Corvettes Italianos: O Rondine Pininfarina

11/06/2020

Resultado de uma verdadeira carta-branca por parte da Chevrolet à Pininfarina, o Corvette Coupé Speciale Rondine definiu-se como uma fabulosa demonstração das potencialidades da firma italiana, exibindo um design inovador e repleto de detalhes que viriam a marcar os estilos e personalidades de vários automóveis.

O Rondine foi concebido com o propósito específico de ser exibido no Salão de Paris de 1963, definindo-se como um reflexo da amizade entre dois prolíferos e talentosos designers: Bill Mitchell da General Motors e Battista Farina, fundador da Carrozzeria Pinin Farina (a partir de 1961, designada Pininfarina). O bom entendimento entre as duas influentes personalidades, aliado à introdução de uma nova geração do modelo desportivo da Chevrolet em 1963, fomentou a concepção e construção do “Rondine”, palavra italiana para andorinha, uma alusão à longa e estreita traseira do automóvel, reminiscente da cauda dessas aves. Para Mitchell, o Rondine era uma oportunidade de “europeizar” o Corvette. Caso a parceria fosse bem-sucedida, talvez o automóvel se tornasse até no primeiro passo para uma nova variante de produção com a capacidade de estabelecer o Corvette nos mercados do velho continente como competição aos desportivos europeus. Para Farina, o Rondine abria as portas a novos negócios com a GM, talvez séries limitadas do Corvette como sucedera em 1959 com a produção dos Cadillac Eldorado Brougham; além do mais, o automóvel providenciava a oportunidade de demonstrar as imensas potencialidades da Pininfarina, provando a outras grandes construtoras de automóveis que a firma italiana possuía o know-how e a capacidade de dar resposta às particularidades e exigências de qualquer projecto.

O desenvolvimento e construção da carroçaria para o Rondine baseou-se inteiramente em critérios definidos pela Pininfarina. O Corevette especial viria a ser idealizado por Tom Tjaarda, um dos mais relevantes designers de automóveis do século XX. O holando-americano encontrava-se então ao serviço da companhia de Battista Farina após ter, anos antes, iniciado carreira na Carrozzeria Ghia em Turim. Ao longo de um percurso profissional absolutamente invejável, Tjaarda foi responsável por uma série de automóveis marcantes tais como o De Tomaso Pantera, o Aston Martin Lagonda, o Ferrari 365 Califórnia e o Fiat 124 Spider. Aliás, o design do Rondine é, em determinados pontos, extremamente semelhante ao que eventualmente viria a ser adoptado para o 124 Sport Spider em 1966; note-se especialmente o formato da traseira. Contudo não foi apenas o 124 Spider que beneficiou da influência do Rondine, pois vários protótipos Pininfarina daquele período exibem semelhanças com esse Corvette, entre os quais destacam-se o Fiat 2300 Coupe Speciale Lausanne e o Alfa Romeo 2600 Pininfarina Coupe.

Os Corvettes sempre se constituíram como bases privilegiadas para receber uma carroçaria italiana atraente e aerodinâmica (recorde-se o caso dos Laughlin Scaglietti na primeira parte desta série de artigos e do Kelly Vignale, na segunda); para a criação do Rondine, a carroçaria Pininfarina seria colocada sobre o chassis de um Stingray de 1963, o qual partiu dos Estados Unidos para Itália já equipado com um V8 327 de 360 cavalos e injecção Rochester, com uma caixa manual de quatro velocidades acoplada. Depois de concluído, o automóvel tornou-se bastante mais pesado que um Corvette de produção, devido ao facto de consideravelmente maior e de a carroçaria em fibra de vidro ter sido substituída por uma em aço.

Ao longo do seu desenvolvimento, o Rondine passou por duas variações; a primeira era mais arrojada, desprovida de vidro traseiro e com a linha do tejadilho a terminar no pilar B, o qual era angulado de modo dramático para o interior do automóvel. Mais tarde, numa segunda versão – a qual viria a ser definitiva – optou-se por adicionar um vidro traseiro fabricado propositadamente para este automóvel, dando ao Rondine uma aparência mais longa e aerodinâmica, resultando num design mais coeso e bem conseguido.

As linhas do Corvette Pininfarina são consideravelmente mais subtis e suaves que as da carroçaria original do Stingray. Contudo, a dianteira do automóvel continua a ser bastante agressiva com uma grelha de grandes dimensões em destaque e faróis semi-cobertos à semelhança do estilo que viria a ser popularizado por Marcello Gandini no Isso Lele de 1969 e Alfa Romeo Montreal de 1970. Apesar disso, a fluidez das curvas que daí emanam envolve harmoniosamente o Rondine, separando-o por completo do dramatismo angular do Stingray.

