De dançarina exótica a piloto de automóveis

08/12/2019

Existirá algo mais inflamável do que uma elegante e charmosa mulher, com um potente Alfa Romeo? Destemida, a competir com os pilotos Tazio Nuvolari e Louis Chiron ou Jean-Pierre Wimille, considerados os “ases do volante“ nos excitantes anos 30? Pode até existir, mas não deixa de ser um cocktail deliciosamente explosivo!

Várias e talentosas mulheres piloto, adocicaram a história da marca do Quadrifoglio verde. Mas a francesa Mariette Helene Delangle, imortalizada “Hellé-Nice“ será, na minha opinião, uma das mais cativantes mulheres piloto, dessa época de ouro. Com multidões de admiradores nas pistas, onde espalhou o seu perfume inebriante.

Esta modelo e dançarina exótica (como então se chamava às mulheres que dançavam com pouca ou nenhuma roupa) ganhou fama e fortuna, entre 1916 e 1926, como bailarina nos movimentados cabaret parisienses. Magistral estratega tanto no jogo da sedução como no ski – onde tem um acidente grave – é à vertigem da velocidade automóvel que se rende. Entre o odor a gasolina e o glamour do fox-trot, na luxúria dos seus amores, conhece Ettore e Jean Bugatti. Daí, nasce ao volante de um Bugatti T35C como reconhecida sportswoman, recordista na velocidade na Europa e no continente americano. Cresce com o seu Alfa Romeo 8C 2300 Monza – pintado em dois tons de azzuro com o qual participa nos Grand Prix – e que a torna uma heroína mundial da afirmação feminina.

Em 1936, volta ao palco no GP do Rio de Janeiro, o Circuito da Gávea – alcunhado por “ trampolim do diabo“ – enfrentando os pilotos italianos Carlo Pintacuda e Atilio Marinoni, da Scuderia Ferrari, e os portugueses Henrique Lehrfeld e Almeida Araújo, ambos em Bugatti. Algum tempo depois, no I Grande Prémio da Cidade de São Paulo, ocorre o maior acidente da história do automobilismo do Brasil. Hellé será a infeliz protagonista. O seu Alfa Romeo catapulta-a à velocidade de 160 km/h, ao embater num fardo de palha solto – existindo testemunhos que apontam o dedo ao volante local, Manuel de Teffé, que teria impedido uma ultrapassagem. Ela é salva ao cair sobre um soldado que será um dos quatro mortos deste triste acontecimento, Registaram-se ainda 35 feridos entre os espectadores. O trágico episódio foi o espoletar da construção do autódromo de Interlagos.

O Alfa Romeo destruído foi adquirido e reconstruído pelo piloto brasileiro Benedicto Lopes, com o auxílio de entusiastas e da própria Hellé-Nice, que envia peças originais desde a Europa. Em 1937, convidado por pilotos portugueses, participa com o mesmo no VI Grande Prémio internacional de Vila Real e no III Prémio do Estoril. Pisando solo português, o veterano e marcante Alfa Romeo da Rainha das Pistas dos anos 30.

Hellé-Nice, em 1949 quando tenta correr no Rali de Monte Carlo é acusada – sem provas – de colaboradora da Gestapo, na França ocupada durante a II Guerra, pelo piloto e rival Louis Chiron. Em consequência disso, é desprezada e cai no completo esquecimento de todos. Morreu em 1984, aos 84 anos, na miséria.

Em 2004, com a publicação da sua biografia “Bugatti Queen”, da autoria da escritora americana Miranda Seymour, a história desta incrível personagem recuperou o merecido destaque.

Em 2010, foi constituída por mulheres norte-americanas, amantes do desporto automóvel a “Fundação Hellé-Nice“. Finalmente, Hellé-Nice, recebeu a justa bandeira de xadrez!

Marco Pestana/Jornal dos Clássicos

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