‘Stepneygate’ abalou o paddock da F1 há 10 anos

29/09/2017

A saída da FIA do Responsável Técnico da FIA, Marcin Budkowski, do seu cargo, deixou as equipas de Fórmula 1 muito nervosas, pois querem acautelar a possibilidade dos seus segredos serem ‘levados’ para outro lado. Acontece muita vez trocas de engenheiros e diretores técnicos, que depois do habitual período de ‘jardinagem’, podem recomeçar a trabalhar noutro lado, mas neste caso trata-se de um elemento da FIA que há anos lida com os segredos de todas as equipas, pois isso faz parte do seu trabalho. Não se tratando da mesma coisa, recordamos um caso acontecido precisamente há dez anos e que ‘abanou’ fortemente a F1, o ‘Stepneygate’.

O caso relativo a possível espionagem industrial envolvendo Nigel Stepney ultrapassou todas as dimensões esperadas, depois de ter sido revelado que Mike Coughlan, o Chefe de Projecto da McLaren, também poderia estar envolvido neste imbróglio. Subitamente a equipa de Ron Dennis viu-se na posição de suspeita de envolvimento num caso de roubo e receptação de documentos confidenciais, vendo-se forçada a reagir oficialmente, mas três dias depois tudo se complicou ainda mais quando a Honda teve de emitir um comunicado, admitindo que Nick Fry se encontrara com os dois suspeitos, mas recusando ter recebido qualquer informação por parte de Coughlan ou Stepney. Tratando-se agora dum caso de policia, são poucas as informações oficiais disponíveis, mas no meio dos rumores e suposições sempre foi possível estabelecer alguns factos, de que vos damos conta em separado. O que é praticamente um dado adquirido nesta altura é que tanto a Ferrari e a McLaren se apresentam como partes lesadas neste processo, enquanto a Honda vai ter de demonstrar que não fez nada de errado, não adquiriu a informação que Stepney alegadamente retirou da Ferrari e terá entregue a Coughlan numa reunião a dois, que tiveram antes de se encontrarem com Fry em Heathrow.

Recordamos aqui a cadeia de acontecimentos:

*Stepney entra em conflito com Mário Almondo (F);
*Stepney encontra-se em privado com Fry (F);
*Stepney contacta Mike Coughlan (A);
* Stepney retira informação confidencial à Ferrari (A);
* Stepney encontra-se com Coughlan perto de Barcelona, a 28 de Abril (F) e entrega-lhe um dossier confidencial (A);
* Mulher de Coughlan terá digitalizado o dossier numa loja comercial na vila onde moram (R);
* Dono daquela loja entra em contacto com a Ferrari (R):
* Ferrari entrega queixa contra Stepney à policia italiana (F);
* Policia convoca elementos da Ferrari para depor contra Stepney, a 17 de Maio (F);
*Casa de Stepney revistada pela policia italiana (F);
* Stepney e Coughlan encontram-se com Fry em Heathrow, a um de Junho (F);
* Stepney parte de férias para as Filipinas (F)
* Aldo Costa regressa de emergência a Maranello para investigar o alegado roubo de informação,
entre os GP do Canadá e dos Estados Unidos (F);
* Ferrari suspende, primeiro, e despede, depois, Stepney (F);
* Ferrari entra em contacto com a justiça inglesa (F);
* Detective privado, com mandato judicial, revista casa de Coughlan (F) e encontra elementos comprometedores (A);
* McLaren suspende Coughlan, procede a investigação interna e informa a Ferrari e a FIA dos resultados dessa investigação, abrindo as suas portas
* uma investigação da Federação (F);
* Honda admite contactos de Fry com Stepney e Coughlan (F);
*Stepney regressa de férias, refuta acusações e lança campanha contra a Ferrari. (F)

McLaren não foi penalizada
O CONSELHO Mundial da FIA deu como provado que a McLaren teve acesso a informação confidencial da Ferrari, mas decidiu não penalizar a equipa inglesa por considerar que esta não tirara qualquer proveito daquela situação. Mesmo assim a FIA deixou em aberto a possibilidade de vir a penalizar, no futuro, a McLaren-Mercedes se concluir mais tarde, que a equipa de Ron Dennis utilizou a informação retirada à Ferrari para seu beneficio, apontando a exclusão dos Mundiais de 2007 e 2008 como possível consequência desse aproveitamento. No final duma reunião bem acesa, segundo alguns dos intervenientes, voltou a prevalecer a opinião de Max Mosley, como é norma nestes Conselhos Mundiais, mas a forma escolhida pela FIA para explicar a sua decisão confundiu mais do que esclareceu, pois deu a McLaren como culpada e não a penalizou. Como é óbvio a decisão da FIA deixou a Ferrari e toda a Itália em pé de guerra, até com Briatore a entrar na discussão, mas já se sabe que a Scuderia não vai apelar dentro das instâncias desportivas. Em contrapartida, a Ferrari vai iniciar hoje procedimentos legais contra a McLaren em Itália, acusando-a de espionagem industrial. Isto quer dizer que se a nível desportivo não deveremos ter mais consequências deste caso tão desagradável, já no que toca ao campo judiciário poderemos ter de esperar mais de um ano para se chegar a uma primeira sentença, com o relacionamento entre as duas melhores equipas do momento a estar claramente pelas ruas da amargura.

