Porsche 911 GT3 Cup VS 911 Turbo S: A força da técnica

04/01/2017

Com 580 CV seria de esperar que o Porsche 911 Turbo S esmagasse os 460 CV do Porsche 911 GT3 Cup. Numa prova de arranque, talvez. Num autódromo não tem hipótese. A eficácia do carro de corridas é avassaladora.

Não é todos os dias que se recebe um convite para andar num Porsche 911 GT3 Cup. Não é mesmo. No entusiasmo instantâneo que se gerou interpretámos mal a proposta de Pedro Marreiros. Diz-se que em determinadas situações os ouvidos ouvem apenas aquilo que querem e nós ouvimos o Pedro a convidar-nos para ocuparmos a bacquet direita que havia sido montada no Porsche 911 GT3 Cup que utiliza no Campeonato de Espanha de Resistência. Só quando chegámos ao Circuito do Estoril e avançámos para o Porsche de corridas é que percebemos a nossa precipitação. Vamos andar ao lado do Pedro Marreiros. Ao lado, noutro carro. Sendo o outro carro um Porsche 911 Turbo S conduzido pelo Pedro Salvador, tudo bem.

Ficámos com pena de não sentir as emoções em estado bruto proporcionadas pelo carro de competição, mas não ficámos nada mal servidos com o 911 Turbo S. Mesmo sem o ter conduzido. O que, contrariamente ao que possa parecer, não tem nada de errado. Afinal, temos sérias dúvidas que conseguíssemos fazer a curva da orelha em power slide ou abordar a variante nova apontando o carro à cabina do comissário, tipo Troféu Andros de condução no gelo, com o brilhantismo e a segurança do Pedro Salvador. Sempre a rir e com a descontração de quem dá um passeio de domingo pela Marginal.

ESPECIAL DE CORRIDA

O 911 Turbo S impressiona, sem dúvida! Mas parece um menino ao lado do GT3 Cup. Podem ter a mesma arquitetura de motor traseiro com 3.8 litros e seis cilindros opostos, mas as semelhanças ficam-se por aí. E pelas carroçarias, que os identificam claramente como Porsche 911. Depois, enquanto o Turbo S segue o caminho de todos os 911, recebendo as mordomias da Porsche, incluindo os dois banquinhos traseiros que tanto jeito dão para transportar malas e casacos, o GT3 Cup segue para a Porsche Motorsport.

Do departamento de competição do construtor de Estugarda, recebe apenas aquilo de que necessita para correr. À primeira vista, o habitáculo parece espartano. Só depois de observar com atenção e identificar as partes que constituem o todo se percebe o verdadeiro alcance da transformação. Salta à vista a estrutura de segurança, tal como o extintor… no lugar onde devia estar a nossa bacquet! Falando em bacquets, a do Pedro Marreiros é impressionante pelo apoio oferecido, que se estende até à zona da cabeça.

A instrumentação resume-se ao indispensável para as corridas, tal como os comandos secundários. O volante amovível também tem botões, mas em vez de controlarem o volume ou o telefone têm funções específicas como definir a velocidade nas boxes, acionar o limpa para-brisas, mudar os menus do computador, ligar a comunicação via rádio com a box ou engrenar a marcha atrás. Isto porque a caixa de seis velocidades só tem comandos no volante.

Ao contrário do que se poderia esperar num carro de corridas com macacos hidráulicos incorporados e jantes de aperto central, os travões não têm discos em material compósito. São aço ranhurados e ventilados com 380 mm à frente e atrás, sendo a diferença feita pelas maxilas em alumínio com seis êmbolos à frente e quatro atrás. A exemplo do escalonamento da caixa, a suspensão pode ser afinada de acordo com as especificações de cada corrida. Basicamente é sempre muito bom. Talvez não para conduzir até ao trabalho, mas não foi para isso que foi feito.

BIPOLAR

Se há carro capaz de ser rápido num autódromo e funcional no quotidiano (afinal tem ar condicionado, rádio, navegação ligação Bluetooth para o telemóvel), esse desportivo é o Porsche 911 Turbo S. O nome dispensa apresentações e os 580 CV representam um cartão-de-visita invejável. Especialmente quando são geridos pela reconhecida caixa PDK de sete velocidades e dupla embraiagem e distribuídos pelas quatro rodas pelo sistema de tração integral ativa da Porsche.

Praticamente sem perdas de tração, os 700 Nm de binário, 750 Nm com overboost, são transferidos para o asfalto com uma eficácia que transforma o 911 Turbo S numa bala cinzento metalizado. A velocidade máxima está limitada aos 330 km/h e não precisa de mais de 2,9 segundos para chegar aos 100 km/h. Se este intervalo de tempo parece curto, o que dizer dos 1,8 segundos de que precisa para acelerar dos 80 km/h até aos 120 km/h. Ultrapassar nunca foi tão fácil. A não ser que o alvo seja o 911 GT3 Cup com que o Pedro Marreiros disputa o Campeonato de Espanha de Resistência. Mas já lá vamos. Primeiro as fotos.

