As 6 Horas de Nova Lisboa por Armando de Lacerda

21/10/2017

Armando de Lacerda foi mentor e director das inesquecíveis 6 Horas de Nova Lisboa em Angola. Fomos falar com ele para conhecer melhor estas corridas lendárias.

Como nasceu a sua paixão pelo Automobilismo?
Penso que esta paixão já nasceu comigo mas, se alguma razão existiu, ela deve-se à influência de meu Pai porque, era eu ainda muito pequeno, já me falava das proezas do Henrique Lehrfeld, do Vasco Sameiro e outros.
Tenho uma ideia muito vaga da, julgo eu, primeira corrida que me levou a ver no Parque Eduardo VII e recordo bem de, nos passeios por estrada, lhe pedir para ultrapassar todos os carros que via à minha frente e dos toques, na perna, que levava de minha Mãe para que me calasse.
É dessa altura também que me lembro do primeiro pião e, perante o susto de minha Mãe, meu Pai calmamente lhe dizer que não havia perigo de virar uma “arrastadeira” pois até havia um prémio da Citroen para quem o conseguisse fazer.

Como foi “parar” às 6 horas internacionais de nova Lisboa?
Encontrava-me ainda há muito pouco tempo em Nova Lisboa quando se realizou um Pequeno Circuito do Huambo a que fui assistir, mortinho como andava de saudades pelos automóveis.
Ali, e antes da prova começar, dirigi-me ao director da prova, o Franchi Henriques, apresentei-me e mostrei a minha disposição de colaborar com ele.
Disse-me para ir num dia da semana seguinte à sede do Sporting Clube do Huambo, pois havia uma reunião preparatória das “6 Horas”.
Fui e fiquei com a direcção das boxes da primeira edição da prova. Depois fui director adjunto e principal colaborador do Franchi nas outras duas edições de 1969 e 1970.
Em 1971 tomei a direcção da prova e foi nessa altura que resolvi torná-la internacional e inscreve-la nos calendários da FIA, o que acabei por conseguir apesar de todos os entraves que foram levantados.

Descreva-nos por favor o ambiente que rodava nas 6 horas.
O ambiente era eufórico e difícil de descrever pois só quem a ele assistiu é capaz de o sentir.
Era a festa de uma cidade a rebentar pelas costuras porque a ela chegava gente de todos os cantos de Angola e, durante aquele fim-de-semana pouco ou nada se dormia.

Porquê 6 Horas?
Penso que foi uma ideia um pouco arrojada submeter o parque automóvel, então existente, a uma prova daquela duração. Mas resultou e provocou a chegada de novos carros a Angola.
Quando entrei para a organização já estavam em marcha as primeiras “6 Horas” pelo que não assisti às reuniões iniciais.
Segundo me contaram a ideia primitiva era a realização das 24 Horas do Huambo. Depois de muita discussão sobre a falta de realidade desta ideia, olhando sempre ao parque automóvel, baixaram para 12 horas e como a discussão continuasse acabaram nas 6.

Qual o seu orçamento da prova na época? Patrocinadores?
Tenho de confessar que embora seja bastante organizado nas minhas contas, para as “6 Horas” nunca fiz qualquer orçamento nem restrições de despesas pois só pensava no êxito e prestígio da prova com a certeza que os problemas financeiros seriam resolvidos.
Era uma luta diabólica entre mim e os homens do dinheiro que só pensavam em fazerem a maior receita possível com o mínimo de encargos.
No meio, como mediador e apaziguador estava o presidente do clube, o meu grande Amigo Mira Godinho, que tentava travar algumas das minhas loucuras ao mesmo tempo que convencia os homens do dinheiro a abrir os cordões à bolsa.
A única coisa que sei é que na véspera das “6 Horas” de 1972 havia um prejuízo de cerca de dois mil contos o que no final se transformou num lucro de cerca de quinhentos contos.
Mas isso só o vim a saber há cerca de dois anos, através do Mira Godinho, pois até aí sempre me tinham martirizado com o prejuízo enorme que a prova dera.
Os principais patrocinadores foram o Governo Geral de Angola, a Câmara Municipal do Huambo e a Comissão de Turismo. Mas além destes existiu todo um número enorme de colaboradores com os seus anúncios e oferta das taças (a partir de 1971 do valor das taças para que essas pudessem ser todas do mesmo modelo) tornaram a prova possível. O resto era realizado na bilheteira e através da venda de programas e regulamentos.
De todas qual foi a que mais o marcou?
Sem dúvida nenhuma as de 1972 em que me senti totalmente realizado.
Penso ter sido das melhores provas realizadas em Angola, mas eu sou suspeito!

De grandes pilotos com quem privou qual destaca pela sua capacidade técnica?
É uma pergunta verdadeiramente difícil de responder pois posso estar a ser injusto e a esquecer alguém.
De momento, lembro o Vic Elford e o Gerard Larrousse, mas não posso esquecer o Peixinho e o Nicha, nem os brasileiros Casari e Balder.
E não posso deixar de fora o Hélder de Sousa.
E agora que me perdoem aqueles que não mencionei.

Qual o piloto mais rápido que viu em Nova Lisboa? Torcia por algum?

Penso que foi o Vic Elford.
Tentei sempre ser imparcial e, portanto, não torcer por ninguém.
A única vez que posso ter intercedido foi em 1972, quando vi o Lola do Elford/Larrouse encostar às boxes para desistir, alertei o Jost que se conseguissem dar mais duas voltas ganhavam a prova. Ainda o tentaram, mas ficaram parados ao fundo da Granja, não conseguindo mais que o segundo lugar.

Qual o seu carro preferido que viu correr nas 6 horas?
Talvez os Lolas da Écurie Bonnier. Mas aqui estou a ser influenciado por uma questão de simpatia.

Descreva-nos o ambiente nos bastidores com os pilotos e as noites pós-prova
O ambiente com os pilotos era o mais cordial possível, embora variasse de uns para outros.
Outros faziam questão de nos ir cumprimentar assim que chegavam.
Por exemplo, com a comitiva da Écurie Bonnier tivemos oportunidade de estar com eles durante algumas refeições.
O Nicha tinha sempre oportunidade de aparecer pela sede a dar alguns dedos de conversa e contar alguma das suas piadas.
Mas com todos estabelecemos as melhores relações possíveis.
Talvez quem tenha deixado piores impressões foi o André Wick pois todos os contactos que teve connosco foram numa tentativa de conseguir mais dinheiro do que aquele que havia sido estabelecido.
A noite após a prova era de distribuição dos prémios com um beberete onde tínhamos oportunidade de mais algum convívio.
Depois era a debandada e o descanso para nos prepararmos para uma nova etapa.
Apenas o Norman Casari e o Jan Balder ficaram mais alguns dias a proporcionar-nos a simpatia da sua agradável presença.

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