O Dakar dos pobres foi há 10 anos

26/02/2017

Está a ver o Dakar? Então esqueça, porque esta prova não tem mesmo nada a ver, apesar de também atravessar diversos países e envolver equipas de todo o mundo. Ah, e os carros não podem custar mais do que 145 euros…

Não sendo uma excursão, também não é um rali, porque chegar em primeiro ou último é exactamente igual. Dá pelo nome de Plymouth- Banjul Challenge e ganhou fama como “o Dakar dos pobres”. Aqui não há orçamentos milionários, tão pouco equipas oficiais ou veículos de assistência. Pelo contrário, os regulamentos desta prova avisam que os carros não podem exceder os 145 euros; que os custos inerentes à preparação se devem ficar pelos… 22 euros; e, finalmente, que os veículos serão leiloados no final da aventura. O objectivo é simples, mas grandioso: Levar ajuda humanitária à população da Gâmbia. 220 inscritos Nesta edição de 2007 estão inscritas 220 equipas oriundas

de 18 países, seis das quais são portuguesas. Divididas em quatro grupos, com cerca de 50 carros cada, as equipas têm datas de partida diferentes: a primeira saiu a 19 de Dezembro, a segunda a 26 de Dezembro, a terceira apenas três dias depois e a quarta no dia 2 de Fevereiro, sempre da cidade de Plymouth, no sul da Reino Unido, embora os portugueses se juntem ao resto da comitiva já em Tarifa (Espanha).

O percurso será de seis mil quilómetros – mais coisa, menos coisa – atravessando os seguintes países: Reino Unido, França, Espanha, Gibraltar, Marrocos, Mauritânia, Senegal e Gâmbia, terminando em Banjul, a capital. Á chegada as viaturas serão, obrigatoriamente, doadas à organização, que depois as leiloará, juntamente com todo o material transportado pelas equipas. A verba conseguida reverterá a favor de hospitais, instituições de solidariedade social e ONG locais. Só no ano passado, o montante angariado ultrapassou os 210 mil euros. E dos 86 carros que se apresentaram à partida, apenas 11 não atingiram o final. Grandes malucos Incluída no segundo grupo, a “Pritt Lusos” é uma das equipas portuguesas que já cumpriu o trajecto até á capital da Gâmbia, onde chegou no passado dia 14 de Janeiro. «Muitos furos, nenhum problema mecânico relevante, um farol partido e oito litros de óleo», foi o balanço desta odisseia, cumprida num Ford Fiesta 1.1 CLX “topo de gama”, partilhado por Sandra Ferreira e o Raul Silva.

Ao terceiro grupo juntou- se, por sua vez, a “Lelo’s Team”, uma equipa constituída por dois maquetistas (José Machado e Manuel Correia) que além do trabalho partilham o  gosto pelas viagens, pelo coleccionismo e pelos automóveis. Ao volante de uma Ford Transit, partiram da Torre de Belém a 30 de Dezembro, alcançando o seu objectivo apenas 17 dias depois, apanhando mesmo alguns carros do Grupo 2. Único sobressalto: uma caixa de velocidades partida na travessia de Marrocos. De regresso a casa estão, também, as três meninas da equipa René’s Kitchen Girls”: Andreia (21 anos, Maia), Carla (26 anos, Guimarães) e Ana Sofia (23 anos, Matosinhos). Também elas cumpriram a missão, levando um R19 TR de 1989, carinhosamente apelidado de  “Little Tank” até Banjul, onde chegaram a 16 de Janeiro passado. O carro custou-lhes 275 euros, a que acresceu um curativo de 350 euros. Pelos vistos, foi um dos mais licitados no final. Os próximos clientes Incluídos no quarto e último grupo estão mais duas equipas lusas que se juntaram já na última madrugada ao resto do pelotão, em Tarifa: os “Mechanical Brothers”, de Braga, e os “Bacalheiro”, do Porto. Os primeiros, Eduardo Ribeiro (de 32 anos) e Rui Melo (de 28), fazem-se à aventura num BX 14 RE de 1989, adquirido em Lisboa por 400 euros. Colegas do curso de Engenharia Mecânica da Universidade do Minho, deixaram-se seduzir pela história de um amigo que há um ano