Note-se que o característico pára-choques dividido do modelo de produção ainda se encontra presente no Rondine, mas as duas metades são elementos fabricados especialmente para este automóvel, tanto à dianteira como na traseira. O uso de cromado é ligeiramente mais limitado que no Stingray e o pilar B em alumínio escovado torna-se no elemento mais proeminente do perfil do automóvel, um toque estilístico reminiscente do protótipo do Isso Grifo, também de 1963. Os tampões são semelhantes aos do Stingray de 63, mas únicos ao Rondine. O interior do Corvette Pininfarina é uma fusão de elementos retirados ao automóvel de produção e peças feitas à medida; o Rondine utiliza o tablier, painel de instrumentos, volante (embora em madeira) e consola central do Stingray, mas os bancos e painéis das portas são únicos.

Quando relembramos o percurso do Corvette (em traços gerais) como modelo de produção constatamos que, inicialmente, este não foi o que a Chevrolet esperava: um sucesso de vendas imediato. Seria necessária quase uma década e a chegada de uma nova geração, o C2 Stingray, para que a produção do Corvette chegasse às 10.000 unidades anuais inicialmente planeadas pela General Motors. A crescente boa reputação do desportivo da Chevrolet possibilitou a criação do Rondine; contudo, a ambição de um Corvette para a Europa acabaria por permanecer não realizada. Embora aclamado pela maioria da imprensa do período, a recepção ao automóvel não foi o sucesso estrondoso que Mitchell e Farina esperavam. O Rondine acabou preso na fronteira entre duas realidades distintas, definindo-se como americano demais para agradar aos europeus e europeu demais para agradar aos americanos.

A excelente reacção do público ao Stingray também não ajudou a situação; o modelo de produção estreado em 1963 é, desde então, considerado como o mais atraente de todas as gerações Corvette. Assim, tornava-se naturalmente difícil vender algo que ocuparia essencialmente o mesmo espaço de um produto já bastante popular. Além do mais, em comparação com as fortes linhas rectas do Stingray, o design do Rondine foi percepcionado como feminino e demasiado delicado para apelar ao usual tipo de comprador de um automóvel daquela natureza.

O Rondine acabaria por permanecer na posse da Pininfarina por mais de 40 anos. O automóvel encontrava-se na entrada da sede da companhia, onde passou décadas a “cumprimentar” os visitantes. Em 2008, a Pininfarina levou o Corvette a leilão, o qual atingiu um valor de 1.6 milhões de dólares (antes de taxas, as quais adicionaram 176 mil dólares ao preço), tendo sido vendido ao coleccionador americano Michael Schudroff. Negociante de automóveis e personalidade habituada a lidar com modelos raros, Schudroff não tinha contudo qualquer conhecimento anterior acerca do Rondine quando viu o automóvel em Scottsdale em 2008. Em entrevista à Classic American em 2019, Schudroff afirmou que tinha percepcionado a venda de vários modelos únicos da colecção da Pininfarina em 2008 como uma ocasião triste, mas o facto de estar presente todos os anos no leilão da Barrett-Jackson em Scottsdale motivou o coleccionador a visitar também a edição daquele ano. Schudroff referiu que “não sabia no que se tinha metido”; a atenção prestada ao Rondine começou com uma simples apreciação especial por parte da esposa do negociante em relação à cor do Corvette, a qual motivou uma licitação inicial de 600 mil dólares. Seria necessária a adição de mais um milhão de dólares para assegurar a compra do automóvel. Michael Schudroff mantém o Rondine 100% original; este não teve qualquer intervenção estética ou mecânica (salvo manutenção) desde 1963. Até os pneus são os US Royal originais, agora com 57 anos.

Automóvel marcante para a Pininfarina e um passo relevantíssimo na carreira de Tom Tjaarda, o Corvette Coupé Speciale Rondine definiu-se como um verdadeiro campo de testes para uma série de traços estilísticos que viriam a marcar automóveis extraordinários. Embora o Rondine não tenha sido o último dos Corvettes italianos (com protótipos por parte da Bertone em 1984, o “Ramarro” e da ItalDesign em 2003, o “Moray”), foi contudo a derradeira tentativa de criar um modelo híbrido de mecânica estado-unidense e design italiano com potencialidade de seguir para produção. O Corvette permaneceria até à actualidade, como desde 1953, um modelo (quase) 100% Americano.

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