Ode a Kris Meeke

18/06/2018

Cresci e aprendi a amar este desporto tão nosso, a ver aquele que, na minha opinião pessoal, foi o derradeiro piloto. Um pouco ao jeito de Senna, que não detém o maior número de campeonatos, ou de “poles”, ou de vitórias em GP, mantém uma posição de valor bem mais elevado, a de Campeão de Povo. Assim o era (e é) Senna, e assim o era (idem) McRae.

Ora, talvez por ver em Kris Meeke um pouco do ídolo que me fez nutrir tal afincada paixão, me custe profundamente ver o possível fim de carreira ao mais alto nível do protegido de Colin.

O piloto de rally deve ser, com vassalagem à intrepidez, o derradeiro “pata no fundo”, o real “demónio” da estrada, e o maior sustentador de respiração para quem observa. Em parte, grande, diria até, é isto que nos leva a acordar às 5h da manhã para marcar lugar numa SS, ou nos leva a horas de visualizações de filmagens dos “killer-B’s” da década de ’80, ou até nos faz ter aquela vontade de “macaco de imitação” nas estradas secundárias que conhecemos com a palma da nossa mão.

Por tudo isto, porque não só de triunfos se faz o desporto, e porque quem tanto fez com tão pouco merecia melhor futuro, pela falta de investimento e de timoneiro, e porque quem pagou foi quem sempre deu o corpo às balas, uma breve opinião, ao estilo de desabafo, a Meeke.

O contexto

Para o fiel acompanhante do Campeonato Mundial de Ralis (WRC), talvez a dispensa de Meeke venha quase como evidente. Com uma frota de jovens talentos de enorme qualidade, e com apenas 4 equipas na classe rainha, até os mais experientes dão por si a ter que “rodar” nos vários veículos das equipas, caso até bastante comum na Hyundai Shell Mobis WRT, onde as “cobaias” têm sido Dani Sordo e Hayden Paddon.

A isto adita-se a comum presença de equipas secundárias para auxiliar na formação e transição de jovens pilotos entre categorias do Mundial, o que representa um natural acréscimo de pressão para os integrantes das ditas equipas principais.

Analisando o percurso de Meeke no Mundial, e numa vertente puramente explanativa, o norte-irlandês fez 53 ralis pela marca do duplo “chevron”, garantindo 5 triunfos (cerca de 9%), o que numa época coincidente com os grandes Loeb e Ogier não é propriamente negativo, e abandonando 14 provas (cerca de 26%), tendo regressado por 8 vezes em modo Rally2. Todavia, destes 14 abandonos, 9 foram, direta ou indiretamente, por saídas de estrada, possivelmente um dos fatores decisivos para a Citroën na dispensa do piloto.

Mas poderemos resumir um desporto tão emocional a meros números e estatística? Ou deveremos fazer entrar em via de conta a componente emocional, a que torna este desporto o derradeiro culto de milhões?

Emocional vs. Racional

Meeke era o tipo de piloto que lutava com o esforço apaixonante de quem trabalhou uma vida para alcançar um sonho, o tipo de piloto que dava gosto seguir (particularmente onboard) porque já sabíamos que veríamos algo especial, o piloto cujas características nos faziam ponderar seriamente se existiria alguém mais adequado para a expressão “faca nos dentes”.

Era isto mesmo que tornava McRae especial, e é isto mesmo que me faz sentir que, sem Meeke, o WRC é mais pobre, ou não fosse este um dos protegidos de Colin.

De trás para a frente

Uma outra vertente de análise será a própria Citroën, a mítica marca que conseguiu em 2000, com o comando de Guy Frequelin, criar o derradeiro WRC e que desencantou o piloto mais vitorioso de todos os tempos para o conduzir, Sebastian Loeb.

Com a reforma do 1º, seguiram-se Matton e Budar, mas os resultados estão à vista de todos. Numa equipa sem timoneiro, Meeke foi o farol.

Num carro sub-preparado, numa equipa sem ordem, e com orçamento limitado, Meeke estava de mãos atadas, o que não o impediu de buscar no seu ser as forças para levar o manco C3 WRC a algumas vitórias, o 1º carro Citroën WRC sem a mão directa de Loeb no desenvolvimento, e num projecto tão confuso pela mistura de opiniões discordantes, que nem este último conseguiu arranjar solução quando o abordou.

Não podemos olhar para o lado e dizer que Meeke não tenha errado, longe disso, mas não podemos dizer que a culpa morre com este.

Finito

A dispensa de uma marca para com um piloto deste calibre com a justificação de que estão a evitar uma tragédia em ralis futuros parece-me, na plenitude da palavra, estapafúrdia, ainda para mais quando aos comandos de uma equipa do Campeonato Mundial de Ralis está um homem que culpa Meeke por essa mesma equipa estar fora de controlo, quando este, apesar de em 8º lugar, é o melhor dos pilotos da formação gaulesa!

Meeke faz falta no WRC? Pela partilha supramencionada em forma de desabafo, é difícil esconder o sentimento nutrido, particularmente quando se pensa como é que Colin McRae nunca foi despedido.

De parte própria, fica sabida a justificação: de muito mais do que razão se faz a paixão, e de muita paixão se faz o desporto.

José Júlio de Brito/Jornal dos Clássicos