Motociclos que marcaram uma geração – Kawasaki ZXR 750

04/10/2022

De entre os “big four” nipónicos foi provavelmente a marca que menos projeção (e vendas) foi tendo no nosso país e por vários motivos: nem sempre estar presente em todos os segmentos ou mudar várias vezes de importador são dois deles, mas não se pode negar que foi sempre lançando modelos muito marcantes e com várias inovações.

Neste momento estamos no meado da década de 80. A categoria das desportivas 750 é bastante ativa e a GSX-R 750 veio, com furor, alterar a ordem estabelecida, nas pistas e fora delas! É leve, potente, fácil de conduzir e inovadora! Um verdadeiro quebra-cabeças para a concorrência que necessita de tempo para reagir e partir para o contra-ataque.

 

A Kawasaki vivera demasiado tempo à sombra da sua fenomenal Z9 de que já falámos e é fundamental ter um modelo capaz de enfrentar a GSX-R. A GPZ 900R é o ponto de partida, mas importa descer um pouco mais de cilindrada e lançar uma moto com uma estética “de corridas”.

A primeira etapa é começar pelas 600, uma categoria em ebulição e muito popular, sendo que o lançamento da inovadora e genial GPZ 600R em 1985 (sobre a qual falámos aquando da CBR 600) mostrou o caminho a seguir, mas era preciso mais tempo e só em 1988 a marca lançou uma “moto de estrada para corridas” a que chamou um nome que ainda hoje é célebre: ZXR-7.

Vinha com um inovador quadro perimetal de alumínio, quase todo à vista, e uma versão melhorada do motor que já equipava a GPX 750R e que já estava no mercado há 2 anos e que era uma excelente moto (apesar de alguns problemas de fiabilidade iniciais por causa do consumo de óleo), com uma postura confortável e um comportamento menos agressivo.

 

Se a Suzuki não tem lançado a sua GSX-R talvez a GPX 750R até tivesse mais tempo no mercado, mas não foi isso que aconteceu, apesar de ser bastante inovadora, na senda da sua irmã 900. Vinha com um motor de dupla árvore de cames, 16 válvulas, refrigeração líquida, dois discos de travão à frente e um atrás e um look mais atual que a GPZ 900R que Tom Cruise popularizara em Top Gun, mas não era suficiente e em Akashi perceberam isso depressa!

A novíssima ZXR-7 era uma moto de estrada destinada às corridas de resistência (endurance) e também ao novíssimo Superbike World Championship que começou exatamente em 1988 (ano em que o vencedor foi Fred Merkel numa Honda RC 30, tal como no ano seguinte). Aliás, para que a Kawasaki conseguisse o cetro foi necessário aguardar até 1993, ano em que o vencedor foi o norte-americano Scott Russel, último vencedor antes do domínio da Ducati que durou até ao final da década, com exceção do norte-americano John Kocinski, em 1997 com a Honda RC 45.

Deste modo, foi em 1989 que chegou aos mercados a homenageada desta crónica: a espetacular ZXR 750 (H1) que, nos Estados Unidos, pelo menos até 1996, era designada por Ninja ZX-7 e a versão de corrida “homologada” era a ZX-7R e nos outros países ZXR 750R.

N.º 27: Kawasaki ZXR 750

A nova máquina não veio revolucionar o mercado da sua categoria, mas certamente que lhe veio causar um abanão, além de aumentar a oferta para os consumidores ávidos de novidades, inclusive em termos estéticos e aqui a ZXR era uma moto francamente bem conseguida. Por um preço razoável e muito distinta de tudo o que o mercado tinha para oferecer até à data, representando uma rutura até com a estética das motos da própria marca. Basta ver as duas entradas de ar (ainda sem a função ram air) nas laterais dos faróis e as respetivas “traqueias” a “entrar” no tanque de combustível.

 

Um visual verdadeiramente inovador, quase cibernético e futurista que, por exemplo, inspirou certamente a personagem Immortan Joe, interpretada por Hugh Keays-Byrne no filme de 2015 Mad Max: Fury Road e que já tinha sido Toecutter, em Mad Max I, que já apresentámos nas 10 semanas, 10 filmes.

As suas especificações, sem serem do outro mundo, também não desiludiam em nada! Com 749 cc, uma relação curso/diâmetro de 68×51,5 mm, oferecia cerca de 110 cv às 10.500 rpm e um binário de 75,6 nm às 9.000 rpm e mesmo o seu peso de 205 kg a seco também não era um valor excecional, mas tinha outras virtudes, como embraiagem deslizante.

 

Parte do destaque ia também para a ciclística com um conjunto de suspensões multireguláveis (a traseira tinha fama e proveito de ser sempre muito dura), uma posição de condução radical, pneus bem dimensionados e em jante de 17 polegadas (à frente 120/70ZR17 e atrás 170/60ZR17) e discos de travão dianteiros de 310 mm com pinças de duplo pistão e atrás disco simples com pinça simples de 230 mm, acompanhado por cores muito exuberantes, como esta verde, azul e branco.