também embarcou nesta aventura: «As ideias absurdas surgem sempre no café. E esta não foi excepção. Em Maio, soubemos que tínhamos sido seleccionados, de entre um grupo de mais de dois mil candidatos. A partir daí, foi meter mãos à obra, procurar o carro (convinha ser francês, porque o Norte de África está cheio deles), prepará-lo com a ajuda dos amigos dos amigos e, finalmente, garantir o mínimo de apoios», explica Eduardo Ribeiro que prevê gastar um máximo de 1800 euros, incluindo já os 600 euros do bilhete de avião para a viagem de regresso. «Saber que podemos fazer a diferença com tão pouco é realmente gratificante », confessa este bracarense, técnico de Manutenção nos Transportes Urbanos de Braga. O outro projecto é encabeçado por Miguel Dantas e Sérgio Mendes, que apostam num velhinho Humber Sceptre 250 de 1969 – um clássico britânico cedido e preparado pelo Auto Museu da Maia. «Será quase um milagre se chegarmos ao fim. Por um lado, temos a noção que o carro vai bem preparado.

Por outro, sabemos que será muito difícil reparar alguma anomalia durante a viagem, mais ainda se implicar a substituição de alguma peça. Mas desde que o Tiago Monteiro entrou na F1, já acredito em tudo», brincou Miguel Dantas, um engenheiro mecânico de 28 anos, natural da Maia. A seu lado estará o amigo Sérgio Mendes, estudante de Microbiologia de 26 anos. Os dois ponderam gastar cerca de dois mil euros. «Para poupar algum, levamos tendas, sacos-cama, um pequeno fogão e enlatados. Luxos é que não!». Haja agora fé, porque dinheiro, está visto, não é preciso muito.

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Lista com uma ambulância e até um… autocarro

Se há ponto onde as regras são invariavelmente quebradas é na aquisição dos carros, embora o denominador comum entre este numeroso e eclético pelotão seja mesma a utilização de… chaços. Entre os mais abastados, podemos encontrar modelos tão diversos como um: Mercedes 190, Renault 21 Nevada, Audi 100 Avant, Rover 620, Volvo 850 Estate, Ford Scorpio, Saab 900, Cadillac Deville, VW Jetta, Peugeot 406 ou Opel Omega. Depois, no grupo dos mais baratinhos, temos: Renault 4, 2CV, Seat Marbella, Lancia Y10, Citroen AX 1.1, Peugeot 205, Mazda 121,Lada Niva, Fiat Uno, Renault 19 e Opel Kadett. Finalmente, os mais inesperados, como: duas ambulâncias, uma com base num Land Rover 109 e outra no Leyland DAF, um autocarro escolar Gmc Thompson, uma Iveco Minibus e até um camião DAF 6×6. Há de tudo.

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Julian Nowill: O fundador

A ideia do Plymouth-Banjul Challenge nasceu de um frustrado corrector de acções londrino, de nome Julian Nowill. Há meia dúzia de anos, lembrou-se de fazer uma viagem por África, juntamente com uns amigos. Como não tinham muito dinheiro para gastar, instituíram como regra que os carros não podiam custar mais de 100 libras (150 euros). Depois, pensaram ainda que podiam usar a viagem para ajudar alguém. Então vai e faz-se um leilão com os carros que conseguirem chegar e dá-se o dinheiro a associações

locais. Nascia assim a mais barata alternativa ao Lisboa-Dakar. «Pensei este rali em oposição ao verdadeiro Dakar, para provar que também se consegue fazer uma prova ao longo de África com um chaço, sem experiência ou outras qualidades especiais », conta este britânico, de 47 anos.

Regras

• O valor do carro não deve ultrapassar as 100 libras (145,89 euros)

• O custo na preparação não deve exceder as 15 libras (21,88 euros);

• A partir do momento em que o rali estiver na estrada, a organização não prestará qualquer tipo de assistência. Ou seja, as equipas estarão por sua conta e risco;

• O percurso deve ser cumprido em cerca três semanas, desde a data da partida;
• Os carros devem ter o volante do lado esquerdo;

• Todos os veículos que conseguirem chegar à capital da Gâmbia (Banjul) serão leiloados. O dinheiro angariado será entregue a instituições de solidariedade social;

• Todas as regras podem ser quebradas, exceto as relacionadas com a vertente humanitária da prova.

José Luís Abreu