Alfaholics: A modernidade da adoração clássica

13/08/2019

Inúmeros automóveis clássicos foram eclipsados pela valorização dos Porsche 911 clássicos, sendo esta bolha económica de tal forma influenciadora, que até modelos como o 944 sofreram uma valorização, puramente pela presença de um emblema Porsche num automóvel desportivo, ou não fossem os puristas dizer que Porsche que é Porsche necessita de surgir equipado com um flat-six em posição traseira.

Apesar de em anos recentes ter ocorrido uma aparente estabilização de valores para estes modelos, não há como negar que o seu incremento em popularidade e como automóveis de culto prossegue a sua ascensão meteórica, muito em parte devido à Singer Vehicle Design, a ilustre firma que tem reinventado os 911, recorrendo a um conceito denominado de retro-modificação, comummente conhecida como resto-modding, que corresponde há cada vez mais habitual alteração de veículos antigos com componentes de cariz moderno, enquanto se mantém o aspecto exterior do automóvel o mais stock possível.

Tal como o 911 afectou o foco de luzes da ribalta noutros modelos, também a Singer o está a fazer com outros preparadores, mais notavelmente, a Alfaholics, uma empresa que não será certamente desconhecida para os Alfisti dedicados, seja na reconstrução de um serie 105 de volta às especificações de origem, na construção de uma arma de pista, ou na junção de ambos os elementos em um qualquer restauro digno de apreciação.

Origem

Oficialmente fundada em 2000, a Alfaholics tem raízes de paixão pela Alfa Romeo que remontam desde há 50 anos atrás na cidade de Bristol, em Inglaterra, quando o fundador, Richard Banks, pretendia competir com um GTV de 2 litros no campeonato britânico de Saloon Cars de Produção, tendo adquirido um. Banks adorou o comportamento do GTV, a sua manobrabilidade e o equilíbrio, de tal forma que acabou por adquirir um 2000 GTV com o intuito de o restaurar. Contudo, e por citação do filho de Richard, Max Banks, o grande objectivo deste era a angariação de fundos para suportar a sua equipa, o que associado ao impecável restauro concretizado resultou na pronta venda do 2000 GTV. Richard encontrava assim a forma de financiar a sua equipa: o restauro e venda de Alfa Romeo.

Ao longo das décadas de 80 e 90, Richard continuou a aplicar o seu conhecimento no restauro de Alfa Romeo, tornando-se num dos restauradores mais proeminentes no Reino Unido, mas não pela afluência de clientes que chegavam à oficina. Max afirma que o seu pai gostava de controlar todos os aspectos de um restauro, sendo incapaz de não deixar um carro em estado imaculado. A crise do início da década de ’90 provou ser um teste para Richard Banks, que constatou que o negócio deixava de ser viável, procurando especializar-se no fornecimento de componentes a proprietários de Alfa Romeo por todo o mundo. Foi por esta altura que a designação Alfaholics se tornou oficial.

Richard nunca parou de construir, alterar, e competir com modelos Alfa Romeo, sendo que o momento chave da história da Alfaholics data de 1996, ano em que alterou um Sprint GT e o modificou para que se assemelhasse a um GTA. Como o primeiro automóvel construído sob a Alfaholics, Richard designou-o de Alfaholics GTA Replica.

Descendência

Por esta altura Max estava remetido para 2º lugar em prol do seu irmão Andrew, que já tinha idade suficiente para conduzir e competir com o GTA Replica, mas ao concretizar 18 anos de idade, Max abraçou também a ideia de possuir um destes modelos, utilizando os recursos da família. A partir do automóvel de competição que possuíam, Max perspectivou alterações no sentido de o tornar numa versão de estrada. Todo o processo foi documentado e apresentado no website da Alfaholics, com um grau de detalhe próprio para um petrolhead. Através das viagens concretizadas a Nürburgring e a Dijon a popularidade desta versão de estrada cresceu rapidamente e não faltaram pedidos para que Max construísse modelos similares para venda ao público.

Na altura, e entre o negócio de expedição de componentes e as provas automobilísticas em que participavam, não restava tempo suficiente para a concretização destes pedidos especiais. Mas tal a insistência e tal o rol de pedidos, chegou-se à única conclusão possível, a de que era altura de fazer a Alfaholics regressar à vertente de negócio que lhe havia dado origem, o restauro e modificação de Alfa Romeo. Assim, a empresa fundada pelo pai, Richard Banks, passava do restaurador número um em Alfa Romeo no Reino Unido, para o distribuidor de componentes e um dos melhores restauradores de Alfa Romeo do mundo às mãos dos seus filhos Maxim e Andrew.

Modelo de Negócio

A Alfaholics continuou a providenciar serviços de fornecimento de componentes e restauros “normais” seguindo o modelo de negócio que Richard havia definido nas décadas de 80 e 90, mas o verdadeiro foco haveria de ser a alteração a modelos tradicionais para os transformar em produtos originais Alfaholics através da introdução da R-Line. Em adição a isto, e sabendo das extremas competências de restauro da Alfaholics, também algumas recuperações de veículos históricos da Alfa Romeo, como os modelos da equipa Autodelta, sofreram intervenção do preparador. Segundo a Alfaholics, cada produto R-Line evidencia mais de 3000 horas de trabalho manual e dedicação (o que actualmente corresponde a um período de espera de 3 anos). Max destaca que o crescimento da Alfaholics se tem dado de uma forma consideravelmente diferente do de outras empresas, nomeadamente pela ausência de reuniões formais ou uma mesa de administradores que decida o rumo a seguir: as decisões são provenientes da paixão mútua que toda a família sente pelo projecto que abraçou.

