O caso relativo a possível espionagem industrial envolvendo Nigel Stepney ultrapassou todas as dimensões esperadas, depois de ter sido revelado que Mike Coughlan, o Chefe de Projecto da McLaren, também poderia estar envolvido neste imbróglio. Subitamente a equipa de Ron Dennis viu-se na posição de suspeita de envolvimento num caso de roubo e receptação de documentos confidenciais, vendo-se forçada a reagir oficialmente, mas três dias depois tudo se complicou ainda mais quando a Honda teve de emitir um comunicado, admitindo que Nick Fry se encontrara com os dois suspeitos, mas recusando ter recebido qualquer informação por parte de Coughlan ou Stepney. Tratando-se agora dum caso de policia, são poucas as informações oficiais disponíveis, mas no meio dos rumores e suposições sempre foi possível estabelecer alguns factos, de que vos damos conta em separado. O que é praticamente um dado adquirido nesta altura é que tanto a Ferrari e a McLaren se apresentam como partes lesadas neste processo, enquanto a Honda vai ter de demonstrar que não fez nada de errado, não adquiriu a informação que Stepney alegadamente retirou da Ferrari e terá entregue a Coughlan numa reunião a dois, que tiveram antes de se encontrarem com Fry em Heathrow.
Recordamos aqui a cadeia de acontecimentos:
*Stepney entra em conflito com Mário Almondo (F);
*Stepney encontra-se em privado com Fry (F);
*Stepney contacta Mike Coughlan (A);
* Stepney retira informação confidencial à Ferrari (A);
* Stepney encontra-se com Coughlan perto de Barcelona, a 28 de Abril (F) e entrega-lhe um dossier confidencial (A);
* Mulher de Coughlan terá digitalizado o dossier numa loja comercial na vila onde moram (R);
* Dono daquela loja entra em contacto com a Ferrari (R):
* Ferrari entrega queixa contra Stepney à policia italiana (F);
* Policia convoca elementos da Ferrari para depor contra Stepney, a 17 de Maio (F);
*Casa de Stepney revistada pela policia italiana (F);
* Stepney e Coughlan encontram-se com Fry em Heathrow, a um de Junho (F);
* Stepney parte de férias para as Filipinas (F)
* Aldo Costa regressa de emergência a Maranello para investigar o alegado roubo de informação,
entre os GP do Canadá e dos Estados Unidos (F);
* Ferrari suspende, primeiro, e despede, depois, Stepney (F);
* Ferrari entra em contacto com a justiça inglesa (F);
* Detective privado, com mandato judicial, revista casa de Coughlan (F) e encontra elementos comprometedores (A);
* McLaren suspende Coughlan, procede a investigação interna e informa a Ferrari e a FIA dos resultados dessa investigação, abrindo as suas portas
* uma investigação da Federação (F);
* Honda admite contactos de Fry com Stepney e Coughlan (F);
*Stepney regressa de férias, refuta acusações e lança campanha contra a Ferrari. (F)
McLaren não foi penalizada
O CONSELHO Mundial da FIA deu como provado que a McLaren teve acesso a informação confidencial da Ferrari, mas decidiu não penalizar a equipa inglesa por considerar que esta não tirara qualquer proveito daquela situação. Mesmo assim a FIA deixou em aberto a possibilidade de vir a penalizar, no futuro, a McLaren-Mercedes se concluir mais tarde, que a equipa de Ron Dennis utilizou a informação retirada à Ferrari para seu beneficio, apontando a exclusão dos Mundiais de 2007 e 2008 como possível consequência desse aproveitamento. No final duma reunião bem acesa, segundo alguns dos intervenientes, voltou a prevalecer a opinião de Max Mosley, como é norma nestes Conselhos Mundiais, mas a forma escolhida pela FIA para explicar a sua decisão confundiu mais do que esclareceu, pois deu a McLaren como culpada e não a penalizou. Como é óbvio a decisão da FIA deixou a Ferrari e toda a Itália em pé de guerra, até com Briatore a entrar na discussão, mas já se sabe que a Scuderia não vai apelar dentro das instâncias desportivas. Em contrapartida, a Ferrari vai iniciar hoje procedimentos legais contra a McLaren em Itália, acusando-a de espionagem industrial. Isto quer dizer que se a nível desportivo não deveremos ter mais consequências deste caso tão desagradável, já no que toca ao campo judiciário poderemos ter de esperar mais de um ano para se chegar a uma primeira sentença, com o relacionamento entre as duas melhores equipas do momento a estar claramente pelas ruas da amargura.
