Este ano celebram-se os 30 anos do final do Grupo B como a categoria máxima dos ralis à escala mundial. À parte de pontuais exemplos, como era o caso do campeonato espanhol, os “monstros” que captaram a atenção dos adeptos do mundo inteiro e terão granjeado mais uns quantos para a causa automobilística davam lugar aos Gr. A no final de 1986.

Ora sendo o Rali do Algarve, por norma, a ronda final do campeonato final do campeonato português e uma das últimas do campeonato europeu, é natural que este simbolismo de despedida também se tenha sentido a sul. Vamos agora ver alguns dos mais icónicos representantes desta geração de automóveis que passou pelos outonais troços algarvios:

Lancia Delta S4

Aquele que deve ser mencionado desde logo é o Lancia Delta S4, sobretudo, entre vários factos e atributos, ter este sido o rali em que a “bomba” transalpina fez a sua estreia como viatura homologada para ralis, corria o ano de 1985. Aliás, quando foi verificado ainda faltava um dia para a homologação entrar em vigor. Mas como era quase impossível haver um volte-face, o director de prova não se coibiu de permitir o “scrutineering” ao automóvel.

Enquanto esteve em prova, Markku Alen/Ilkka Kivimaki dominaram a seu bel-prazer, mas o troço de S. Brás de Alportel viria a ser nefasto para a dupla finlandesa, com a novel mecânica a não aguentar as árduas condições da terra algarvia. Ainda assim foi permitida à equipa continuar em prova no dia seguinte, como carro “0”, no que se viriam a revelar um precioso amealhar de quilómetros que foram fulcrais na obtenção da vitória no Rali RAC, a jornada de encerramento do WRC deste ano, através de Henri Toivonen/Neil Wilson.

O Lancia Delta S4 foi projectado na Abarth, a casa-mãe da competição no grupo Fiat, sob o nome de código SE038, tendo o processo começado em 1983, depois de se ver que o Rallye 037, de tracção traseira, não conseguia ser uma ameaça constante aos Audi Quattro de tracção total nos ralis de terra. Semelhante aos Delta dos stands só o nome e o formato (muito) geral, tendo um chassis tubular que alojava um motor de 1.8 de cilindrada montado em posição central, dotado de turbo e compressor, uma solução idealizada para reduzir os efeitos do “turbo lag”. Era o primeiro Lancia de tracção total, com o diferencial central a mandar entre 60 a 75% da potência para as rodas traseiras, tendo um peso mínimo de 890 Kg, movidos por 480 CV (oficiais, pois há quem refira 500 e mesmo um teste na Abarth em que conseguiram levar uma unidade em banco aos 1000!).

Ford RS200

A arma da Ford para o Grupo B tem contornos de estreia semelhantes aos do Delta S4, sendo a primeira unidade a ir competitivamente para a estrada o exemplar da equipa portuguesa Diabolique, isto para a primeira ronda do campeonato português de 1986, o Rali Sopete, automóvel este que era emprestado pela Ford Motorsport enquanto o exemplar da equipa nortenha não estava pronto. A mesma equipa iria sofrer um duro revés no Rali de Portugal, quando tiveram o tristemente célebre acidente na Lagoa Azul, levando à morte de 3 espectadores, felizmente recompondo-se de tais trágicos acontecimentos, acabando a dupla Joaquim Santos/Miguel Oliveira por ganhar 4 ralis do campeonato nacional, o último dos quais o Rali do Algarve, o que acabou por representar uma despedida em beleza deste automóvel, que até há poucos anos estava na posse de Miguel Oliveira, das provas de estrada, com o 2º classificado, o Audi Quattro A2 de John Bosch/Steve Bond a ficar a mais de 7 minutos.

O Ford RS200 foi dos últimos Gr. B de “última geração” a conhecer a luz do dia depois da Ford ter abortado aquele que seria a sua arma para o argumento, o Escort RS1700T, que tinha somente tracção traseira, passando a desenvolver este desportivo com motor posicionado entre eixos e com tracção total, o primeiro carro de ralis da Ford com semelhante transmissão. O motor era o Cosworth BDT, um 4 cilindros em linha com 1800 cm3 de cilindrada sobrealimentado por um turbo, produzindo entre 350 e 450 CV, sendo estes domados por uma caixa de 5 velocidades.

Lancia Rallye 037

O único Rallye 037 a ter disputado o Rali do Algarve foi a unidade que a Duriforte Construções adquiriu para Carlos Bica disputar o campeonato nacional de 1986, com o piloto baseado em Almada a conseguir almejar o vice-campeonato (a sua melhor classificação até então) mas a nunca ter chegado à vitória num dos ralis, com o mais parecido a ter sido o facto de ser o melhor português no rali Vinho Madeira.

A escolha deste automóvel marcaria também um casamento de sucesso com a Lancia, marca com a qual Bica se sagraria campeão nacional entre 1988 e 1991. Na edição de 1986 da prova algarvia, onde foi navegado por Cândido Júnior, chegou na 3ª posição final.