Stepney e Coughlan sob alçada da FIA
Nigel Stepney e Mike Coughlan vão ser chamados a responder perante a FIA face às acusações de que são alvo. Os dois homens arriscam-se a ser banidos do desporto automóvel para o resto das suas vidas, o que teria consequências económicas desastrosas para ambos, sobretudo Coughlan, que nunca chegou a ter um salário compatível com o cargo que lhe era atribuído na McLaren. Esta decisão da FIA, que ainda não convocou os dois homens, parece indiciar que a Federação acredita que tendo agido de forma concertada entre ambos, os dois homens agiram isoladamente, sem o conhecimento dos superiores de Coughlan, o que ajuda a explicar a não punição da McLaren.

Ferrari em fúria
INCOMPREENSÍVEL, ilógica, desprovida de senso. Jean Todt não se poupou nos adjectivos quando se tratou de analisar a decisão tomada pela FIA relativamente ao “Stepneygate” e já fez saber que a Ferrari vai avançar com uma causa contra a McLaren num tribunal italiano, acusando a equipa inglesa de espionagem industrial. Segundo o francês, «ficou demonstrado que a McLaren teve acesso a 780 documentos relativos ao nosso carro e à nossa equipa e, por isso, não compreendo como não foram penalizados. Segundo a FIA a McLaren não utilizou a informação em seu benefício, mas isso é coisa que não podemos saber, porque não temos acesso aos computadores da McLaren. Por outro lado ficou provado que a clarificação pedida à FIA acerca do sistema de funcionamento dos fundos planos visava afectar a Ferrari e isso foi conseguido. Por isso, se a McLaren não beneficiou directamente da informação que obteve de forma fraudulenta acerca do F2007, utilizou-a para nos prejudicar, o que a beneficiou indirectamente.» Todt afirmou, ainda, que, «depois de 40 anos automobilismo já não há nada que me surpreenda, mas desta vez chegamos mesmo ao limite. Toda a argumentação da FIA foi no sentido de incriminar a McLaren, mas, no final, não a penalizaram.» Dennis comedido Nestas circunstâncias, Ron Dennis pouco ou nada teve para dizer, limitando-se a afirmar que, «a decisão da FIA pareceu-me justa e equilibrada. » Mesmo assim o patrão da McLaren admitiu não estar totalmente à vontade com a decisão e com alguns dos seus pressupostos, «mas aceito a decisão do Conselho Mundial.» Em contrapartida, e sem ser visto nem achado neste processo, Flavio Briatore declarou-se, «espantando com esta decisão. A mim parece-me coisa de Pôncio Pilatos, pois a FIA limitou-se a lavar as suas mãos neste processo. Então a McLaren é culpada e não é penalizada? Não percebo. Então como é que não tiraram vantagem do dossier que tinham em seu poder? Ficaram a saber tudo sobre a Ferrari e sobre o F2007 e os meus engenheiros também gostariam de ficar a saber qual a distribuição de pesos do Ferrari.» No geral bem se pode dizer que as reacções foram bastante divididas, com os italianos e alguma imprensa francesa do lado da Ferrari, enquanto ingleses, alemães e espanhóis apoiaram a decisão da FIA.

FIA convocou Tribunal de Apelo
O ‘Stepneygate’ conheceu uma série de desenvolvimentos improváveis na semana passada, que tornaram praticamente impossível seguir os acontecimentos, tal a velocidade a que estes se sucederam. Primeiro foi a Ferrari a reagir, de forma continuada e com enorme virulência, insurgindo-se contra as decisões do Conselho Mundial Extraordinário, mas sem fazer seguir o seu caso para o Tribunal de Apelo da Federação Internacional.

Depois, e provavelmente com a intenção de calar a Scuderia e a imprensa italiana, que continuava a apoiar a Ferrari de forma muito evidente, foi a FIA que decidiu submeter a decisão do Conselho Mundial Extraordinário ao Tribunal de Apelo, dando nova possibilidade à Ferrari para apresentar os seus argumentos. Esta tomada de posição veio na sequência duma carta aberta do presidente do Automóvel Clube de Itália, Luiggi Macaluso, a Max Mosley, no qual se insurgia contra o facto da Ferrari não ter tido a oportunidade de intervir, como pretendia, durante o Conselho Mundial. McLaren reage mal Como é evidente a McLaren reagiu mal a esta decisão, que considerou lamentável, mas uma vez mais Ron Dennis mostrou-se confiante na inocência da sua equipa face a esta nova chamada face à justiça federativa.

