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Datsun 510: Uma história de quase tudo

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No geral, os japoneses não têm sido reconhecidos tanto pela sua criatividade como pela sua capacidade de refinar uma ideia original a um nível digno de tal perfeição que o criador original se rende a seus pés. O sabre curvo chinês de duas mãos é um exemplo claro, tendo sido aperfeiçoado pelos nipónicos em todos os aspectos imagináveis, tornando-se numa arma muitíssimo superior à inicialmente projectada pelos chineses. De certa forma, a criação do Datsun 510 é também um conto de fina melhoria.

A equipa de design do Datsun 510 trabalhou sob a orientação do Chefe de Design da Nissan, Kazumi Yotsumoto, com Teruo Uchino a ter um papel crucial para o desenho do automóvel, especialmente na pormenorização da carroçaria. A influência proveio de vários factores, inclusive do presidente da Nissan EUA, Yutaka Katayama, comummente referido como “Mr. K”.

Mr. K era um aficionado do desporto motorizado, tendo anteriormente, sem experiência prévia de relevo, destacado uma equipa Nissan/Datsun para competir nas 10.100 milhas do Mobilgas Rally, na Austrália. A direcção da Nissan opunha-se veemente ao risco de participar num evento tão desafiante, por receio que os seus veículos não possuíssem a resistência suficiente para suportar tal prova. Contudo, K compreendia a importância deste evento e, mesmo tendo noção que na edição anterior mais de metade dos participantes não tinha terminado, lutou e prevaleceu com a participação na prova. E assim se afiguravam os dois Datsun 210, que alcançaram sucesso inesperado ao terminar a prova, tendo-a concretizado praticamente lado a lado em toda a sua extensão. Ainda mais impressionante foi o facto de o primeiro destes a cruzar a linha de meta ter vencido a sua categoria, e o segundo ter terminado em quarto lugar. Para valorizar ainda mais este sucesso há que destacar que foi alcançado com veículos com tremenda falta de potência e que eram tão excitantes de conduzir como ver relva a crescer (contudo, a sua resistência “digna de Volvo” era de valorar).

Seria de pensar que isto era o suficiente para que a direcção da Nissan se sentasse e avaliasse a situação. Foi exactamente o que fizeram, mas de uma forma totalmente oposta à que se esperaria: o sucesso quase teve como impacto o fim da carreira de Katayama. Mais comummente do que seria desejável são os visionários, como Winston Churchill ou Yutaka Katayama, que são mais discriminados, apenas salvos pela eventual milagrosa oportunidade. Ao início, parecia que o caso de Katayama seria o da obscuridade, tendo sido despromovido para analista de vendas da Nissan no mercado americano.

Foi a forma da Nissan o colocar no caminho que havia seleccionado para o seu funcionário: o Pacífico era gigantesco, e K estava longe, mas agora colocado numa posição apropriada para a Direcção. Talvez o facto de Katayama ser um visionário determinado que não olharia a meios para atingir os fins do sucesso devesse ter sido um alerta para a Nissan. Para Yutaka Katayama os EUA eram uma terra de oportunidades, e não perdeu tempo a procurar descobrir que veículo venderia bem não só nos Estados Unidos, como também no Canadá e Austrália.

Neste seu novo cargo, Mr. K observou de perto os fabricantes alemães, à altura numa posição relativamente similar aos japoneses pelas dificuldades do pós-guerra. A sua dedicação foi a BMW. Observou à medida com os bávaros passavam da produção do pequeno Isetta à criação dos modelos “Neue Klasse”, e à excelente reacção do público a estes últimos. Retirou a lição mestra: tanto o público americano como o europeu respondiam bem a veículos desenhados para possibilitar excelência na manobrabilidade, sendo também económicos e fiáveis.

Assim, e um pouco ao revés da típica mentalidade japonesa da altura, K tipificou um veículo ao estilo “Q-car”, da mesma forma que a Ford também faria com o Cortina. Ao vermos o resultado final da sua influência é possível compreender que o pináculo da sua atenção foi o BMW Neue Klasse 1600. Era mecanicamente robusto, mas também veloz, ágil, e proporcionava um enorme prazer de condução.

Mr. K consegui influenciar o desenho concept do futuro Datsun 510, sendo o Chefe de Design Kazumi Yotsumoto que ficaria encarregue do design geral do modelo, com uma carroçaria em modelo único leve e rígida, complementada por uma suspensão independente e um motor de 1600 cc com uma única árvore de cames à cabeça: fazia-se assim um verdadeiro “driver’s car”. Até para a designação do modelo Mr. K demonstrou astúcia, passando este a ser designado por 1600 em alguns mercados, como se abordará posteriormente.

Relativamente ao motor, a Datsun teve acesso à tecnologia adquirida pela Nissan aquando da sua fusão com a Prince. Um dos motores da Prince era o L20, uma unidade de seis cilindros com uma única árvore de cames à cabeça. Para o Datsun 510, dois desses cilindros foram removidos, dando-se origem ao L16. Foi também criada uma outra versão de menor cilindrada, o L13, em mercados onde tal colocaria o 510 num patamar de pagamento de taxas inferior.

O Datsun 510 tornar-se-ia num automóvel internacional com uma variedade de mercados em vista. Ao ser introduzido inicialmente no Tokyo Motor Show de 1967, a sua designação assumia a forma “Bluebird”, e possuía um motor 1300 cc com uma única árvore de cames à cabeça, possibilitando 71 cavalos de potência. A este motor encontrava-se associada uma caixa manual de três velocidades.