Alfaholics GTA-R 290

Aquando do início do programa GTA-R, a família Banks nunca entrou em contacto com a imprensa, particularmente pois se tratava de um negócio secundário. Contudo, e com a admissão de que pretendia fazer da R-Line o principal ramo de negócio, tal viria a mudar, sendo que publicações e fóruns automobilísticos de tremenda reputação ganharam um interesse focado na Alfaholics e no seu processo de transformação. Destes seria possível destacar a Evo Magazine (que chegou a nomear o GTA-R para automóvel do ano) e Chris Harris, conhecido apresentador do Top Gear, que descreveu o GTA-R como “condução no seu estado mais puro”, ao que Max adita que não se trata de uma reconstrução plena, mas antes de um aprimoro do que é a experiência de condução Alfa Romeo.

Com um foco extraordinário na redução de peso, discos ventilados de 300 milímetros à frente e 267 milímetros atrás, e uma suspensão completamente redesenhada, é difícil dizer que o GTA-R não seja digno de uma condução “nirvanesca”. A potência oficial anunciada é de 240 cavalos extraídos a partir de um motor twinspark de 2.3 litros, sendo que a Alfaholics declara que seja capaz de percorrer Nürburgring em 8 minutos e 15 segundos, um tempo inferior ao de inúmeros automóveis de elevada performance. O sprint dos 0-100 percorre-se em cinco segundos, estando a velocidade máxima limitada a 250 quilómetros por hora, em via das relações de caixa. O modelo complementa-se com a incorporação de uma rollcage, dois backets Recaro ultraleves, um volante Momo Prototipo, jantes de 15 polegadas originais, e pneus de alto rendimento Yokohama Neova AD08R 195/55 R15, com a opção de equipar o exemplar com ar condicionado.

Desde este primeiro alarme, alguns dos mais reputados jornalistas no mundo automotivo têm deambulado em torno do GTA-R 290, e com devidas razões para tal. O Alfaholics GTA-R é de tal forma extraordinário que até Gordon Murray apresentou uma encomenda, mas para a implementação da ideia num Junior Zagato, o que, e tendo em conta que a base é similar à de um serie 105, não se apresentava como uma tarefa extraordinária. O desafio residia em colocar todos os componentes do GTA-R numa “embalagem” mais pequena, com as advertências de que o tamanho de cockpit do Zagato é bastante reduzido, e de que grande parte dos componentes possuem uma qualidade de construção bastante reduzida.

Alfaholics Spider-R 007

Ainda que o modelo mais reputado da Alfaholics seja o GTA-R 290, a gama não termina neste, devendo ser aditado um peso pesado a esta. Ao vislumbrar pela primera vez tal adição, foi impossível não pensar no filme A Primeira Noite, no qual Dustin Hoffman co-protagonizava com um belíssimo Alfa Romeo Spider, modelo que daria origem a uma criação deslumbrante da Alfaholics, mais uma a roçar a perfeição automobilística.

Tudo começou com um Alfa Romeo Spider 2000 Veloce, por um pedido de restauro com uma vocação de trackday. O trabalho começou com o chassis, imensamente reforçado em relação ao estado original. Após ser repintado com uma das cores de catálogo do Alfa Romeo 147, começou a magia da Alfaholics, magia essa em que, ao contrário do GTA-R 290, menos foi mais.

Várias peças da carroçaria foram criadas a partir do zero, mecanizadas partindo de ficheiros CAD em 3D. O para-choques traseiro foi removido, foram instaladas as mesmas jantes ultraligeiras do Alfaholics GTA-R 290, os faróis sofreram a aplicação de tela de polímero, e o interior foi feito praticamente a partir do zero.

Numa primeira fase o Spider-R foi entregue com os manómetros originais, mas o proprietário achou que estava demasiado próximo ao original para o propósito pretendido, tendo estes sido posteriormente substituídos por um quadrante plenamente digital, a acompanhar a implementação de uma caixa sequencial de 6 velocidades com desenvolvimento interno na Alfaholics, também incorporada nesta segunda fase da transformação.

Também a suspensão aplicada e o sistema de travagem têm as pistas em mente, com um misto de componentes de alumínio e titânio para a suspensão e com travões de disco ventilados de seis pistões à frente e travões de disco atrás.

O R 007 é, sem margem para dúvidas, uma máquina de sério rendimento, alimentada por um motor atmosférico de dois litros a quatro cilindros com dois carburadores Weber de 45 milímetros (aos quais se dotou uma alimentação praticamente directa), desenvolvendo 216 cavalos de potência entre as 6900 e as 7300 rotações por minuto, sempre com gasolina de 98 octanas no circuito, o que combinado com o peso a rondar uma tonelada, dá origem a uma arma de pista. Com uns actuais 12000 quilómetros, o Alfaholics 007 não é um artigo de museu, tendo a quase totalidade destes quilómetros sido feita em circuito.

Veredicto

Pessoalmente, ao realizar tais modificações, sinto que se perde a alma do automóvel, a sua verdadeira essência, tomando tal noção um suplemento de valor se as alterações forem ridiculamente enfatizadas.

O caso dos Alfas da Alfaholics são uma faca de dois gumes: todo o feeling de conduzir o Alfa clássico, mas com o appeal de comportamento de um automóvel moderno, comportamento esse que retrataria perfeitamente o (chamemos-lhe assim) atingir de maturidade de um Alfa Romeo clássico.

Sendo um predilecto da valorização da patina, mas também alguém que encontra extrema dificuldade na compra de um automóvel actual que não seja dramaticamente genérico, o caso complica-se ainda mais. Será a modernização de um clássico um processo de tal repudio, quando actualmente não se fabricam automóveis com o carisma de um dos modelos da Alfaholics?

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