Entrevista: O Citroen C3 WRC explicado por quem o criou

13/01/2017

Laurent Frégosi admitiu que a experiência de três anos no Campeonato do Mundo de Turismo foi valiosa para o desenvolvimento do novo C3 WRC. Em entrevista ao AutoSport, o diretor técnico da Citroën Racing falou sobre todas as etapas do projeto

Diretor Técnico da Citroën Racing, o francês Laurent Frégosi foi responsável pelo desenvolvimento do novo C3 WRC – máquina que o fabricante irá utilizar a partir da próxima temporada no Mundial de Ralis. Membro dos quadros da Citroën há vários anos, Frégosi acompanhou todas as questões técnicas relativas ao último ano da marca no WTCC, em 2016, tendo trabalhado em projetos como o Xsara WRC, C4 WRC, DS3 WRC e C-Elysée WTCC. Sobre a viatura que Kris Meeke, Craig Breen e Stéphane Lefébvre se preparam para pilotar no próximo ano, o dirigente revelou que o seu desenvolvimento teve início em abril de 2015: “Começámos a trabalh

laurent-fregosiar com um número muito restrito de pessoas no departamento de design. Originalmente eram apenas duas pessoas. Depois, três. Não começámos a todo o vapor! Fomos incre
mentando o número de quadros alocados ao processo a partir de setembro de 2015, e aí sim todos começaram a trabalhar neste projeto. O carro é completamente novo comparativamente ao DS3 WRC. Mantivemos certas filosofias, e mesmo se muitas partes são completamente novas, mantivemos muitas ideias no DS3, embora no final tenhamos redesenhado todas as peças”.

 

Quantos carros de teste foram construídos? Começámos com um carro em abril deste ano, e depois em julho introduzimos um segundo carro de testes. Desta essa data realizámos cada sessão de testes com apenas um carro, intercalando-os. Fazemos um teste com um carro e o seguinte com o outro.

O maior desafio deste projeto esteve relacionado com o trabalho aerodinâmico?
É difícil assumir que foi o maior desafio. É uma das grandes dificuldades, uma das grandes diferenças. Desse modo trabalhámos muito no capítulo aerodinâmico. Consideravelmente difícil foi definir a forma ideal que seríamos capazes de manter ao longo de cada rali. Refiro-me aos estragos no carro, em particular perder o para-choques da frente. Foi complicado encontrar um bom compromisso entre o efeito dos danos e a aerodinâmica do carro.

Que vantagens aerodinâmicas beneficiou o C3 WRC da experiência da Citroën no WTCC?
Os esforços que fizemos no carro de turismo não são os mesmos porque o formato da carroçaria dos carros é distinto. Na aerodinâmica não podes transferir algo de um carro para o outro porque esta é muito dependente da forma do carro na sua variante de série e na liberdade que tens ao teu dispor relativamente ao regulamento, o que é bastante diferente no WTCC e WRC. O objetivo base de ambos é o mesmo – conseguir maior carga aerodinâmica sem criar demasiado arrasto.

Passando para a transmissão e a reintrodução do diferencial central, recorreram à experiência passada do tempo em que os antigos Citroën também tinham diferenciais centrais?
Do ponto de vista mecânico, a filosofia aplicada no novo C3 é muito semelhante. Tal como sucedia no C4, temos software para reconduzir a potência, mas tivemos uma nova ideia que foi implementada no software de modo a termos mais opções nesse ajustamento. Já a caixa de velocidades e o diferencial traseiro foram desenvolvidos de forma muito próxima em conjunto com a Sadev.

Realizaram várias sessões de testes. Qual foi a prioridade dessa ordem de trabalhos? Comportamento em terra, resistência e fiabilidade das peças, asfalto… Qual foi a primeira prioridade?
O comportamento em terra, porque existem mais ralis neste tipo de piso do que em asfalto. Outro motivo está relacionado com o facto de a fiabilidade em pisos de terra ser mais difícil de alcançar do que em asfalto. Para garantir que descobríamos problemas de fiabilidade das peças. Decidimos que era mais importante iniciar os testes com o carro na gravilha.

Qual é a história por trás do motor?
Tendo em conta o novo regulamento do WRC fomos obrigados a modificar diversos componentes do motor. No entanto, recorremos à experiência que já tínhamos do motor do WTCC, cujas regras eram muito semelhantes ao que passará a vigorar no Mundial de Ralis em 2017. Combinámos o conhecido obtido nessas duas disciplinas e trouxemos para cima da mesa algumas novas ideias que foram depois testadas na máquina antes de redesenharmos as peças para o motor do novo carro. Este não é exatamente igual ao que tínhamos no WTCC.

Os regulamentos trouxeram um novo desafio às marcas devido ao restritor de maiores dimensões que passa a fazer parte dos motores. A vossa experiência em pista com este tipo de conceito ajudou-vos no desenvolvimento do novo bloco?
Ajudou, em particular porque fizemos um novo motor. E desse modo aproveitámos a experiência obtida para melhorar e implementar uma série de componentes no motor do C3 WRC que será utilizado no próximo ano. A pressão do turbo é igual ao que já tínhamos no antigo DS3 WRC. A única diferença é o aumento do diâmetro do restritor. Portanto o nosso objetivo na gestão do motor foi obter uma boa resposta à saída das curvas. No entanto, ter mais potência não muda assim tanto um carro do WRC. A consequência de teres mais potência com o mesmo binário máximo está no facto de passarmos a utilizar o motor a regimes mais elevados, em comparação com o carro antigo.

A suspensão foi inteiramente desenvolvida por vós ou receberam ajuda externa?
No início foi apenas um desenho da Citroën. Definimos os amortecedores que iríamos utilizar tanto em terra como no asfalto, mas contamos trabalhar com alguns fornecedores especialistas na matéria. Não é para já. Neste momento é um desenho da Citroën.

Com que dificuldades inesperadas foram confrontados no desenvolvimento do carro, algo que não esperariam que fosse um problema?
Um dos problemas foi arranjar uma forma de não danificar o para-choques dianteiro e traseiro. Tivemos também alguns problemas com o veio de transmissão. Era algo de que não estávamos à espera, mas não foram grandes problemas e sim algo que fomos capazes de resolver. Devo dizer que nunca fomos confrontados com uma situação em que tivemos de ser forçados a interromper uma sessão de testes. Conseguimos sempre realizar muitos quilómetros, o que é muito positivo. Tivemos que modificar o aspeto do carro por diversas vezes, uma vez que conduzimos simulações até bem tarde na aprovação final do projeto, e não nos ajudou o facto de alguns elementos referentes ao desenho do carro terem sido definidos muito tarde. O objetivo passou por garantir que, independentemente do problema, não iríamos parar o carro. E que, de cada vez que modificávamos o desenho da carroçaria, nos encontrávamos 100% certos de que não estávamos a aumentar o risco de danificar os para-choques, em particular o dianteiro.

Quantas viaturas construíram para esta temporada?
Teremos dois carros para cada piloto. Dois carros para cada um dos pilotos oficiais e um carro para o Khalid [Al Qassimi]. Portanto, um total de sete. Pensamos também inscrever quatro viaturas ao mesmo tempo em alguns eventos.

Martin Holmes com André Bettencourt Rodrigues/Autosport