Amphicar 770, o anfíbio inspirado no Triumph Herald

02/05/2019

Quase todos nós, em especial os que pelos anos 60 e 70 habitavam ou passavam alguns dias em Lisboa, têm memória do lago do jardim do Campo Grande dessa época. Na placa central do jardim do Campo Grande, sobressaía o lago e a sua ilha, albergando um restaurante e esplanada, com o seu canal de circum-navegação à ilha, onde não raras as vezes, os exímios marinheiros, quem sabe se invocando as memórias dos nossos antepassados que desbravaram os sete mares, enganchavam os remos uns nos outros, qual batalha naval de Trafalgar, arbitrada pelo apito do encarregado do controlo de tempo do aluguer das pequenas embarcações.

Do lado da margem virada para a Universidade de Lisboa, Museu de Lisboa/Palácio Pimenta, estava o espaço destinado às bicicletas para alugar, precursoras dos tempos futuros e actuais do séc. XXI, e um pouco mais tarde as motorizadas, onde talvez tenham despontado para carreiras desportivas alguns “Joaquims Agostinhos” ou “Felisbertos Teixeiras”, exibindo os seus dotes na pista de terra meio batida, no meio de alguns buracos.

Mas o que interessa é recordar os barcos que navegavam nesse lago, uns movidos à força de músculos e mais tarde alguns com motor. Era passeio de fim de semana ensolarado para quem estava por Lisboa.

Tudo isto nos leva à memória da estreia do Amphicar 770 em Portugal, um anfíbio, com carroçaria inspirada no Triumph Herald e motor usado no mesmo modelo com 1147 cc e 43 cv, tracção traseira com capacidade de transmitir a rotação do motor aos dois hélices para propulsão aquática. Produzido de 1962 a 1967, num total de 4500 unidades, das quais cerca de 3700 foram destinadas ao mercado Norte-americano, sete para o Reino Unido e sensivelmente 80 para o resto da Europa, tinha capacidade para atingir quase 100 km/h em estrada e 8 nós na água, era confortável e fácil de conduzir. Sobre a produção, há referências diferentes, pelo que consideramos que os números das unidades produzidas, poderão não ser exactamente assim.

Além da inspiração britânica no Triumph, a produção deste modelo é também resultado de um puzzle de peças originais da indústria automóvel germânica da época, assim como muitos dos funcionários da empresa vieram da Borgward, partes dos sistemas de travões e suspensão da Mercedes, transmissão e sistema de combustível dos Porsches 356. Em 1967 a Amphicar foi adquirida pelo grupo Quandt, do universo BMW. Apesar do sucesso aparente, a ideia de um automóvel anfíbio ao alcance da sociedade civil era entusiasmante para a época, não foi suficiente para fazer o projecto atingir bom porto. Isto porque o processo de fabrico era demasiado oneroso e o preço de venda reflectia e acompanhava o valor demasiado caro.

Era anunciado como capaz de cruzar mares, como África a Espanha, de San Diego a Catalina e pelo Canal da Mancha de Inglaterra a França, neste último caso com relatos de três travessias, uma das vezes com ventos de força 6. Com chassis monocoque de aço, apresentava pouca resistência à corrosão, em especial quando da sua utilização em água salgada, tinha necessidades de manutenção superiores aos automóveis “normais”, mas não superiores aos veículos 4×4 normais.

Revelava-se instável em qualquer dos ambientes, a direcção mantinha-se nas rodas dianteiras tanto em terra como na água, no entanto nesta última o sistema de direcção, tinha como resultado um enorme diâmetro de curva, porque a traseira não se movia como nas embarcações.
Com um design caracterizado pelos prolongamentos superiores dos guarda-lamas traseiros, no melhor estilo dos Cadillac, estas aletas eram cerca de uma polegada mais elevadas que nos Cadillac de 1959.

Curiosamente, o Amphicar revelou um bom comportamento na neve, devido às 10 polegadas de altura ao solo, o fundo liso e rodas estreitas que lhe conferia boa tracção em neve. Apesar da sua vocação anfíbia, havia sempre a preocupação de entrada de água para o interior, problema resolvido com uma pequena bomba eléctrica que bombeava a água para fora de bordo.

Portugal existiam e existem alguns Amphicar, uns com “estórias” de viverem submersos nas lagoas durante alguns tempos, até que os donos arranjassem forma de os fazer flutuar novamente, outros que foram guardados e que hoje em dia são o exemplo de belos exemplares.

Encontrámos um exemplar em plena operação de “ressuscitação”, só possível no santuário True Legend. Apesar de se revelar estruturalmente complexo, é mais um exemplo de um excelente trabalho de restauro.

Fernando Diniz / Jornal dos Clássicos

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