Otiima Custom, muito mais do que um clássico

09/06/2022

O restauro de automóveis clássicos, quer pela voga do tema, quer pela acuidade do negócio, começa a tomar uma preponderância de relevo no panorama automóvel. Dependendo da especificidade, marca ou modelo, os especialistas surgem, munidos do conhecimento tácito e geracional ou da vicissitude de implementação de novas ideias numa tela de idade. A fusão dos conceitos supramencionados raramente encontra lugar sob um mesmo tecto, um dos motivos para o merecido destaque à Otiima Custom, parte integrante da Ecosteel, empresa de referência e um dos relevos da Zona Industrial de Laúndos, consórcio unificador de uma panóplia de vertentes industriais e comerciais, de restauro de automóveis clássicos à fabricação de mecanismos e janelas personalizadas, tudo incorporado numa mesma área.

Colectânea e oficina

“Cada automóvel submetido a um restauro profundo é entregue, acompanhado de um livro com fotografias do processo. Queremos que o cliente tome noção de todas etapas que integram o restauro, que possua memórias fotográficas. Muitos destes automóveis acabam por passar de geração em geração tornando-se fulcral que quem os herda tenha conhecimento dos processos e componentes que fizeram parte do restauro”, relata Pedro Barbosa, responsável pela Otiima Custom, num comentário onde é incapaz de esconder o gosto pelo laboro que incorpora todas as etapas do restauro, desde chaparia, pintura, trabalho mecânico, interiores e personalização, enquanto admiramos as duas mulas de trabalho da oficina, um Renault 12 e um Carocha.

Num breve vislumbre pelo espaço, injusto para a diversidade de pontos de foco, torna-se impossível não denotar a presença de múltiplos exemplares de Jaguar E-Type, tanto de primeira como de segunda série, não por algum motivo específico, mas antes porque o interesse pelos restauros do modelo se tem enfatizado em tempos recentes, sendo procurados não só com a vertente de plena originalidade, como também com foco em modificações de cunho pessoal e junções de elementos de ambas as gerações.

Com duas áreas distintas, superiorizar o interesse entre a zona dedicada à exposição de automóveis e motociclos e o espaço de oficina é impossível, mas a conversa deambulante entre algum modelo específico, o estado actual do mercado de clássicos e algum sonho futuro, acaba por nos encaminhar para um Triumph Spitfire Mk2, de 1967, em estado prematuro de restauro cuja estória documentada indubitavelmente supre a mística do exemplar. Prenda pela obtenção da licença de condução de uma jovem de uma família abastada, a história vê-se envolta em tragédia quando um acidente, na Ponte 25 de Abril aos comandos de um Rolls Royce Corniche, tem o pior desfecho. Pela recusa de venda do veículo após o sucedido, a mudança de mãos apenas ocorreu como parte de uma partilha de bens. O novo proprietário, pelo estado de degradação do veículo após tal período de paragem, acabou por não o utilizar, sendo de novo vendido e entregue à Otiima Custom para um restauro completo no qual será possível o aproveitamento de inúmeros componentes originais como os estofos dos bancos. De momento, com chassis plenamente lacado, parte mecânica em estado avançado e chaparia a “meio-caminho”, resta a espera para ver tão belo momento quando regressar à estrada.

Com lugar de destaque no espaço, mais que não seja pelas avultadas dimensões quando comparada ao E-Type que se lhe encontra adjunto, temos uma Peugeot D4A “Focinho de Porco”, um verdadeiro barnfind que começa a reencontrar a practicalidade de outros tempos. Com um vistoso acabamento em tinta de borracha, a desvantagem do aumento de peso é balanceada pela protecção de chapa, crítica no modelo. A nível mecânico e de interiores a originalidade é plena, com a excepção da substituição de um dínamo por alternador por via à maior viabilidade num veículo brevemente para venda. Contudo, não se pense que existe exclusividade no que toca a veículos históricos de serviços, com a D4A a ter a companhia de uma Citröen HY de primeira geração plenamente restaurada com a originalidade em mente, já pronta a entregar ao proprietário.

Entre um Matra Simca Bagheera em estado profundo de degradação (haverá algum que não esteja?) e os múltiplos Alfa Romeo na porção sudeste da oficina, o destaque evidente vai para um 1750 Mk1 de origem nacional, futura réplica de um GTAm, um dos focos actuais de trabalho da oficina. Com total inspiração no reduzidíssimo número de exemplares produzidos pela AutoDelta há época, o motor de dois litros, um “colaça estreita”, e um número avultado de componentes originais, o objectivo passará pela homologação para provas de velocidade.

Quase que fazendo a repartição entre a área de exposição e a oficina, diversas motorizadas Norton e BMW série R restauradas internamente encontram-se protegidas por toldos que dividem o espaço com um relativamente comum Mini azul ciano que alegra o espaço, um trabalho de restauro “q.b.” com a deliciosa particularidade de evidência da patine nos estofos, tablier e volante, já algo degradados. Com uma história de inúmeras viagens pelo Gerês realizadas pela mãe do proprietário para prestar serviços de enfermagem, encontro total compreensão na decisão, acabando por alcançar um práctico nivelamento racional com a manutenção do carisma e personalidade não só do veículo como do seu proprietário original, ou não tivesse o restauro do meu 1602 mantido o volante original com riscos e marcas de anos de uso pela D. Margarida, conhecida pelo estacionamento de BMW históricos sobre a linha do eléctrico na baixa do Porto e pelo uso de relógios de proporções abonadas com braceletes em aço.