Feito para uma utilização polivalente, ainda que os 238 000€ o ponham num campeonato à parte, o Turbo S pode ser ligado e desligado as vezes que forem necessárias. Também pode ficar a trabalhar para manter as luzes acesas para as fotos, sem que daí venha qualquer mal. Já o GT3 Cup foi feito para andar depressa e por isso sobreaquece se perder tempo em manobras ou ficar parado a trabalhar. Nesta altura ficamos gratos pelos vidros traseiros em plástico e pelas diversas aplicações em carbono que contribuem para manter o peso nos 1180 kg. É muito mais fácil de empurrar do que seria o Turbo S com 1605 kg.

APANHA-ME SE PUDERES

Ao contrário dos Porsche de estrada que mantêm a chave de contacto à esquerda do volante, o GT3 RS dispensa a chave. Mas lá por arrancar com botão, não quer dizer que ligar o carro que venceu o Campeonato Nacional de GT do ano passado, com a dupla Pedro Marreiros e Nuno Batista, seja fácil. Há toda uma sequência de comandos a percorrer. Primeiro o interruptor geral depois, durante 20 segundos, as duas bombas de combustível para aumentar o débito e só depois a ignição. Um estrondo! Potência em estado puro, com o mínimo de filtros.

Música para uns, ruído ensurdecedor para outros. Saímos para a pista sem grande convicção. Os Porsche iam lado a lado, mas nós íamos à frente, ao volante de uma carrinha com a mala aberta e o fotógrafo pendurado. Nada de excessos. Pelo espelho percebe-se que o GT3 Cup, com a suspensão afinada para o circuito de Barcelona, não mexe um milímetro. Acompanha o relevo como uma lapa fazendo o Turbo S parecer solto. E ainda está a andar devagar, o que se percebe pelo trabalhar descompassado do motor, pouco habituado a trabalhar nos regimes baixos.

O fim das fotos foi um alívio para o motor do carro de competição e para o Pedro Marreiros que já começava a ficar cansado de andar a marcar passo atrás de nós. Ao “Ok” do fotógrafo, o 911 GT3 Cup desapareceu. Dependendo do acerto aerodinâmico e do escalonamento da caixa, o Porsche de corridas não tem valores certos de velocidade máxima ou de tempo para o arranque até aos 100 km/h. Apenas a certeza de Pedro Marreiros em como será, seguramente, mais rápido que o Turbo S.

MONTANHA RUSSA

Terminada a sessão e enquanto o Pedro Marreiros e a equipa empurravam o GT3 Cup para o respetivo reboque, o outro Pedro, o Salvador, convidou-nos para dar uma volta ao lado dele no 911 Turbo S. Um desportivo que, agora sim, tem aquele bocadinho que faltava ao anterior para ser perfeito em pista. Uma evolução extensível às versões mais acessíveis do 991, agora todas sobrealimentadas. O GT3 continua a ser uma saudável exceção. Mas não é dele que estamos a falar.

Depois de um pequeno preâmbulo sobre as qualidades funcionais do Turbo S, o Pedro pergunta: “Vamos?”. Claro! Mal tínhamos acabado de pronunciar a última sílaba e já estávamos a engolir. Quando se é apanhado desprevenido durante uma aceleração dos zero aos 100 km/h em 2,9 segundos fica-se com uma espécie de visão de túnel. O cérebro parece ficar para trás, os olhos só conseguem focar ao centro e no estômago dá-se uma sensação semelhante à da montanha russa. Mas aqui não há queda, apenas a direita que marca a saída das boxes e vai desembocar na Curva 2. Brutal!

A primeira volta desenrola-se sem grande história. Tração incrível, motor sempre disponível e um comportamento em curva de excelência. Os discos de travão em composto de cerâmica aguentam o tratamento de choque, mantendo a eficácia curva atrás de curva. Já os Michelin Pilot Sport Cup começavam a acusar o desgaste de um dia nas corridas. “O pneu traseiro do lado esquerdo já foi”, constatou o Pedro. “Logo, assim é mais giro”, concluiu, enquanto iniciava mais uma volta. Desta vez em modo acrobático.

A facilidade como controla o Turbo S, mesmo sem pneus, denuncia o equilíbrio do mais potente dos Porsche com produção em série. O talento do piloto não pode ser ignorado mas, como o próprio afirma, Porsche 911 Turbo S é muito fácil de conduzir nos limites. Há que pôr um filtro e adequar os limites às mãos de quem se senta atrás do volante, mas ficámos com a sensação que, de facto, fazer a parabólica a fundo é tão fácil como contornar a Rotunda do Marquês.

Texto Ricardo Machado/Turbo

Fotografia José Bispo

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