C111: Os 50 anos de um dos Mercedes-Benz mais inovadores de sempre

02/06/2019

Frankfurt. Setembro de 1969. A expectativa é enorme. O rumor que a Mercedes-Benz iría apresentar algo sensacional corria já há algum tempo. Desde o terrível acidente em Le Mans, em 1955, que o mundo ansiava pelo regresso da Mercedes-Benz à competição automóvel e por um sucessor dos 300 SL / SLR. Os rumores intensificaram-se durante a década de 1960, quando a Mercedes-Benz comprou algumas unidades de desportivos de motor central Lotus e Porsche, que se vinham destacando com vitórias em diversas competições. Hoje sabemos que desde 1964 a criação de um desportivo com esta arquitectura já estava decidida. O primeiro sinal é o protótipo SL-X de 1965, apesar de ter sido apenas um estudo de design.

Sob a direção de Rudolf Uhlenhaut, criador dos originais 300 SL e SLR, o projecto C101 (mais tarde renomeado C111, devido à Peugeot deter os direitos sobre todas as denominações de três algarismos com um zero no meio) procurou desenvolver o conceito de desportivo de motor central, mas também novas motorizações e novos materiais compósitos para construção da carroçaria. E segundo a própria Mercedes foi este o propósito do projecto: inovação. E não passar à produção. Ainda que inicialmente a história pareça contar algo diferente.

Mas voltemos a esse longínquo Setembro de 1969 em Frankfurt, onde um carro com evocativas portas em “asa de gaivota” e uma carroçaria aerodinâmica e de desenho arrebatador, da autoria de Bruno Sacco, conquistava a multidão que enchia o stand da Mercedes-Benz. Para além do design, o carro era a visão da Mercedes-Benz para o futuro próximo em termos de novas tecnologias.

A primeira delas seria a própria carroçaria, pintada num vivo laranja “weissherbst”, totalmente construída em plástico reforçado com fibra de vidro. Esta era uma das técnicas que a Mercedes mais queria desenvolver e estudar a sua viabilidade para produção. Com esta construção conseguiram uma significativa redução de peso e um coeficiente aerodinâmico de 0.35, valor bastante baixo para a altura. Sob esta carroçaria estava um chassis único, mas com soluções tradicionais e vindas de outros Mercedes-Benz de produção, como a direcção, travões ou suspensão, tendo no entanto sido optimizados para o C111.

Depois tínhamos a inovadora motorização. Desde 1961, ano em que comprou a licença para a produção de motores rotativos Wankel, que a Mercedes-Benz estava empenha na evolução do conceito. Ainda que inicialmente produzindo potências baixas, acreditavam, como outros construtores, que a evolução da tecnologia iria produzir o motor do futuro. No imediato, a potência disponível e a sede por rotações elevadas tornavam o motor rotativo o candidato ideal para o projecto.

O automóvel apresentado em Frankfurt estava longe de ser lento: o seu motor Wankel com três rotores ( com 600 centímetros cúbicos por câmara de combustão) debitava 280 cavalos e quase 400 Nm de binário, que através de um transaxle de cinco velocidades da ZF catapultava o C111-I para os 100 km\h em 5.0 segundos e o levava até uma velocidade máxima de 270 km\h.

Em Março do ano seguinte era apresentado o C111-II.

Tinha evoluído em todos os aspectos. O motor tinha agora quatro rotores – obrigando a um aumento de distância entre eixos de 13 centímetros – com 350 cavalos, baixando o sprint até aos 100 km/h para os 4.8 segundos, e permitindo ao C111-II atingir os 300 km/h de velocidade máxima. Para isto também contribuiu uma nova carroçaria mais aerodinâmica (coeficiente aerodinâmico passa para 0.325), com melhor visibilidade e com um design ainda mais marcante.

Foi esta evolução para um carro mais civil, mais perfeito, mais “produto acabado” que deu força à ideia de que a Mercedes-Benz poderia avançar com a produção do C111 em série. E não faltaram clientes a mostrar o seu interesse em comprar. Mas a verdade é que a segurança passiva começava cada vez mais a ser um ponto de atenção na indústria automóvel e a carroçaria de materiais compósitos do C111 tinha uma clara desvantagem neste aspecto. Por outro lado, tendo a Mercedes-Benz evoluído o motor rotativo e corrigido muitos dos seus problemas iniciais, não conseguiu eliminar problemas intrínsecos à tecnologia Wankel, como os elevados consumos de combustível e níveis de emissões. Este era, para o construtor, a principal razão para o projecto C111, e assim em 1971 a Mercedes-Benz decide não avançar mais com o desenvolvimento.

Curiosamente, é a crise petrolífera de 1973 e a crescente preocupação com custos e consumo de combustível que travaram o projecto C111, que vem dar uma segunda vida ao mesmo. A Mercedes-Benz viu neste a plataforma ideal para promover e desenvolver o motor Diesel, ainda visto como pouco dinâmico e refinado.

Adiciona sobrealimentação ao motor diesel 5 cilindros de 3 Litros OM617 LA proveniente de um W115 240D, elevando a potência dos originais 80 cavalos para 190, e aplica-o num C111-II também com algumas melhorias, principalmente aerodinâmicas, com o coeficiente aerodinâmico a descer para os 0.25. No Verão de 1976, no circuito de Nardo, o agora denominado C111-II D, quebra, durante 60 horas de condução, 16 recordes de velocidade, 13 para veículos a diesel, e três para veículos com qualquer tipo de motorização, mostrando o potencial da tecnologia Mercedes-Benz diesel. Manteve uma velocidade média durante as 60 horas, de 252 km/h e um consumo médio de apenas 14 l/100km.

O próximo objectivo da Mercedes-Benz foi passar a barreira dos 300 km/h. Para isso, sabiam que tinham de transformar completamente o conceito original, e assim nasce em 1977 o C111-III.

Visualmente pouco tinha a ver com o original: mais longo e estreito, com uma frente muito baixa e um estabilizador vertical traseiro para melhorar a estabilidade a alta velocidade. Deixava de lado preocupações de cariz estético, tudo era funcional e necessário para atingir um coeficiente aerodinâmico de apenas 0.183. O motor era uma evolução do OM617 utilizado antes, agora com 230 cavalos, suficiente para levar o C111-III até aos 325 km/h. Mas mais impressionante que isso é ter conseguido quebrar mais nove recordes absolutos de velocidade em Nardo em 1978, com um consumo médio abaixo dos 16 l/100km e a uma média de 314 km/h!

O último capítulo da história do C111 é a busca pelo recorde de velocidade máxima em circuito, que a Mercedes-Benz consegue com o C111-IV. Com uma evolução extrema do design aerodinâmico do C111-III, com ainda melhor coeficiente aerodinâmico, e trocando o motor diesel por um bloco V8 do SL450, com a cilindrada aumentada para 4.8 litros e 500 cavalos, atinge os 403,978 km/h.

Culminava assim o projecto C111, um Mercedes-Benz que redefiniu e contribuiu em muito para os anos seguintes da marca, mesmo nunca tendo chegado à produção em série. Durante a década de 70, 80 e mesmo 90, muitos foram os Mercedes-Benz que tiraram partido de inovações e tecnologia conseguidas pelo programa C111. Ainda assim, o muito que trouxe para a Mercedes-Benz parece, mesmo 50 anos depois, não compensar o facto de não termos tido o prazer de ver o C111 na estrada – para além dos 13 protótipos construídos. Resta-nos recordar, e comemorar 50 anos do nascimento de um dos Mercedes-Benz mais inovadores e radicais já criados.

Telmo Gomes / Jornal dos Clássicos

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