Este automóvel foi a proposta da Lancia para o Grupo B, começando a ser delineado na Abarth como o projecto SE037 (daí a numeração na sua designação) em 1980, mal se soube do quadro regulamentar proposto pela FIA para o que se viria apelidar de Gr. B. Mal sabiam os italianos que a Audi também iria abordar este novo quadro técnico através do recurso à tracção total, com o resultado a ser conhecido: o 037 conseguia superiorizar-se nos ralis de asfalto, mas em terra que tinha que “suar” muito para conseguir medir forças com o automóvel vindo de Ingolstadt. Tinha um motor de 2000 cm3 que fazia uso da sobrealimentação de um compressor Abarth Volumex que elevava a potência aos 350 Cv na sua última evolução, estando disposto em posição central, com a transmissão a ser assegurada às rodas traseiras através de uma caixa ZF de 5 velocidades. Este exemplar em questão pertence agora à colecção de Manuel Ferrão.

Renault 5 Turbo

A versão musculada do pequeno utilitário da Renault começou a sua vida como Gr.4, indo para os troços em 1980, pouco antes do lançamento do Gr.B, baseando-se na versão Turbo 1, isto é, os 400 exemplares que a Renault produziu a pensar na homologação para competição, com as versões Turbo 2 a apresentarem soluções mais próximas da utilização do dia-a-dia (expressão estranha para um automóvel com motor central…). Este automóvel viria a sofrer três evoluções, as suas primeiras baptizadas com o nome das provas onde foram estreadas (Criterium des Cevennes e Tour de Corse) e o Maxi Turbo (cognominado entre os adeptos espanhóis de “culo gordo” pela sua saliente morfologia…), este último somente visitando Portugal no Rali Vinho Madeira de 1986 pelas mãos de um jovem Carlos Sainz.

No que toca ao Rali do Algarve, o maior destaque tem que ser dado ao 5 Turbo “Corse” inscrito pelo importador português para dupla Joaquim Moutinho/Edgar Fortes, que nunca venceu a prova tendo terminado em 2º na edição de 1985 e vítima de um episódio de suposta sabotagem na edição de 1984 durante o troço de Monchique, naquele é o “caso Camarate” dos ralis nacionais. A equipa alinhou também em 1986 mas não com o NG-81-41, que pereceu num incêndio depois de um despiste na Volta a S. Miguel, mas sim com uma viatura emprestada pela casa-mãe que já estava destinada ao museu da marca e que até já tinha sido pilotada por Jean Ragnotti, vindo a abandonar nesta sua última participação.

Também presentes estiveram outros exemplares do R5 Turbo, como foi o caso dos jugoslavos Brane Kuzmic/Rudi Sali que desistiram em 1985 com falta de combustível mas que lograram chegar em 5º em 1986, o do portimonense Jorge Pontes, que utilizou em 1986 o exemplar com que se tinha sagrado campeão nacional de Iniciados no ano anterior, terminando na 23ª posição ou o exemplar tripulado por Artur Santos/Miguel Borges na edição de 1982 que tem a distinção a ser o primeiro exemplar deste modelo inscrito em Gr. B no Rali do Algarve. Nota ainda para a inscrição do piloto Sousa Santos em 1987, altura em que os Gr .B se encontravam banidos mas não na totalidade, com os automóveis com homologação até classe 9 do agrupamento a terem prolongamento internacional da homologação neste ano.

Audi Quattro A2

O automóvel que revolucionou o panorama dos ralis criando o paradigma dos automóveis de topo de hoje (tracção total e sobrealimentação) começou a sua vida enquanto Gr. 4 estreando-se, enquanto automóvel 0, no Rali Urbibel Algarve de 1980. Com a mudança para o Gr. B, a Audi aproveitou para fazer umas actualizações ao Quattro, introduzindo as versões A1 e A2 em 1983. Esta última veio-se a revelar crucial para as conquistas dos títulos mundiais de Hannu Mikkola e Stig Blomqvist em 1983 e 84, respectivamente. Com cerca de 350 CV extraídos do motor pentacilíndrico equipado com turbo que viu a sua cilindrada reduzida para 2110 cm3 de forma a descer de classe e não ser tão penalizado a nível de peso mínimo permitido. Começando a ser substituído pelo Sport Quattro a partir de meados de 1984 (apesar de alguns pilotos da marca não estarem muito convencidos com a mudança), ainda havia muitos participantes por esse mundo fora que faziam sensação nos seus campeonatos.

Foi um destes A2 privados que visitou o Algarve 1986, através da dupla anglo-holandesa John Bosch/Steve Bond num automóvel com as cores da Rothmans inscrito pela equipa de David Sutton, que tinha então na marca de Ingosltadt os sucessores para os seus Escort MkII. Estiveram em liça pela vitória mas um capotanço numa das classificativas vicentinas acabou por cortar essas esperanças, ainda assim terminando na 2ª posição final.