Para o mercado japonês esta não era uma decisão estranha. Quem já conduziu no Japão tem noção de que os limites de velocidade são consideravelmente inferiores aos verificados na Europa e América, e em 1967 o país não possuía uma população considerável que possuísse automóveis de forma regular, como ocorria na América do Norte na década de ’60. Assim, para os mercados norte-americano e australiano, o 1600 foi equipado com o motor de 1600 cc com única árvore de cames à cabeça, associado a uma caixa de quatro velocidades.

Uma das coisas que Katayama desejava garantir era que o Datsun tivesse o tipo de nome que apelasse aos compradores ocidentais. A Nissan/Datsun encontrava-se bastante atraída a renomear veículos para mercados que não o nipónico, como são exemplos o Bluebird, ou o Fairlady, nomes estes que embora pareçam excelentes para ouvidos japonenes, não o são tanto assim para os restantes. Bem, perguntemos: “O que nos soa melhor? Austin-Healey 3000, ou Datsun Fairlady?”. Katayama compreendia que o nome de um automóvel necessitava de transmitir os factores de estilo, versatilidade e pujança.

O resultado foi a consistência por nomes simples e sérios. Daí que para o mercado americano este modelo da Datsun fosse apenas designado “510”. Na Austrália e Canadá (e também no nosso país) ficou conhecido como Datsun 1600. Em alguns mercados (talvez pela menor influência de Katayama na altura), ficou conhecido como Bluebird.

O Datsun 510/1600 Sedan começou a sua produção em 1967, e por essa altura foram oferecidas as versões 1300 (versão japonesa) e 1600 (restantes mercados). A versão standard do 1600 possuía 96 cavalos de potência.

Em 1968, a versão desportiva SSS (ou tri-s como tão bem a designamos no nosso país) foi introduzida nos diversos mercados, versão esta equipada com um motor de 1600 cc que, acompanhado com dois carburadores Hitachi Twin e uma árvore de cames com um perfil distinto, produzia 109 cavalos de potência. O motor era acompanhado por uma caixa de quatro velocidades, tal como as versões mais básicas do 510/1600.

O BMW Neue Klasse tinha uma suspensão com estrutura independente MacPherson à frente, e suspensão independente de molas na traseira: não eram tecnologias novas. A equipa de design da Datsun adoptou o mesmo tipo de sistema para o modelo Sedan do 510, mas não para a versão SW, onde para possibilitar o carregamento de cargas foi desenvolvido um eixo convencional com molas em folha. Nos mercados Asiático, Africano, e Sul Americano, tanto os Sedans como as SW possuíam a configuração de molas em folha, pela presente regular de estradas de condições mais pobres.

O 510 tinha sido estruturado para garantir as dimensões e conforto de um Ford Cortina, mas com uma suspensão superior, de nível similar aos BMW New Class, com um motor capaz de ter performances notáveis (até a Ford equipar o Cortina com uma versão de motor com dupla árvore de cames à cabeça), e tudo isto num veículo de valor extremamente reduzido.

Quando o primeiro carregamento de Datsun 510 chegou aos EUA, Yutaka Katayama conduziu um, ficando deliciado. Tão deliciado, aliás, que obrigou todos os que trabalhavam com ele a conduzir um, desde os seus executivos, até às secretárias. Este era um veículo que iria despojar o mundo da ideia que a Datsun não passava de uma cópia barata da Austin, este era um verdadeiro veículo para quem gostava de conduzir. Bastante menos dispendioso que um BMW, mas capaz de proporcionar uma experiência a um nível muito similar. Isto seria demonstrado na adaptação do 510 a rally, onde provou ser uma força dominante, particularmente na Austrália, onde ainda é bastante comum encontrar Datsun a competir a bom ritmo, ao fim de mais de cinco décadas.

Por referência à denotada presença do Datsun 1600 no desporto motorizado, e especialmente em rallies, a sua força proveio do “simples” facto de este ter sido pensado como um “driver’s car” desde o início da sua génese. A influência de Katayama contribuiu largamente para isso.

O humilde Datsun teve um grande impacto na US Trans-Am series, onde foi vencedor na sua classe (abaixo de 2500 cc) nos anos de 1971 e 1972. Também em competição amadora, particularmente na competição Sporting Car Club of America (SCCA), o 1600 encontrou plena popularidade, não só por ser um veículo com uma invejável manobrabilidade, como também pelos apoios fornecidos por parte da Nissan para esta vertente competitiva.

Nos campeonatos australianos de rally a história repetia-se, com vitórias em diversas classes pelos anos ’70 e ’80. Apenas a introdução de automóveis com tracção integral relegou definitivamente os Datsun 1600 para competições amadoras. Por vitórias consideráveis é também possível destacar o Australian Ampol Trial e o East African Safari Rally.

O Datsun 1600/510 é um veículo cujos pontos fortes poderão não ser facilmente perceptíveis para o público em geral, mesmo aquele que trata os clássicos pelo 1º nome, mas pela peculiar história da sua génese, pelo sucesso geral no desporto motorizado, e pelo facto de ter sido uma pedra basilar para tantos outros Nissan/Datsun, deverá sem dúvida ser alvo de uma análise cautelosa.

Era visão de um homem que amava automóveis, de um homem que conseguiu transformar a conservadora Nissan na conquistadora Datsun, de um homem cujo primeiro projecto era apenas o início do levantar de cortina, ou não estivesse no horizonte o mítico Datsun 240z.