Biasion e Siviero: mais que não fosse pelos nomes que enverga, o Lancia Delta réplica do utilizado pela dupla italiana no Rallye Sanremo teria que ser destaque, representando um exemplar preparado há época pela Lancia para competição, possuindo um infindável número de provas concluídas e uma participação especial no Caramulo Motorfestival de 2021. Ladeando-o encontramos nada menos do que o primeiro veículo zukunft da BMW, o Z1, carismaticamente recordado pela abertura de portas (ou supressão das mesmas) e pela suposta capacidade de troca de todos os painéis em quarenta minutos e uma dupla Porsche na forma de um 914/4 e um 912 Soft Window.

A par e passo com os E-Type, os Porsche 356, do qual encontramos diversos exemplares pelo espaço, não escondem segredos para a Otiima Custom. De entre os vários, destacam-se um exemplar em que orgulhosamente se comprova a patine e uma interpretação outlaw, presença em provas de Velocidade em Jarama e noutros circuitos de renome no sul da Europa. A presença Porsche é completa com um 924 e um 944, ambos em considerável estado de conservação.

A tudo menos indelével presença de um Jaguar 420 torna diminutas as dimensões da sua companhia mais desportiva, alvo de um extenso restauro plenamente concretizado na Otiima Custom, desde a chapa até às madeiras do tablier. A luxuosidade do modelo britânico é apenas rivalizada pela elegância do seu vizinho alemão, um BMW 2000C sem qualquer restauro, mas num estado precioso, antiga propriedade da embaixada italiana e pertencente ao Clube BMW Itália, completamente contrastantes com uma raridade por terras Lusitanas, um Pontiac Solstice, discordante da colectânea exposta, mas sem dúvida um “conversation starter“, ainda que pela temática da degradação do conceito do automóvel desportivo americano pela tentativa de apreensão de um mercado que não o seu, algo que certamente não poderá ser dito de um compatriota, particularmente considerando o modelo de que se trata, um Chevrolet Corvair Turbo de primeira geração, conhecido por ter sido considerado o pior automóvel do mundo pelos tremendos problemas de segurança relativos aos depósitos de combustível explosivos aquando de impactos traseiros, tendo practicamente arruinado a reputação do fabricante.

Representando um dos veículos mais raros e fascinantes em exposição, o Innocenti 950 Spider possuiu números de produção na ordem dos 5000 exemplares, sendo actualmente relativamente raro até entre os círculos mais especializados. Com base no Austin Healey Sprite mas infundido com ADN italiano, o design do modelo ficou a cargo da Ghia, pela mão de Tom Tjaarda, abundantemente conhecido pelo desenho de veículos como o Fiat 124 Spider, o Ferrari 365 GT California, o De Tomado Pantera ou o Ford Fiesta original, tendo o 950 sido um dos seus primeiros projectos. Com componentes provenientes da BMC, De Tomaso e até Ferrari (como os puxadores das portas), representa sem dúvida uma coqueluche e uma muito eventual inspiração para a porção dianteira do Triumph TR6.

Com a toada de raridade em mente, será relativamente fácil falarmos do Lotus Elan +2, modelo do qual terão sido fabricados menos de 5000 exemplares, sendo este antiga propriedade do Museu do Caramulo. Numa fácil consciencialização da Lotus para o facto de que o seu público alvo começaria a constituir família, necessitando de uma maior practicalidade e, acima de tudo, maior lotação, foram adicionados dois lugares ao bem sucedido conceito do constructor britânico, lotação adicional legalmente limitada a crianças. A raridade do modelo prende-se com o custo consideravelmente elevado há época, particularmente se tivermos em consideração as alternativas presentes no mercado.

Pautada pelo tema de desportivos britânicos, a atenção foca-se num MGC GT que, tal como um raríssimo Alpine A108, percursor do mítico A110, pertenceu à Coleccção Sáragga, assim como num MGA 1600 que revela plenamente a sua patine. Mas não só de desportivos e veículos luxuosos se faz a selecção e restauro de veículos na Otiima Custom, algo facilmente comprovável pela presença de um Jeep Willis de segunda série, equipado, como não poderia deixar de ser, com jerricã e caixas de equipamento militar.

Com tal panóplia de veículos, poderá ser audaz eleger um específico para superior relevância, mas o Alfa Romeo 1750 Spider Veloce Duetto “Osso Di Sepia” a tal motiva, encabeçado pelo design soberbo da Pininfarina em estilo codatronca de influência balística. Com caixa de cinco velocidade e 115cv, demonstra plenamente a superioridade tecnológica e de design evidenciada pelas marcas italianas durantes os anos 60.

Pela Preservação Intemporal

Para além do foco nos veículos antigos e na sua manutenção, uma das grande mantras da Otiima Custom prende-se com a formação de jovens, familiarizando e especializando-os no restauro de veículos clássicos e, numa toada superior, permitindo que o grande motivador pela manutenção destes veículos se perpectue de geração em geração, a mestria e paixão pelo automóvel clássico. Toda a formação, englobando pintura, chaparia e montagem é comparticipada pela Otiima Custom, sendo frequentes as oportunidades para incorporar a equipa multidisciplinar responsável pela preservação da coleção e satisfação dos projectos da oficina, sendo “tão importante a formação de jovens como a conclusão bem sucedida de um restauro”. Nos planos futuros da Otiima Custom está uma reorganização do espaço assim como a implementação de um parque especializado, no qual será possível o armazenamento de um clássico para utilização quando desejado, assim como a procura de organização de eventos para dar réplica ao já organizado Passeio dos Epicuristas, nomeadamente a organização do parque de assistência para as próximas edições do RallySpirit.

Numa toada conclusiva, resta referir que enquanto existirem espaços como a Otiima Custom, o futuro dos automóveis clássicos está mais do que assegurado, seja em que forma ou feitio o pretendamos manter ou personalizar.