Nissan 240 RS

O primeiro automóvel do construtor japonês para o Grupo B veio substituir o já veterano 160J/Violet mas teve um timing parecido ao do R5 Turbo e do Audi Quattro, sendo na origem um Gr.4 homologado quase no final da época em que estes eram o píncaro dos ralis. Nascido como Violet GTS, o 240 RS acabaria por não apresentar grandes diferenças em relação ao primeiro, somente a nível de alargamentos e um ligeiro aumento da potência do motor de 2340 cm3, aspirado, para 240 CV.

Homologado em 1983, o 240 RS dispunha de tracção traseira, muito peso e pouca velocidade, face à concorrência, assumindo protagonismo sobretudo nas provas africanas, onde a resistência era a chave para um bom resultado.

Dois exemplares deste automóvel marcado pelas linhas direitas que apresentava tomaram lugar na edição de 1984, um para o bi-campeão Santinho Mendes, vencedor da prova em 1981 num 160J de Gr. 2 e outro, este vindo da Nissan Europe e com as cores da Marlboro, para a jovem esperança britânica Terry Kaby, no que seria a principal “atracção estrangeira” neste ano. Kaby não teve a sorte por seu lado, com o Safari algarvio a revelar-se mais inclemente que o seu congénere africano e a suspensão do automóvel não aguentou até ao fim do rali. Já o automóvel de Santinho chegou ao fim, mas na 6ª posição, no que seria uma demonstração de como, apesar de inegável talento do piloto de Abrantes, o automóvel não era par para os outros protagonistas do Nacional de Ralis. Em 1985 Santinho Mendes voltou a levar o 240 RS aos troços algarvios, desta feita com a bonita decoração com as cores dos jeans Lois, que eram também o principal patrocinador da prova, abandonando devido a problemas com o motor.

Citroën Visa Trophée/Chrono/1000 Pistes

O último modelo que decidimos mostrar acaba por se dividir em três versões diferentes. Sempre com uma forte componente ligada à competição-cliente e ciente da promoção proporcionada pelo desporto automóvel, a Citroen aproveitou os ralis para mostrar a fiabilidade e resistência do pequeno Visa. Para tal, criou uma versão especial denominado de “Trophée”, que teve a honra de ter sido o primeiro automóvel homologado em Grupo B pela FIA! Fizeram as obrigatórias 200 unidades em 1982, depois de no ano anterior uma versão Gr. 5 (protótipo) ter já andado por alguns ralis e serviram de base para alguns troféus da marca, nomeadamente em solo português.

Seguiu-se lhe o “Chrono”, que tal como o antecessor aproveitava a base do Visa GT, apresentando um motor ligeiramente maior que já o levou para a classe B10. Sendo um especial de homologação, sendo necessárias somente 20 unidades, 12 ficaram para a equipa oficial da marca, enquanto que 8 foram vendidos a provados. A última evolução do Visa no tempo do Gr. B foi o 1000 Pistes, a primeira vez que a marca do “double chevron” equipava um seu automóvel com tracção a todas as rodas com o intuito de competir, sendo cognominado com o duro rali de terra francês que se realizava numa base militar e onde o protótipo, pilotado por Philippe Wambergue, ganhou a sua categoria.

Todas estas 3 versões tiveram o seu destaque no Rali do Algarve com especial nota para a edição de 1983 ganha pelo “Chrono” de Olivier Tabatoni/Michel Cadier, sendo secundados por Inverno Amaral/Joaquim Neto num “Trophée” que cometeram a “ousadia” de serem os mais rápidos no troço de Monchique Num rali que foi marcada por péssimas condições climatéricas que afectaram de sobremaneira os pisos, a resiliência destes pequenos automóveis franceses veio ao de cima! Quanto aos 1000 Pistes eles foram usados por alguns dos pilotos franceses que nos visitaram entre 1984 e 86, com destaque para a 5ª posição obtida por Jean-Luc Marteil em 1985, ele que não tinha treinado para o rali! Nesta edição nota também para as participações femininas de Cristine Driano e Sylvie Seignobeaux.

Posto isto, também se poderia falar noutras transformações de Gr .2/4 para Gr. B, mas não se considerou relevantes para o espírito pois não encaixariam no mote a que este pequeno artigo se propôs, identificar aqueles mais icónicos e/ou dentro do espírito deste extinto regulamento. Os fãs da Diabolique, da parte inicial da carreira de Carlos Bica ou de José Miguel Leite Faria que me desculpem, mas para mim um Escort RS 1800 MkII será sempre o epítome, juntamente com o Fiat 131 Abarth, do Gr.4 ideal, daí não caber neste trabalho.

Têm fotos e recordações do tempo do Gr. B e outros eras do rali do Algarve? Podem enviar os vossos contributos para [email protected] e os mesmos poderão ser partilhados na página de Facebook de onde foram retiradas as fotos para este trabalho. Os fãs agradecem!

 

Pedro Branco/Jornal dos Clássicos

Fotos: Retiradas da página de Facebook “História do Rali do Algarve – 1970 a 1995”, com os direitos reservados aos autores das mesmas.

 

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