O espetacular exemplar que aqui apresento (muito obrigado Artur pela simpatia e disponibilidade) é logo do primeiro ano e está de facto muito atrativo, tendo sido já alvo de restauro. Há ali um ou outro detalhe que não são originais, caso do disco de travão traseiro ou da “bolha” que é um pouco mais elevada e tem uma tonalidade esverdeada que, diga-se em abono da verdade, não lhe fica mal.

Aparte esses pequenos detalhes a moto está bestial, com o escape original e a cobertura do baquet traseiro à cor do resto da moto! Uma delícia! Além disso, marca apenas 32.000 km, o que para um moto trintona é mesmo pouco! Por falar em marcadores, destaque para o taquímetro cuja zona vermelha começa só às 12.000 rpm, sendo que consta que a velocidade máxima (real) anda bem próximo dos 250 km/h.

 

É uma verdadeira desportiva com algumas concessões em termos de conforto. A posição de condução é exigente, vamos colados à moto, com o peso para a frente e os avanços a fazerem com que carreguemos o peso na roda dianteira. Os próprios poisa-pés estão recuados e bastante altos (algo inovador à época). Quanto ao lugar do passageiro/a não chega a ser simbólico, mas quase, além de faltar um lugar para segurar as mãos (veio a ser introduzido mais tarde), sendo a melhor opção o condutor ou mesmo o depósito!

O motor é forte e disponível, mas é nas médias (tipo 8.000 rpm) e, sobretudo, altas rotações (acima das 10.000 rpm) que melhor se exprime e encanta ainda mais. Aí quando começa a gritar a plenos pulmões e a sonoridade do escape se torna mais vincada e tudo começa a passar por nós muito rápido (ou será o contrário). A precisa e rápida caixa de velocidades ajuda e convida a abusar um bocadinho mais, mas esta Senhora merece respeito e carinho até porque hoje encontrar algumas das peças será mesmo uma complicação muito séria…

As vendas no primeiro ano correm bastante bem e a marca sente que acertou em cheio! Há ali uns detalhes e arestas para limar, em parte porque a base mecânica era oriunda da GPX 750R, mas o resultado final é bastante bom e o preço final, fruto também da escolha de alguns componentes que podia ser de qualidade superior, acaba por ser bastante ajustado ao mercado em que se insere.

Tomando como referência o ano de 1990 e fazendo uma comparação direta com a sua grande adversária GSXR 750 estão niveladas: a Kawasaki custa 1582 contos e a Suzuki 1522 contos. Assim, para os motociclistas nacionais, a escolha entre uma e a outra teria que ser mais tendo por base outros critérios, caso da simpatia pela marca ou das condições oferecidas pela concessão.

As outras duas marcas nipónicas tinham tomado um caminho ligeiramente diferente: a Honda estava especialmente dedicada à competição com a sua RC 30 (VFR 750R) que era uma pura moto de competição com matrícula e comercializava, desde 1987, a sua popular e inovadora VFR 750F cuja base era similar, mas o posicionamento menos radical, ficando a ZXR (e a GSX-R) a meio entre as duas. O próprio preço da VFR era similar e em 1990 custava 1590 contos.

Por último, a Yamaha também estava muito comprometida com a competição e tinha a sua OW01 (FZR 750R) que era, tal como a RC 30 uma moto destinada a corridas, mas homologada. Tinha ainda a FZ 750, mas cujo posicionamento era bem menos radical, deixando a Kawasaki e a Suzuki no meio. O preço da FZ, também tendo por referência 1990, era o mais baixo de todas as 4: 1389 contos.

Destaque ainda para a europeia Ducati 851 (depois 888) que também entrava na luta, mas com um posicionamento de “moto de corridas”, tal como a RC 30 e a OW01, sendo que o seu preço refletia isso mesmo: uns inatingíveis, para o bolso dos portugueses, 2405 contos!

Depois desta análise mais claro fica que a grande adversária da ZXR, em termos de preço e posicionamento no mercado era a GSXR, mas tudo iria mudar e em pouco tempo, nomeadamente quando, em 1992, a Honda lançou a sua CBR 900, sobre a qual havemos de falar mais à frente e que veio “baralhar” muito o mercado.

Evolução da família ZXR até ao fim do milénio

A Kawasaki decidiu, e bem, que podia e deveria diversificar a receita, mais ainda porque diferentes mercados procuram motos distintas e as próprias regulamentações são muito variadas entre si, mas façamos um périplo pela família, da cilindrada mais baixa até à mais alta, tendo sempre por limite temporal o fim do milénio já que é aí que terminam as nossas crónicas.

