A Grande Evasão

08/03/2017

Pode parecer que estou a aludir às origens do Morgan 3 Wheeler, cuja configuração surgiu para fintar os impostos britânicos, mas o título refere-se à capacidade que este veículo tem para nos transportar para longe do mundo real. Acidentalmente, é também o nome de um filme dos anos 60 em que prisioneiros aliados fogem de um campo alemão, durante a II Guerra Mundial. Não sei porque é que me lembrei disso, mas pode ter sido por causa da estilizada Union Jack no flanco do Morgan. Podem estar a preparar o Brexit, mas é impossível não admirar os ingleses pela coragem que sempre souberam demonstrar. Na guerra e na Indústria automóvel. Mas adiante.

O 3 Wheeler parece estar a meio caminho entre uma moto e um automóvel, embora esteja mais próximo deste último, a começar pelo facto de se aguentar em pé sozinho, comodidade menos valorizada do que provavelmente devia.

Como o nome indica, é um triciclo, com a ambição de um biplano da Grande Guerra. O motor é um bicilindrico em V, mas se tivesse um hélice à frente, dois pares de asas e um leme vertical traseiro, não chamava mais a atenção. Para quem aprecia ser o centro das atenções, o 3 Wheeler oferece uma experiência de topo. Para quem não gosta tanto dos holofotes (e dos flashes dos telemóveis), o ideal é sair de noite ou, em alternativa, andar bem disfarçado.

Tudo neste Morgan merece envolve preceito e cerimónia. Dar à chave não é suficiente. Levantamos a protecção de um botão, ao centro na consola de instrumentos, e pressionamos um botão vermelho, como se disparássemos uma metralhadora contra um avião inimigo. O som também é violento, mas menos letal. Acordamos o V-Twin de dois litros de cilindrada, com som grave e resposta pronta.
Também o acesso ao habitáculo tem características próprias, a começar pelo volante simples, de três braços, que se destaca facilmente da coluna de direcção. Sem este obstáculo — essencial apenas quando entramos em acção — é mais fácil sair e entrar.

Os bancos são fixos, pelo que qualquer acerto ergonómico tem que ser feito na oficina, com a regulação do conjunto dos pedais. Nos anos 20 e 30 alguns destes veículos tinham comandos algo complexos, com acelerador manual e caixa de velocidades de moto, sequencial e sem marcha-atrás. Mas este renovado 3 Wheeler é, em tudo o que diz respeito à sua mecânica e funcionamento, muito moderno. A caixa de cinco velocidades e marcha-atrás é Mazda, utilizada na anterior versão do MX-5. Os travões de disco nas quatro rodas são muito potentes. Ah! E o acelerador está no sítio habitual, com um curso longo, para não sermos apanhados de surpresa pelo binário deste potente mas leve triciclo. Quanto a temperamentos, estamos perante um slow-revver, com boa parte da potência libertada a muito baixo regime. Num instante passamos as 4500 rotações e o melhor é usar a caixa rapidamente, para a desmultiplicação seguinte. Levar o motor ao corte é mais fácil do que dizer, sem enrolar a língua, “o meu carro só tem três rodas”!

Somando cerca de 600 quilos com piloto a bordo e alguma gasolina, as acelerações e recuperações surpreendem os restantes utilizadores da estrada. Há que ter em conta os seus sentimentos e limitações, fazendo os possíveis para ser visto e antecipar as possíveis reacções de espanto, surpresa ou vontade repentina de tirar fotografias ou fazer um pequeno filme, para tornar mais interessante a sua existência nas redes sociais.

Já o condutor do 3 Wheeler, precisa de estar totalmente focado na missão. Sem portas nem capota, todos os elementos conspiram contra nós, apesar da inesperada ajuda de um pára-brisas surpreendentemente eficiente para o seu tamanho. Mas o Morgan, esse, está sempre do nosso lado. Com uma estabilidade superior à de alguns “quatro rodas”, oferece ainda excelente precisão na direcção. A caixa dificilmente poderia ser melhor, o que calha mesmo bem, porque precisamos dela para manter o motor na faixa ideal de utilização.

O espaço a bordo é suficiente para dois adultos, mas a bagagem tem que ser limitada ao essencial. Um pequeno saco de viagem atrás é tudo o que se consegue arrumar no compartimento sobre a roda traseira. O resto, é despachar pelo correio.

Neste exemplar, o assento dos bancos pode ser aquecido, o que ajuda a um certo conforto nos dias mais frios — ainda que circunscrito a regiões corporais mais sensíveis…

Este foi certamente o ensaio mais longo que um jornalista português fez do Morgan 3 Wheeler, ao longo de 600 quilómetros, já que incluíu também a participação no Passeio dos Ingleses, do ACP Clássicos. Foi possível confirmar que este veículo foi objecto de uma qualidade de engenharia de referência.

Sim, é verdade que, por quase 50 000 euros como valor base, tem um preço por roda elevado comparado com outras propostas mais “quadradas” (relativamente a pontos de contacto com o asfalto e não só…) Mas nenhum é rival do 3 Wheeler, uma experiência única na indústria automóvel actual. O seu único inimigo é o espírito pré-formatado e o preconceito quanto ao número necessário de rodas para atingir a felicidade. Abrace a diferença e acredite quando digo que três pode bem ser a dose certa.

Ficha técnica
Morgan 3 Wheeler – 2016

Motor de 2 cilindros em V; 1983 cc; injecção electrónica; 82 cv às 5250 rpm; Transmissão à rodas traseiras; caixa manual de 5 vel.; suspensão de triângulos sobrepostos à frente, braço oscilante atrás; Direcção de pinhão e cremalheira; Travões de disco, ventilados à frente; Chassis tubular em aço; Carroçaria roadster em aço; Comprimento: 3225mm; Peso: 525 kg; Velocidade máxima: 185 km/h

Adelino Dinis

Fotos de Manuel Portugal

Agradecemos a colaboração da Morgan Cars Portugal

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