrigues/Autosport

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