A Kawasaki ZX-R 250 (ou Ninja) chegou ao mercado no final de 1988 e era uma máquina incrível, essencialmente por um motivo: a capacidade avassaladora de fazer rotação! Conseguia fazer quase 45 cv a umas incríveis 15.000 rpm! Sim, leram bem! Mesmo na década de 80 já se comercializavam motos de estrada cujo regime máximo de potência era obtido tão lá acima! Mesmo o binário, minúsculo de 25 nm, era obtido às 11.500 rpm! Os 4 pistões em linha deslocavam-se a uma velocidade inacreditável e o motor só resultava mesmo lá bem acima!

Destinavam-se sobretudo ao mercado doméstico e a um ou outro mercado oriental, caso da Malásia e poucas chegaram à Europa, mas recordo-me de ver (e ouvir o motor) não uma ZX-R 250, mas uma sua direta concorrente de perfil e prestações similares: a Yamaha FZR 250!

Ainda sobre a pequena ZX-R 250 foi sofrendo várias alterações ao longo da sua vida (geralmente com diferentes designações de Letras: A, B, C, D), sendo que a sua produção terminou em 1999, o que não invalida que não existam motos matriculadas mais tarde.

 

 

A ZX-R 400 chegou ao mercado em 1989 e a receita era similar: muito leve e manobrável, com um motor de 4 cilindros em linha, 16 válvulas, dupla árvore de cames, refrigeração líquida e, novamente, um motor muito rotativo, capaz de produzir mais 60 cv, mas apenas às 13.000 rpm, sendo o binário máximo de 36 nm atingido às 12.000 rpm.

Dedicada especialmente ao mercado doméstico, acabou por ser vendida e apreciada noutros países, sendo que é possível que também tenham sido vendidas algumas no nosso país, mas certamente em número muito limitado.

No degrau acima temos a ZX-R 600 que chegou apenas ao mercado em 1995 e pretendia, de certa forma, ser uma versão mais radical que a popular ZZR 600, sobre a qual já falámos quando foi feita a apresentação da CBR 600.

A nova mid-weight Supersport veio para disputar um segmento muito concorrido, mas com uma postura mais radical. Por exemplo, a ZZR 600 tinha aproximadamente a mesma potência e binário, mas pesava 195 kg a seco enquanto a ZX-R 600 pesava apenas 182! Outra diferença entre ambas é que a ZZR custava 1602 contos e a novidade cerca de 1700 contos! O sucesso e as atualizações foram-se prolongando, continuando já neste milénio.

Sobre a popular ZX-R 750 já vos contámos o essencial, sendo que a sua comercialização se prolongou pelo início deste milénio, mas o facto que o surgimento das 900 cc, para o comum dos mortais, acabaram por lhe retirar algum protagonismo e como a competição, nomeadamente o mundial de superbike, acabava por favorecer as bicilíndricas italianas, o seu destaque foi sendo menor.

 

A própria marca deu uma ajuda a tirar projeção à ZXR 750 quando, ainda em 1994, lançou a ZX-9R , essencialmente para tentar dar luta à nova CBR 900, mas nem tudo correu tão bem como esperado. A moto era uma espécie de “cruzamento” entre a ZXR 750 e a ZZR 1100, sendo bem mais pesada que a CBR 900, com um diferencial não inferior a 20 kg, apesar de muito mais potente, cerca de 139 cv face aos 124 cv da CBR 900.

Por outro lado, a novíssima ZX9-R, talvez fazendo-se valer do fator novidade, tinha um preço que não ajudava em nada a sua implantação no mercado nacional: basta pensar que a Fireblade tinha um preço de tabela de 2.220 contos e a Kawasaki custava uns exagerados 2.390 contos, já muito próximo da turístico/desportiva ZZR 1100 que custava 2433 contos, ou seja, um diferencial de 43 contos!

E termina aqui a história muito reduzida da família ZXR até 1999, sendo que as versões 636 ou 1000 já não serão abordadas, mas fica uma certeza: a ZXR 750 teve um papel fundamental no mercado, lançando uma moto que veio mudar, para melhor, o panorama motociclístico mundial numa cilindrada muito importante, mesmo na atualidade, embora com motos de prestações inferiores e destinadas a um público muito diferente.

Como vai sendo habitual, as principais fontes de informação são em outras línguas, mas a informação vai existindo, pelo que se deixam alguns pontos de pesquisa.

Andyspage: história detalhada do modelo, mas centrada na versão americana;

Bennetts.co: análise do modelo, com detalhe e muitas dicas;

ZXR7Team: fórum francês com muita informação sobre a ZXR7 e não só;

ZXRWorld: novo fórum, muito focado na ZXR 400, mas não só;

ZXR750: fórum alemão com imensa informação, em particular sobre a 750;

VisorDown: Evolução do modelo ao longo dos anos.