Nigel Stepney e Mike Coughlan vão ser chamados a responder perante a FIA face às acusações de que são alvo. Os dois homens arriscam-se a ser banidos do desporto automóvel para o resto das suas vidas, o que teria consequências económicas desastrosas para ambos, sobretudo Coughlan, que nunca chegou a ter um salário compatível com o cargo que lhe era atribuído na McLaren. Esta decisão da FIA, que ainda não convocou os dois homens, parece indiciar que a Federação acredita que tendo agido de forma concertada entre ambos, os dois homens agiram isoladamente, sem o conhecimento dos superiores de Coughlan, o que ajuda a explicar a não punição da McLaren.
Ferrari em fúria
INCOMPREENSÍVEL, ilógica, desprovida de senso. Jean Todt não se poupou nos adjectivos quando se tratou de analisar a decisão tomada pela FIA relativamente ao “Stepneygate” e já fez saber que a Ferrari vai avançar com uma causa contra a McLaren num tribunal italiano, acusando a equipa inglesa de espionagem industrial. Segundo o francês, «ficou demonstrado que a McLaren teve acesso a 780 documentos relativos ao nosso carro e à nossa equipa e, por isso, não compreendo como não foram penalizados. Segundo a FIA a McLaren não utilizou a informação em seu benefício, mas isso é coisa que não podemos saber, porque não temos acesso aos computadores da McLaren. Por outro lado ficou provado que a clarificação pedida à FIA acerca do sistema de funcionamento dos fundos planos visava afectar a Ferrari e isso foi conseguido. Por isso, se a McLaren não beneficiou directamente da informação que obteve de forma fraudulenta acerca do F2007, utilizou-a para nos prejudicar, o que a beneficiou indirectamente.» Todt afirmou, ainda, que, «depois de 40 anos automobilismo já não há nada que me surpreenda, mas desta vez chegamos mesmo ao limite. Toda a argumentação da FIA foi no sentido de incriminar a McLaren, mas, no final, não a penalizaram.» Dennis comedido Nestas circunstâncias, Ron Dennis pouco ou nada teve para dizer, limitando-se a afirmar que, «a decisão da FIA pareceu-me justa e equilibrada. » Mesmo assim o patrão da McLaren admitiu não estar totalmente à vontade com a decisão e com alguns dos seus pressupostos, «mas aceito a decisão do Conselho Mundial.» Em contrapartida, e sem ser visto nem achado neste processo, Flavio Briatore declarou-se, «espantando com esta decisão. A mim parece-me coisa de Pôncio Pilatos, pois a FIA limitou-se a lavar as suas mãos neste processo. Então a McLaren é culpada e não é penalizada? Não percebo. Então como é que não tiraram vantagem do dossier que tinham em seu poder? Ficaram a saber tudo sobre a Ferrari e sobre o F2007 e os meus engenheiros também gostariam de ficar a saber qual a distribuição de pesos do Ferrari.» No geral bem se pode dizer que as reacções foram bastante divididas, com os italianos e alguma imprensa francesa do lado da Ferrari, enquanto ingleses, alemães e espanhóis apoiaram a decisão da FIA.
FIA convocou Tribunal de Apelo
O ‘Stepneygate’ conheceu uma série de desenvolvimentos improváveis na semana passada, que tornaram praticamente impossível seguir os acontecimentos, tal a velocidade a que estes se sucederam. Primeiro foi a Ferrari a reagir, de forma continuada e com enorme virulência, insurgindo-se contra as decisões do Conselho Mundial Extraordinário, mas sem fazer seguir o seu caso para o Tribunal de Apelo da Federação Internacional.
Depois, e provavelmente com a intenção de calar a Scuderia e a imprensa italiana, que continuava a apoiar a Ferrari de forma muito evidente, foi a FIA que decidiu submeter a decisão do Conselho Mundial Extraordinário ao Tribunal de Apelo, dando nova possibilidade à Ferrari para apresentar os seus argumentos. Esta tomada de posição veio na sequência duma carta aberta do presidente do Automóvel Clube de Itália, Luiggi Macaluso, a Max Mosley, no qual se insurgia contra o facto da Ferrari não ter tido a oportunidade de intervir, como pretendia, durante o Conselho Mundial. McLaren reage mal Como é evidente a McLaren reagiu mal a esta decisão, que considerou lamentável, mas uma vez mais Ron Dennis mostrou-se confiante na inocência da sua equipa face a esta nova chamada face à justiça federativa.
No paddock, no entanto, era quase unânime a ideia de que a motivação de Mosley ao levar este caso para o Tribunal de Apelo foi a de parar com esta polémica por aqui, deixando tudo em suspenso até à reunião dos cinco juízes convocados para este caso, provavelmente no dia 13 de Setembro. Depois, e como acontece de forma praticamente inevitável, o Tribunal de Apelo confirmará as decisões do Conselho Mundial, legitimando a decisão de Mosley e dos seus pares sem que a Ferrari e a imprensa italiana continuem a lamentar-se, pois o Tribunal de Apelo é formalmente independente da FIA e é composto por juristas profissionais, na maior parte dos casos juízes já na reforma.
