Em conversa de café com um conhecido apreciador do tão nosso “carocha”, dei por mim a contemplar um destes tais achados de engenharia (ou artimanha, vá).
Ele, um auto-intitulado “doente de tudo o que é VW naturalmente arrefecido”, falava de tal artifício como se de um sistema VTEC ou de um qualquer primeiro revolucionário turbo se tratasse. Directo ao ponto: não passa de um sistema de limpa para-brisas. Este artigo poderia ficar por aqui, mas por receio de que não encontrem também um motivo para sorrir, prosseguirei.
Ora, o cerne da questão é o quão simplório acaba por ser este sistema de limpa para-brisas. Começando pela rama, e como certamente um qualquer estudioso da língua seria capaz de nos explicar, o propósito de um limpa para-brisas é o de… bem, limpar o para-brisas. Sem dúvida complexo e simultaneamente subtil, mas certamente consideremos acompanhar. Tipicamente este processo ocorre através da injecção por bomba de água através de um qualquer orifício para a superfície do para-brisas, que seguidamente é varrido pelas escovas. Em grande parte dos veículos automóveis estas bombas são alimentadas por sistemas de 12 volts que pressurizam o depósito de fluído para que, à abertura da válvula, o fluído saia.
Quando a Volkswagen decidiu colocar um sistema de limpa para-brisas no Beetle, já no longínquo ano de 1961, de um ponto estavam certos: não iam de certeza absoluta colocar um engenho espampanante como uma bomba de 12 volts para simplesmente irrigar o para-brisas com fluído. Bem, se nem para colocar duas lâmpadas distintas nos indicadores de pisca do tablier, imagine-se para isto.
Assim, a primeira versão usava uma pequena bomba de mão que obrigava o utilizador a pressurizar o depósito de fluido manualmente. Apesar de funcionar, existe algo indigno acerca de ter que bombear água com uma acção dos nossos próprios músculos, o que fez com que a VW pensasse numa forma de pressurizar automaticamente o reservatório para que, com o simples premir de um botão, se pudesse obter igual resultado, e tudo isto sem recurso a qualquer tipo de bomba…Como? De uma forma bastante inteligente. Os sistemas de limpa para-brisas dos antigos Volkswagen funcionam utilizando a pressão do pneu sobressalente, o que, pessoalmente, representa uma aplicação à qual se pode aplicar verdadeiramente a palavra “Engenharia”.
O funcionamento em si era bastante simplista. O reservatório do líquido está montado atrás (e em versões posteriores, ao meio) do pneu sobressalente, tendo duas tubagens conectadas a este. Uma destas é longa e estabelece ligação directa a um pequeno bocal em nariz de sapo ao meio do para-brisas. Já a restante possibilita ligação, através de uma válvula especial, à válvula do pneu.
Assim, bastava encher o pneu sobressalente até 43 PSI, e a válvula especial no depósito impedia o pneu de ficar abaixo de 26 PSI, a quantidade necessária para usar o pneu para o seu propósito fundamental.
Claro que de x em x tempo a pressurização vigorosa passava a uma mais débil, o que significava que, na próxima paragem para abastecer, a pressão do pneu deveria ser revista.
Após alguma investigação chega-se à conclusão de que esta utilidade não é exclusiva do Beetle, sendo também implementada em Ghias, Things, e Type 3’s e 4’s (apenas as Type 2 se “salvaram”, mantendo o recurso manual).
Ao fim de uns bons minutos a admirar tal sistema e de o ver em acção, devo admitir que se tornou num dos meus pormenores clássicos favoritos. Lógico num automóvel de entrada de gama como o Beetle, mas até absurdo num veículo de classe alta como o Type 4.
Resta a sensação de que a Volkswagen da altura estava tão embrenhada na ideia de não desperdiçar nada, nem mesmo o ar do pneu sobressalente, que não poderiam, em boa consciência, instalar uma “decadente” bomba. O seu engenhoso sistema resolvia o problema, e isso, em si, é de alguma forma, belo.
José Brito / Jornal dos Clássicos