No paddock, no entanto, era quase unânime a ideia de que a motivação de Mosley ao levar este caso para o Tribunal de Apelo foi a de parar com esta polémica por aqui, deixando tudo em suspenso até à reunião dos cinco juízes convocados para este caso, provavelmente no dia 13 de Setembro. Depois, e como acontece de forma praticamente inevitável, o Tribunal de Apelo confirmará as decisões do Conselho Mundial, legitimando a decisão de Mosley e dos seus pares sem que a Ferrari e a imprensa italiana continuem a lamentar-se, pois o Tribunal de Apelo é formalmente independente da FIA e é composto por juristas profissionais, na maior parte dos casos juízes já na reforma.

McLaren fora do Mundial 2007
A McLAREN foi punida com a multa mais pesada da história do desporto automóvel ao ser condenada a pagar 100 milhões de dólares à FIA, tendo também perdido todos os pontos conquistados no Mundial de Construtores deste ano, que foi, assim, entregue de bandeja à Ferrari. Foi esta a decisão do Conselho Mundial da FIA reunido na passada quinta-feira em Paris, mas se a sanção desportiva se vai manter pois a McLaren não deverá apelar, já a sanção financeira poderá ser bem mais reduzida, pois Ecclestone está a trabalhar no sentido de que a equipa de Ron Dennis deixe, apenas, de receber o dinheiro relativo à sua posição virtual no Mundial de Construtores (retirada a partir dos pontos conquistados em pista, pois vai sempre ficar para a história como se não tivesse marcado pontos este ano), sem que esta tenha de entregar qualquer soma em dinheiro à FIA. Foi também o inglês que batalhou para que a penalização da McLaren não se estendesse, nem ao Mundial de Construtores de 2008, nem ao Mundial de Pilotos deste ano, contra a opinião mais radical de Mosley.

Segundo cálculos de pessoas que está por dentro dos valores em discussão, a McLaren perderá perto de 40 milhões de dólares em prémios da FOM, mas não deverá ter de pagar mais nada, se Ecclestone levar a sua avante. As próximas semanas deverão ser de intensas negociações para se chegar a um consenso, depois de até gente como Flavio Briatore – que detesta Dennis – ter admitido que a multa de 100 milhões de dólares era «muito dura».

Decisão do Conselho Mundial da FIA
O CONSELHO Mundial do Desporto Automóvel da FIA (WMSC) considerou que a McLaren violou o Art. 151 ( c ) do Código Desportivo Internacional e impôs as seguintes sanções relativamente ao Mundial de F1 de 2007: a Uma penalização consistindo na exclusão de, e retirada de todos os pontos ganhos pela McLaren em todas as provas, do Mundial de Construtores de 2007. Para que não fiquem dúvidas, será permitido à McLaren participar nas restantes provas do Mundial de 2007, mas não lhe será permitido marcar qualquer ponto no Campeonato de Construtores, ou mesmo, qualquer seu representante deslocar-se ao pódio nas restantes provas do Mundial deste ano. Os pontos ganhos por outros competidores no mesmo campeonato não serão afectados pela retirada de pontos à McLaren; aUma multa de 100 milhões de dólares (a que será deduzido o valor a pagar pela FOM (Formula One Management, Ltd.), por conta dos resultados
da McLaren no Campeonato de Construtores em 2007. Esta multa deverá ser paga nos três meses subsequentes à data desta decisão.
Excepcionalmente, e porque a responsabilidade principal deverá ser atribuída à McLaren, no interesse do desporto e também pelo facto de ter sido oferecida imunidade individual aos pilotos da McLaren pelo Presidente da FIA na sua carta de 30 de Agosto de 2007, o WMSC não considera apropriado impor alguma sanção, ou impor alguma sanção à McLaren que afecte os seus pilotos no respectivo campeonato. Assim sendo, os pilotos da McLaren mantêm os pontos que até aqui ganharam no Mundial de 2007 e ser-lhes-á permitido obter mais, bem como deslocarem-se ao pódio nas restantes corridas da época de 2007.

Adicionalmente, no interesse, ou de forma a assegurar que a McLaren não adquire uma vantagem injusta perante os seus adversários no Campeonato Mundial de 2008, o WMSC instruiu o Departamento Técnico da FIA para conduzir uma investigação sobre o trabalho preparatório da McLaren relativamente ao seu monolugar de 2008, no sentido de determinar se esse monolugar incorpora alguma informação confidencial da Ferrari, e reportar os factos dessa investigação ao WMSC tendo em vista a sua reunião ordinária de Dezembro de 2007. Depois do WMSC ter considerado esse relatório, uma decisão separada será tomada relativamente à participação da McLaren no Mundial de F1 de 2008, incluindo alguma penalização que possa vir a ser imposta. A presente decisão não afecta de qualquer modo a participação no Mundial de F1 de 2008, se as condições atrás referidas forem cumpridas. A McLaren deve ser lembrada do
seu direito de apelar. No caso de um apelo ser feito junto do Tribunal de Apelo da FIA, o efeito desta decisão não será suspenso, mesmo dependendo o resultado desse apelo (Resumo da decisão).