A McLAREN foi punida com a multa mais pesada da história do desporto automóvel ao ser condenada a pagar 100 milhões de dólares à FIA, tendo também perdido todos os pontos conquistados no Mundial de Construtores deste ano, que foi, assim, entregue de bandeja à Ferrari. Foi esta a decisão do Conselho Mundial da FIA reunido na passada quinta-feira em Paris, mas se a sanção desportiva se vai manter pois a McLaren não deverá apelar, já a sanção financeira poderá ser bem mais reduzida, pois Ecclestone está a trabalhar no sentido de que a equipa de Ron Dennis deixe, apenas, de receber o dinheiro relativo à sua posição virtual no Mundial de Construtores (retirada a partir dos pontos conquistados em pista, pois vai sempre ficar para a história como se não tivesse marcado pontos este ano), sem que esta tenha de entregar qualquer soma em dinheiro à FIA. Foi também o inglês que batalhou para que a penalização da McLaren não se estendesse, nem ao Mundial de Construtores de 2008, nem ao Mundial de Pilotos deste ano, contra a opinião mais radical de Mosley.
Segundo cálculos de pessoas que está por dentro dos valores em discussão, a McLaren perderá perto de 40 milhões de dólares em prémios da FOM, mas não deverá ter de pagar mais nada, se Ecclestone levar a sua avante. As próximas semanas deverão ser de intensas negociações para se chegar a um consenso, depois de até gente como Flavio Briatore – que detesta Dennis – ter admitido que a multa de 100 milhões de dólares era «muito dura».
Decisão do Conselho Mundial da FIA
O CONSELHO Mundial do Desporto Automóvel da FIA (WMSC) considerou que a McLaren violou o Art. 151 ( c ) do Código Desportivo Internacional e impôs as seguintes sanções relativamente ao Mundial de F1 de 2007: a Uma penalização consistindo na exclusão de, e retirada de todos os pontos ganhos pela McLaren em todas as provas, do Mundial de Construtores de 2007. Para que não fiquem dúvidas, será permitido à McLaren participar nas restantes provas do Mundial de 2007, mas não lhe será permitido marcar qualquer ponto no Campeonato de Construtores, ou mesmo, qualquer seu representante deslocar-se ao pódio nas restantes provas do Mundial deste ano. Os pontos ganhos por outros competidores no mesmo campeonato não serão afectados pela retirada de pontos à McLaren; aUma multa de 100 milhões de dólares (a que será deduzido o valor a pagar pela FOM (Formula One Management, Ltd.), por conta dos resultados
da McLaren no Campeonato de Construtores em 2007. Esta multa deverá ser paga nos três meses subsequentes à data desta decisão.
Excepcionalmente, e porque a responsabilidade principal deverá ser atribuída à McLaren, no interesse do desporto e também pelo facto de ter sido oferecida imunidade individual aos pilotos da McLaren pelo Presidente da FIA na sua carta de 30 de Agosto de 2007, o WMSC não considera apropriado impor alguma sanção, ou impor alguma sanção à McLaren que afecte os seus pilotos no respectivo campeonato. Assim sendo, os pilotos da McLaren mantêm os pontos que até aqui ganharam no Mundial de 2007 e ser-lhes-á permitido obter mais, bem como deslocarem-se ao pódio nas restantes corridas da época de 2007.
Adicionalmente, no interesse, ou de forma a assegurar que a McLaren não adquire uma vantagem injusta perante os seus adversários no Campeonato Mundial de 2008, o WMSC instruiu o Departamento Técnico da FIA para conduzir uma investigação sobre o trabalho preparatório da McLaren relativamente ao seu monolugar de 2008, no sentido de determinar se esse monolugar incorpora alguma informação confidencial da Ferrari, e reportar os factos dessa investigação ao WMSC tendo em vista a sua reunião ordinária de Dezembro de 2007. Depois do WMSC ter considerado esse relatório, uma decisão separada será tomada relativamente à participação da McLaren no Mundial de F1 de 2008, incluindo alguma penalização que possa vir a ser imposta. A presente decisão não afecta de qualquer modo a participação no Mundial de F1 de 2008, se as condições atrás referidas forem cumpridas. A McLaren deve ser lembrada do
seu direito de apelar. No caso de um apelo ser feito junto do Tribunal de Apelo da FIA, o efeito desta decisão não será suspenso, mesmo dependendo o resultado desse apelo (Resumo da decisão).