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André Citroën: Grandeza e Decadência

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No ano em que comemoramos o centenário da Citroën, recordamos aqui o seu fundador, André Citroën, cujo espírito inovador marcou a identidade da marca, até aos dias de hoje.

André Citroën nasce em Paris, no dia 5 de Fevereiro de 1878. O seu pai, Levie Bernard Citroen (sem trema no “e”) negociante de diamantes de origem holandesa, suicida-se quando André tem apenas seis anos de idade. A sua mãe Amalia Kleinman é que dá continuidade à pequena empresa familiar.

Impressionado na sua infância com a construção de uma torre metálica, concebida por um tal Gustave Eiffel, o pequeno André, aluno brilhante, descobre a sua vocação de engenheiro.

Em 1900, durante uma viagem à Polónia, país de origem da sua mãe que falecera pouco antes, André Citroën descobre um novo tipo de engrenagens com os dentes em forma de “V”. Adquire a patente e lança-se no fabrico deste novo tipo de engrenagens. A “Citroën, Hinstin & Cie”, adopta os dois “V” invertidos como logótipo. Em 1906, colabora com a marca automóvel Mors contribuindo decisivamente para a sua recuperação.

O sucesso do “fordismo” suscita o interesse de toda a indústria automóvel da altura, sendo André Citroën enviado para Detroit, conhecer Henry Ford e visitar as suas fábricas para aprender mais sobre os seus inovadores métodos de produção.

Nestes tempos que antecedem a Primeira Guerra Mundial, André Citroën é um homem bem sucedido, as suas engrenagens fizeram dele um homem rico, chegando ainda a director geral da Mors. A nível pessoal, conhece a sua futura esposa, Georgina. Não sendo um exibicionista do seu status, André Citroën mostra uma relação particular com o dinheiro: vive em casa arrendada mas dá gorjetas muito generosas nos restaurantes e sobretudo nos casinos, onde ganha e perde quantias astronómicas. Gosta ainda de frequentar a alta sociedade e as mundanidades parisienses. Vive plenamente a belle époque.

O primeiro conflito mundial vem perturbar essa vida despreocupada do industrial. André Citroën lança-se no esforço de guerra, construindo uma fábrica de armamento em tempo recorde, que chega a produzir cerca de 50.000 munições por dia. Terminada a guerra, em 1918, André Citroën pode pôr em prática um projecto, cujos primeiros alicerces foram criados ainda durante o conflito. São eles a contratação do engenheiro Jules Salomon e uns avultados empréstimos.

Assim, em Junho de 1919 é apresentado o primeiro automóvel Citroën, o Type A, que é, simultaneamente, o primeiro automóvel europeu produzido em série, aplicando-se assim os princípios do “fordismo”. O veículo é um sucesso, mas um sucesso pouco rentável, devido ao seu preço demasiado acessível. O mesmo acontece com o ainda mais democrático 5HP.

Além de ter convertido a indústria automóvel europeia à produção em série, André Citroën é pioneiro naquilo que chamamos hoje em dia o marketing. Por exemplo, na inauguração do salão de Paris de 1922, os parisienses vêem um avião escrever o nome Citroën no céu da capital francesa. A Torre Eiffel, que o fez sonhar em criança, é iluminada com 250.000 lâmpadas que formam o nome Citroën. São comercializadas miniaturas para as crianças se familiarizarem com o nome Citroën. São organizados crash-tests mediatizados para demonstrar a qualidade dos automóveis Citroën… Poucos anos depois do seu lançamento, toda a gente conhece esta nova marca de automóveis, em França e não só.

Ainda no aspecto marketing, a Citroën é das primeiras empresas a utilizar a notoriedade de “famosos”, desde a cantora Josephine Baker ao aviador Charles Lindbergh, que terá utilizado a iluminação da Torre Eiffel como um farol.

No plano comercial, é criado um dos primeiros serviços pós-venda da era moderna, investe-se numa rede alargada de concessionários e oficinas dotados de um grande stock de peças, e são ainda criadas as primeiras filiais destinadas ao financiamento.

André Citroën mostra também uma certa preocupação com o bem estar dos seus operários: dois dias de folga por semana, instalação de uma enfermaria e de uma creche, subsídios para as trabalhadoras grávidas e lactantes, assim como um mês de licença de maternidade pago pela empresa. Uma cooperativa é igualmente criada para conseguir alimentos e vestuário a preços mais acessíveis. E são ainda organizadas sessões de cinema para os trabalhadores.

Pretendendo demonstrar a qualidade dos veículos Citroën, são organizadas travessias continentais nas regiões mais adversas à circulação de um automóvel: a Croisière Jaune, Noire e Blanche, que causaram grande impacto mediático.

Assim, nos loucos anos 20, André Citroën é um industrial admirado pelo seu sucesso, audácia e estilo mais social (diametralmente oposto ao do seu rival Louis Renault, muito mais frio e autoritário). A produção é elevada, ao ponto da Citroën ser um dos maiores produtores mundiais de automóveis.

No entanto, André Citroën sabe que a sua marca é um gigante com pés de barro. Não obstante a produção sempre crescente, os sucessivos empréstimos tornam-se insustentáveis, a crise bolsista de 1929 evidencia o (des)equilíbrio das finanças e os credores começam a mostrar-se cada vez mais impacientes. No início dos anos 30, anos de recessão económica, as vendas entram em queda livre. De facto, André Citroën não é de todo um contabilista, mostrando até um certo aventureirismo financeiro, e se o seu carisma e boa disposição permitiram sempre resolver ou adiar os problemas crónicos de tesouraria, agora os tempos são outros.

Mas André Citroën está confiante num projecto: trata-se de um modelo revolucionário que irá redefinir a construção dos automóveis e que poderá relançar a empresa. Pelo que é necessário lançá-lo o mais rapidamente possível. O desenvolvimento apressado do Traction Avant faz com que os primeiros exemplares sejam pouco fiáveis, agravando ainda mais os problemas da empresa.

E como se não bastasse, André Citroën está doente. A saúde do fundador da marca agrava-se à medida que se intensifica a pressão dos principais credores, a começar pela Michelin. Em novembro de 1934, a Citroën encontra-se em situação de insolvência e o fabricante de pneus recupera as acções de André Citroën, que fica proibido de entrar nas instalações da marca que fundou. Morre de cancro no estômago, no dia 3 de Julho de 1935.

Inovação, audácia, mas também fragilidade financeira são características que associamos, ainda hoje, à marca Citroën. A marca que lançou o 2CV e o DS é também a marca que teve de ser novamente salva em 1974, desta vez pela Peugeot. Hoje em dia, ao abrigo no grupo PSA, a Citroën está hoje numa posição mais sólida, mas não terá perdido um pouco da sua identidade?