Uma tendência aparentemente irreversível

08/11/2021

A recente declaração do CEO da Alfa Romeo Jean-Philippe Imparato causou polêmica em todo o mundo e não foi exceção no Brasil. Este afirma que os próximos lançamentos da marca não serão “um iPad com um veículo em volta”. O que a tradicional montadora italiana, controlada pelo Grupo Stellantis, quis dizer é que os novos automóveis não terão os seus bonitos painéis de instrumentos substituídos por enormes telas digitais. Esta é uma tendência, aparentemente irreversível, na indústria automóvel mundial e as reações foram extremas.

Houve quem acusasse a marca do Cuore Sportivo de antiquada, em descompasso com o desejo da maioria dos consumidores modernos, e candidata, portanto, a um grande fracasso comercial. Mas foi interessante observar um número ainda maior de comentários favoráveis à decisão do fabricante. Quem gosta do desportivo tradicional da marca italiana, do design, mecânica, potência e o ronco dos motores, não está nem um pouco interessado em brincar com o painel quando conduz.

Particularmente, coloco-me entre os que aplaudiram a proposta da Alfa Romeo que, admite mostradores digitais nos seus painéis, desde que sejam discretos. Há um evidente exagero na utilização de telas em automóveis modernos. Além de distraírem o motorista da condução, com tantos apelos visuais e sonoros, esteticamente não favorecem os veículos. São grandes, espalhafatosas, brilhantes e ocupam muito espaço na arquitectura interna dos veículos com funções raramente utilizadas.

Parecem ser um bom negócio para os fabricantes, pois o seu custo é inferior ao de instrumentos analógicos ou comandos físicos, mas podem ser mais caros para os usuários em caso de acidentes. Além disso, esses visores estão fadados à obsolescência em poucos anos, a tecnologia “futurista” irá ficar desatualizada em pouco tempo. O que vai acontecer quando os chips desses instrumentos virtuais “caducarem” e não existirem mais componentes de reposição? Os carros terão de ser descartados, como copos de plástico?

Um caso me vem à mente. A Miura, a marca brasileira, foi um dos mais sofisticados e caros automóveis fora de série dos anos 80. Esta era uma excelente marca de automóveis esportivos artesanais, que ainda hoje reúne legiões de fãs, organizados em clubes de colecionadores. Mas um modelo em particular, o Saga, foi o que mais incorporou a tecnologia eletrônica da época. Tinha um computador de bordo com sintetizador de voz, que “falava” com o motorista, portas sem maçanetas, que abriam com um controle remoto, e luzes neon por toda parte. Sucesso absoluto entre os geeks, hoje muitos desses componentes não funcionam e nem podem ser consertados, e os carros parecem apenas cafonas.

Nada é mais velho do que um objeto futurista visto em retrospectiva. As telas automotivas podem ter vindo para ficar, mas não compartilho deste deslumbramento infantil por traquitanas digitais. Por isso, não tenho o menor interesse em dirigir um tablet com rodas.

Fotos: Eduardo Scaravaglione

Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.